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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.3 n.1 Ananindeua mar. 2012

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232012000100004 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Independência funcional em indivíduos com paralisia cerebral associada à deficiência intelectual

 

Functional independence of individuals with cerebral palsy associated with intellectual disability

 

Independencia funcional en individuos con parálisis cerebral asociada a deficiencia intelectual

 

 

Tânia Cristina de MouraI; Lúcia Helena Coutinho dos SantosII; Isac BruckII; Regina Maria Ribeiro CamargoIII; Kátia Aceti OliverIII; Marise Bueno ZontaIII

IPrefeitura Municipal de Curitiba, Curitiba, Paraná, Brasil. Universidade Tuiutí do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
IIDepartamento de Pediatria, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil
IIIUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O comprometimento intelectual é frequente em indivíduos com paralisia cerebral (PC) e pode influenciar a aquisição da independência funcional.
OBJETIVO: Descrever os níveis de independência funcional em indivíduos com PC associada à deficiência intelectual (DI).
MÉTODOS: A escala Medida da Independência Funcional (MIF) foi aplicada aos cuidadores de indivíduos com PC e DI e seu escore relacionado ao nível do Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Classification System - GMFCS), tipo de movimento, idade, gênero, presença de epilepsia, escolaridade dos pais, uso de medicação, renda per capita e benefício financeiro governamental. Para a análise estatística foram utilizados os testes não paramétricos de Mann-Whitney para comparação de duas variáveis e de Kruskal-Wallis para três variáveis. O coeficiente de correlação de Spearman foi estimado para variáveis quantitativas.
RESULTADOS: Foram avaliados 21 indivíduos com PC e DI, entre 6 e 24 anos de idade. O melhor nível no GMFCS teve correlação positiva com as áreas de autocuidado, mobilidade e locomoção da MIF. A idade teve correlação positiva com as áreas de autocuidado, mobilidade, comunicação e cognição da MIF. Observou-se relação entre a maior escolaridade dos pais e menores escores de independência em autocuidado e cognição.
CONCLUSÃO: Os indivíduos desta amostra com PC associada à DI foram considerados dependentes em 61% dos itens da escala MIF. Os maiores índices de independência foram observados nas áreas de alimentação, controle de esfíncteres e transferências. A idade dos sujeitos, a escolaridade dos pais e especialmente o nível no GMFCS foram as variáveis que mais se relacionaram à independência.

Palavras-chave: Paralisia Cerebral; Deficiência Intelectual; Atividades Cotidianas; Qualidade de Vida.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Intellectual impairment is common in individuals with cerebral palsy (CP), and it can interfere with the acquisition of functional independence.
OBJECTIVE: To describe the levels of functional independence in individuals with CP associated with intellectual disability (ID).
METHODS: The Functional Independence Measure (FIM) was administered by caretakers of CP and DI patients, and the scores were associated with the level in the Gross Motor Function Classification System (GMFCS), type of movement, age, gender, presence of epilepsy, parents' schooling, use of medication, per capita income, and access to government financial aid. The statistical analysis was performed by use of the comparison tests Mann-Whitney and Kruskal-Wallis for two and three variables, respectively. The Spearman correlation coefficient was estimated for quantitative variables.
RESULTS: A total of 21 CP and ID patients between 6 and 24 years of age were assessed. The highest GMFCS level was positively correlated with the following FIM areas: self-care, mobility, and locomotion; age was positively correlated with self-care, mobility, communication, and cognition. There was a correlation between parents' higher educational background and lower independence scores in the self-care and cognition areas.
CONCLUSION: The individuals with CP associated with ID were considered dependent in 61% of the FIM areas. The highest levels of independence were observed in the areas of eating, sphincter control, and transfers. Their age, their parents' schooling, and especially their GMFCS level were the variables most related to independence.

Keywords: Cerebral Palsy; Intellectual Disability; Activities of Daily Living; Quality of Life.


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: El comprometimiento intelectual es frecuente en individuos con parálisis cerebral (PC) y puede influenciar en la adquisición de autonomía funcional.
OBJETIVO: Describir los niveles de autonomía funcional en individuos con PC asociada a deficiencia intelectual (DI).
MÉTODOS: La escala Medida de la Independencia Funcional (MIF) se aplicó a los cuidadores de individuos con PC y DI y su puntaje relacionado al nivel del Sistema de Clasificación de la Función Motora Gruesa (Gross Motor Function Classification System - GMFCS), tipo de movimiento, edad, género, presencia de epilepsia, escolaridad de los padres, uso de medicación, renta per capita y beneficio financiero gubernamental. Para el análisis estadístico se utilizaron las pruebas no paramétricas de Mann-Whitney para comparar dos variables y la de Kruskal-Wallis para tres variables. Se calculó el coeficiente de correlación de Spearman para variables cuantitativas.
RESULTADOS: Fueron evaluados 21 individuos con PC y DI, entre 6 y 24 años de edad. El mejor nivel en el GMFCS tuvo una correlación positiva con las áreas de autocuidado, movilidad y locomoción de la MIF. La edad tuvo correlación positiva con las áreas de autocuidado, movilidad, comunicación y cognición de la MIF. Se observó relación entre la mayor escolaridad de los padres y menores puntajes de autonomía en autocuidado y cognición.
CONCLUSIÓN: Los individuos de esta muestra con PC asociada a DI fueron considerados dependientes en 61% de los ítems de la escala MIF. Los mayores índices de independencia fueron observados en las áreas de alimentación, control de esfínter y transferencias. La edad de los sujetos, la escolaridad de los padres y especialmente el nivel en el GMFCS fueron las variables que más se relacionaron a la independencia.

Palabras clave: Parálisis Cerebral; Discapacidad Intelectual; Actividades Cotidianas; Calidad de Vida.


 

 

INTRODUÇÃO

O termo paralisia cerebral (PC) descreve um grupo de desordens permanentes no desenvolvimento do movimento e na postura. Estas desordens causam limitação nas atividades e são atribuídas a alterações não progressivas que ocorreram no cérebro imaturo1. A alteração nos movimentos é obrigatória, podendo ser classificada segundo o tipo de movimento em espástica, discinética e atáxica, e de acordo com distribuição topográfica.   Por ocorrer  num   período  crítico  do desenvolvimento neuropsicomotor, geralmente afeta o processo de aquisição de habilidades funcionais. A PC é a condição mais frequente de incapacidade motora na infância2,3. A maior limitação motora tem sido relacionada à maior limitação funcional e piores índices de qualidade de vida e bem estar destas crianças4,5,6. Atualmente tem sido enfatizado que o maior objetivo dos tratamentos na criança e no adolescente com PC é melhorar a função7.

As desordens motoras da PC podem estar acompanhadas do comprometimento da cognição1, fator este que interfere na adaptação do indivíduo ao ambiente levando à menor independência funcional. O estudo de Beckung et al8 mostra a relação entre a habilidade de andar e o quociente de inteligência (QI) em crianças com PC. Eles observaram que a habilidade de andar nestas crianças está altamente relacionada ao tipo de movimento e à classificação topográfica da PC, ao nível do QI, e à presença de epilepsia e comprometimento visual e auditivo graves. Entre estas variáveis, a que mais se associou de forma positiva ao prognóstico de andar foi a capacidade intelectual. Estes dados apontam para o impacto da capacidade cognitiva na independência funcional de indivíduos com PC. A deficiência intelectual (DI), segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais IV (DSM IV)9, caracteriza-se por um funcionamento intelectual significativamente inferior à média e associado a limitações adaptativas. Estas limitações devem ocorrer em pelo menos duas das seguintes habilidades: comunicação, autocuidado, vida domiciliar, habilidades sociais/interpessoais, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança, e seu início deve ocorrer antes dos 8 anos de idade.

Diferentes aspectos da independência para o desempenho de atividades da rotina diária têm sido abordados na PC, mas não se conhecem estudos associando a PC à DI. O objetivo deste estudo foi avaliar e descrever os níveis de independência funcional em pacientes com PC e DI.

 

METODOLOGIA

CASUÍSTICA

Foram avaliados indivíduos com PC e DI, alunos da Escola Municipal de Educação Especial Tomaz Édison de Andrade Vieira, do Município de Curitiba, Estado do Paraná, Brasil. Os dados foram coletados no período de setembro a dezembro de 2008, após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tuiuti do Paraná em 21 de agosto de 2008, no 00033/2008. Um termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos responsáveis dos alunos autorizando a participação no estudo.

MÉTODOS

A presença da DI foi considerada a partir do laudo da escola, que é realizado por avaliação multidisciplinar. A escala Medida da Independência Funcional (MIF)10 foi aplicada pela primeira autora, por meio de entrevista com a mãe ou cuidador de todos os indivíduos da escola com diagnóstico de PC e DI que se prontificaram a participar da avaliação. Este instrumento mensura o grau de solicitação de cuidados de terceiros considerando 18 itens específicos dentro de seis áreas mais abrangentes: autocuidado (atividades da vida diária), locomoção, mobilidade (transferências), controle de esfíncteres, comunicação e cognição social11. Cada item é pontuado de um (totalmente dependente) a sete (totalmente independente). O escore 6 pontua a independência modificada e escores abaixo de cinco indicam uma necessidade cada vez maior de assistência humana12. Segundo Heinemann et al13 a MIF contém duas classificações de itens, das quais uma mede a função cognitiva e a outra a função motora. A versão em português da escala MIF, originalmente em inglês, foi feita em Portugal e passou a ser utilizada no Brasil após equivalência cultural12. Neste estudo, todas as avaliações foram realizadas por um único examinador, após treinamento com este material traduzido e adaptado.

Foram considerados, neste estudo, a pontuação para cada item individual da escala, o escore total e os escores motor e cognitivo na MIF. Estes escores foram relacionados a: a idade do indivíduo no momento da avaliação, o tipo de movimento, o nível funcional avaliado pelo Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (Gross Motor Function Classification System - GMFCS)14, a distribuição topográfica da PC, a presença de epilepsia, o uso de medicação, a renda per capita, o recebimento de benefício governamental e o nível de escolaridade dos pais. O GMFCS é um sistema ordinal que possui cinco níveis de classificação, os quais representam as habilidades da criança e suas limitações na função motora, sendo o nível l o melhor e o V, o pior. A avaliação e a classificação foram realizadas pela primeira autora em conjunto com a neuropediatra da equipe da Escola Especial. Para a análise estatística foram agrupados os níveis I e II e os níveis III a V no GMFCS.

A análise estatística considerou médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios padrões para as variáveis quantitativas, e frequências e percentuais, no caso das variáveis qualitativas. Para a comparação de dois grupos independentes, foi usado o teste não paramétrico de Mann-Whitney e para a comparação de três grupos foi usado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. Para a avaliação do grau de associação entre variáveis quantitativas foi estimado o coeficiente de correlação de Spearman. A associação entre duas variáveis dicotômicas foi avaliada pelo teste exato de Fisher. Valores de p < 0,05 indicaram significância estatística.

 

RESULTADOS

A amostra consistiu de 21 indivíduos com PC e DI com média de idade de 13,5 anos (± 6,03 DP), variando de 6 a 24, com mediana de 12 anos. Treze (61,9 %) eram do gênero masculino. Para análise estatística foram agrupados os espásticos e sua independência funcional foi comparada ao grupo com as formas mistas e atáxica. A amostra deste estudo contou com representantes em todos os níveis do GMFCS com maior percentual no nível II (70%) e apenas três indivíduos níveis IV ou V (Tabela 1). A idade, o tipo de movimento, o nível funcional no GMFCS, o nível de escolaridade dos pais e os escores motor e cognitivo na MIF referentes a cada paciente deste estudo se encontram descritos na tabela 2.

 

 

 

 

Foi observada independência completa ou modificada (mediana do escore 6 ou 7) em sete (39%) dos 18 itens avaliados pela MIF, sendo seis deles motores e um cognitivo (interação social). O item de menor pontuação foi resolução de problemas. As médias dos escores obtidos na MIF estão descritas na tabela 3. Considerando especificamente o escore motor, observou-se que, quanto maior o escore, melhor o nível funcional (p = 0,008). O maior escore cognitivo mostrou-se relacionado à maior idade (p = 0,015).

 

 

Dez (47,6 %) indivíduos recebiam benefício financeiro governamental e a renda per capita média foi de 329,3 reais (± 192,75 DP), variando de R$ 101,00 a R$ 875,00, com mediana de 316 reais. Não foi observada relação entre a independência funcional e a renda per capita ou com o recebimento de benefício financeiro. Considerando especificamente o escore motor, observou-se tendência à relação do maior escore com a menor renda per capita (p = 0,062). Não foi observada relação entre a independência funcional e o gênero ou uso de medicação. Não houve relação entre os escores da MIF -cognitivo e motor - com o gênero, a presença de epilepsia, o uso de medicação e o recebimento de benefício.

Seis (28,6 %) indivíduos apresentavam epilepsia. Os indivíduos com ausência de epilepsia obtiveram melhores escores na expressão verbal, com diferença próxima da significância estatística (p = 0,063). Observou-se que indivíduos com menor idade tendem a utilizar mais a expressão não verbal (p = 0,053).

Crianças classificadas como níveis I ou II no GMFCS apresentaram maiores médias n os escores de independência para mobilidade da cama, cadeira e/ou cadeira de rodas (p = 0,015), mobilidade para vaso sanitário (p = 0,025), na locomoção (p = 0,011) e subir e descer escadas (p = 0,011) do que as classificadas com níveis III a V. A relação entre a independência funcional específica para cada item da MIF e o nível no GMFCS e a idade está descrita na tabela 4.

 

 

A média do escore motor dos indivíduos classificados como nível I e II no GMFCS foi maior do que a dos classificados como III a V, sendo a diferença próxima à significância estatística (p = 0,06). Não houve relação entre o escore cognitivo na MIF e o nível no GMFCS.

Observou-se que, quanto maior a escolaridade do pai, menor a independência do indivíduo para vestir acima da cintura (p = 0,030), vestir abaixo da cintura (p = 0,024), higiene pessoal (p = 0,019) e memória (p = 0,046). Quanto maior a escolaridade da mãe, menor a independência para o vestir acima da cintura (p = 0,006), vestir abaixo da cintura (p = 0,008) e resolução de problemas (p = 0,020). Não houve relação entre o escore cognitivo na MIF e o nível de escolaridade do pai e mãe. Houve tendência à relação entre o maior escore motor na MIF e o maior nível de escolaridade do pai (p = 0,067) e da mãe (p = 0,064). Não houve relação entre o tipo de movimento e o nível de independência observado pela MIF.

 

DISCUSSÃO

Os problemas clínicos e o prognóstico de indivíduos com PC dependem da lesão cerebral e sua associação com comorbidades que acometem a percepção, a comunicação e a sensibilidade, e a presença de DI e epilepsia. O grau de aceitação do indivíduo pela comunidade; a curiosidade, determinação e capacidade de resolver problemas do indivíduo; o acesso à educação e a assistência da comunidade também afetam a evolução do indivíduo com PC15. Fauconnier et al16 realizaram um estudo transversal em nove regiões europeias sobre participação em situações da vida de crianças com PC e encontraram altos índices de restrição à participação em todos os domínios avaliados pelo LIFE-H questionnaire, observando que a disfunção na marcha, nas habilidades motoras finas, na habilidade intelectual e na comunicação; e o relato de dor pelos pais estiveram associados, de forma significativa, à menor participação na maioria dos domínios. Também observaram que a participação variou substancialmente entre as nove regiões, sendo os índices mais elevados entre as crianças do leste da Dinamarca. Para a maioria dos domínios de participação, aproximadamente um terço da variação não explicada poderia estar relacionada à variação entre as regiões e dois terços, à variação entre os indivíduos.

Os indivíduos avaliados neste estudo apresentam PC associada à DI em que, além da limitação imposta pelo quadro motor, o nível intelectual pode também ser considerado como um impedimento à funcionalidade. O comprometimento intelectual ocorre em aproximadamente dois terços dos indivíduos com PC7,17. Sabe-se que o risco de comprometimento neurossensorial grave e baixo desempenho escolar são mais comuns em crianças que sofreram encefalopatia com asfixia moderada ou grave. A DI e a PC graves compartilham fatores de risco perinatais e neonatais, sendo a asfixia perinatal o principal fator de risco para PC, DI, epilepsia, cegueira cortical e perda auditiva grave18.

Avaliar o impacto funcional da incapacidade na criança com PC em sua rotina diária é um componente essencial para um manejo terapêutico adequado, tanto para a seleção de metas apropriadas como para a aferição de resultados após intervenções. Neste estudo foi observado um alto grau de dependência nas atividades observadas pela escala MIF, sendo que as capacidades para alimentar-se e transferir-se da cama para cadeira ou cadeira de rodas e para o controle de esfíncteres, tanto intestinal quanto urinário, foram as mais preservadas nesta população.

A observação nesta amostra da relação entre a maior idade e a maior independência nas tarefas avaliadas pela MIF é contrária a estudos recentes na PC que apontam para uma maior perda motora na vida adulta19. Perscrutando a amostra em estudo pode-se verificar que um maior percentual de indivíduos com níveis funcionais melhores apresentava maior idade, o que poderia explicar esta relação. Por outro lado poderia ser considerado que indivíduos com DI necessitariam maior tempo e maior número de repetições para aprender uma habilidade, o que também poderia justificar este achado. Essa constatação alerta para a importância desses indivíduos estarem inseridos em um contexto de aprendizagem até a idade adulta, com vistas à obtenção da maior independência possível conforme o potencial individual. Ungerlieder et al20 enfatizaram que, a cada dia de suas vidas, os indivíduos utilizam uma grande variedade de habilidades motoras que foram adquiridas gradualmente, por meio da prática e de interações com o ambiente.

Neste estudo, o melhor nível no GMFCS esteve relacionado à maior independência funcional. No estudo de Mancini et al21 foram pontuadas maiores dificuldades na área de autocuidado em crianças com PC em relação àquelas com desenvolvimento normal. Os autores concluíram que estas dificuldades ilustravam o impacto da PC na rotina diária destas crianças. Gunel et al4 avaliaram 185 crianças com PC entre 4 e 15 anos de idade, mostrando a associação entre nível no GMFCS e escore obtido na MIF. Eles observaram uma alta correlação entre o nível no GMFCS e os escores funcionais, e também entre a classificação topográfica e o escore funcional. Crianças com tetraplegia apresentaram menores escores de independência, enquanto as hemiplégicas apresentaram os maiores. Neste estudo, devido ao tamanho da amostra e a presença de várias classificações relativas à distribuição topográfica, não foi possível relacioná-las individualmente aos escores funcionais. Porém, o nível no GMFCS claramente se correlacionou à independência funcional. Diversos estudos apontam para a superioridade do GMFCS em relação à classificação topográfica em descrever a funcionalidade e consequentemente uniformizar a descrição de populações de estudo5,17,22,23.

A independência nas atividades da vida diária se desenvolve com o treino e experiência, o que depende não só da capacidade motora, mas da motivação e do estímulo recebido do ambiente pela criança24. O desempenho motor não é influenciado apenas pela maturação neurológica, mas também pelo sistema auto-organizado que envolve o indivíduo, a tarefa e o ambiente25. O papel dos pais é fundamental para que este sistema se desenvolva. As relações entre o indivíduo, sua família e o meio em que vive ainda são pouco conhecidas, porém é óbvio que o potencial do indivíduo será muito influenciado pelos pais e pelo ambiente24, como observado por Fauconnier et al16. No presente estudo, as variáveis utilizadas para conhecer melhor o cuidador foram o nível de escolaridade da mãe e do pai e a renda per capita da família, também evidenciada pelo recebimento de benefício por parte do governo. Desde 1 993, com a publicação da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8742/93) um benefício financeiro é concedido aos idosos e portadores de deficiência que tenham uma renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Não houve relação entre o nível de independência e a condição econômica da família, mas sim com o nível de escolaridade dos pais. Em outros estudos sobre a PC tem sido observada a relação entre o melhor nível de escolaridade dos pais com a maior independência dos filhos24, mas, neste estudo, onde a PC está associada à DI, observou-se o contrário. Diferentes fatores podem estar relacionados a este achado. Um deles é que, nesta amostra, o maior nível de escolaridade do pai e da mãe esteve relacionado não apenas aos piores escores de independência, mas também aos piores escores motores na MIF e vários estudos têm relacionado a maior limitação motora à maior limitação funcional, podendo este achado ser apenas uma característica da amostra. Outro fator poderia ser que a presença da DI evidencie a percepção dos riscos e limitações destes indivíduos pelos pais, propiciando uma atitude excessivamente protetora, o que favoreceria a postura de mantê-los e/ou considerá-los mais dependentes. Ainda outro fator a ser considerado é que, sendo esta uma população de baixa renda, a maior escolaridade está associada ao trabalho fora de casa, podendo representar menor tempo para a atenção à criança e menor disponibilidade para o estímulo ao aprendizado das tarefas do cotidiano. No estudo de Melo e Sousa26, utilizando a escala MIF para a autoavaliação de 20 indivíduos com lesão congênita ou adquirida na infância, sem considerar a presença ou interferência da DI, observou-se que eles se consideravam mais independentes que a percepção de seu familiar, e, na prática, tinham mais independência do que eles mesmos percebiam. No presente estudo, o escore da escala MIF reflete exclusivamente a percepção dos pais da independência de seus filhos.

A presença de epilepsia neste estudo não se relacionou à independência para atividades da vida diária, mas mostrou-se relacionada aos piores escores para expressão verbal. A epilepsia é uma das alterações mais prevalentes na infância e sua incidência aumenta quando há associação com outras alterações neurológicas como a DI e a PC27. No estudo de Kulak e Sobaniec28 avaliando crianças com hemiplegia, 47% apresentaram epilepsia e sua presença foi associada a um pior prognóstico funcional.

A presença da DI na amostra estudada não esteve associada apenas a formas graves de PC, pois 70% dos indivíduos foram classificados como nível II no GMFCS e a diplegia espástica foi a forma prevalente (53%). A determinação da função intelectual na criança com desempenho significativamente abaixo da média é feita mediante a aplicação de testes padronizados de inteligência29. O estudo recente de Zonta24 mostrou a relação entre o melhor QI e a maior velocidade de movimento e os melhores escores na avaliação da função motora grossa. A autora também observou relação entre maiores médias no QI Performance e melhor função no inventário de avaliação pediátrica da disfunção; melhor índice no QI Performance também esteve relacionado ao melhor equilíbrio e melhor posicionamento na curva de desenvolvimento motor para PC hemiplégica. Provavelmente, a utilização de instrumentos específicos para mensurar as funções verbais e executivas na população avaliada no presente estudo possibilitaria uma maior correlação com os dados funcionais.

A dificuldade observada no item "resolução de problemas" nesta amostra era esperada e foi pontuada pelo escore cognitivo da MIF. Por outro lado, observou-se que, entre os itens do escore cognitivo, a área de maior independência foi interação social, que talvez se deva, em parte, ao fato dos indivíduos estarem inseridos num programa escolar que oportuniza o contato e a interação. A consideração isolada dos itens cognitivos e motores permitiu observar que, nesta amostra, a limitação funcional correlacionou-se com o escore motor e não com o cognitivo. No estudo de Wong et al30 os fatores de risco relacionados ao grau de dependência funcional em 73 crianças com PC foram: DI, epilepsia, quadro motor da PC e o grau da incapacidade avaliado pelo GMFCS. Entre estas variáveis, as que mais se relacionaram ao status funcional foram o grau de incapacidade e a presença de epilepsia. Concordando com o estudo de Wong et al30, a variável que mais se relacionou à independência na amostra em discussão, envolvendo indivíduos com PC e DI, foi o nível no GMFCS.

Além da influência do nível funcional na independência, este estudo aponta para o impacto de outros fatores importantes, como o tipo e a duração do estímulo recebido. A relação da maior idade com a maior independência mostra o papel relevante da continuidade do estímulo ao aprendizado. A atenção ao cuidador e conscientização de sua importância no processo do aprendizado é fundamental para o sucesso terapêutico. É importante salientar que, embora os fatores biológicos tenham grande importância no prognóstico da PC, o ambiente é determinante para a participação do indivíduo nas atividades em casa, na escola e na comunidade, podendo atenuar de forma significativa o impacto negativo da incapacidade.

 

CONCLUSÃO

A avaliação com a escala MIF pontuou dependência em 60% dos itens para indivíduos com PC associada à DI. As áreas onde foram observados maiores índices de independência foram alimentação, controle de esfíncteres e transferências. As variáveis que mais se relacionaram à independência funcional foram a idade dos sujeitos, a escolaridade dos pais e, especialmente, o nível no GMFCS.

 

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Tânia Cristina de Moura
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Recebido em / Received / Recibido en: 26/4/2012
Aceito em / Accepted / Aceito en: 2/10/2012