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Revista Pan-Amazônica de Saúde
versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223
Rev Pan-Amaz Saude v.3 n.2 Ananindeua jun. 2012
http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232012000200005
ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL
Análise da distribuição espaço-temporal da leptospirose humana em Belém, Estado do Pará, Brasil
Assessment of the spatial and temporal distribution of human leptospirosis in Belém, Pará State, Brazil
Análisis de la distribución espacio-temporal de la leptospirosis humana en Belém, Estado de Pará, Brasil
Reynaldo José da Silva LimaI; Elke Maria Nogueira de AbreuI; Francisco Lúzio de Paula RamosII; Rieldson Dias dos SantosIII; Danielly Dias dos SantosIII; Flávio Augusto Altieri dos SantosIV; Luciana Miranda MatosV; Jaci Maria Bilhalva SaraivaIV; Ana Roberta Fusco da CostaII
IDepartamento de Controle de Doenças Transmitidas por Vetores, Divisão de Vigilância em Saúde, Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará, Belém, Pará, Brasil
IISeção de Bacteriologia e Micologia, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Ananindeua, Pará, Brasil
IIICentro Universitário do Pará, Belém, Pará, Brasil
IVDivisão de Sensoriamento Remoto, Sistema de Proteção da Amazônia, Belém, Pará, Brasil
VInstituto de Estudos Superiores da Amazônia, Belém, Pará, Brasil
Endereço para correspondência
Correspondence
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RESUMO
INTRODUÇÃO: A leptospirose é um problema de saúde pública de interesse mundial, que tem elevados impactos econômicos e sociais. A doença está relacionada a áreas com precárias condições sanitárias, atingindo principalmente as periferias urbanas. No presente estudo descreveu-se a frequência de casos de leptospirose, indicando áreas de risco para sua ocorrência no Município de Belém, Estado do Pará, Brasil.
METODOLOGIA: Foi realizado um estudo epidemiológico da leptospirose humana em Belém no período de 2006 a 2011, utilizando como base de dados os registros de casos confirmados constantes no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Estado do Pará.
RESULTADOS: Cerca de 40% dos casos estavam concentrados em três bairros, todos com infraestrutura de saneamento básico deficiente. Observou-se uma tendência de redução da incidência na série histórica, apesar das taxas de letalidade ainda se manterem elevadas. A faixa etária de 15 a 39 anos concentrou 53,7% dos registros, com maior letalidade para indivíduos acima de 40 anos (19,8%, p = 0,0004). Em 48,1% deles a principal situação de risco associada ao adoecimento foi o contato prévio com água ou lama, e 45,1% tiveram o ambiente domiciliar como provável local de infecção. O bairro do Guamá apresentou a maior densidade de casos, sendo o extremo norte continental do Município sugerido como área de risco potencial para o estabelecimento da leptospirose.
CONCLUSÃO: O presente estudo permitiu o delineamento de áreas de maior risco para ocorrência de casos, determinação de preditores de severidade, assim como as perdas sociais resultantes dos óbitos.
Palavras-chave: Leptospirose; Estudos Epidemiológicos; Saneamento Básico; Zona de Risco.
ABSTRACT
INTRODUCTION: Leptospirosis is a major health problem, which is responsible for severe financial and social impacts worldwide. Its occurrence is directly related to areas with precarious sanitary conditions, especially the ones located in the suburbs. This work assessed the frequency of cases of leptospirosis and pointed out its risk areas in the Municipality of Belém, Pará State, Brazil.
METHODS: An epidemiologic study on human leptospirosis was carried out in Belém between 2006 and 2011, based on data about confirmed cases provided by the Information System on Diseases of Compulsory Declaration (Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN) of the Pará State Secretary of Health.
RESULTS: Approximately 40% of the confirmed cases were concentrated in three districts with poor sanitary infrastructure. Although the lethality rates remained high, a reduction trend in the incidence historical series was observed. The age group between 15 and 39 years accounted for 53.7% of the cases reported, and individuals older than 40 years showed the highest lethality rate (19.8%, p = 0.0004). Previous contact with contaminated water and mud was the main risk factor for 48.1 % of the cases, and the domestic environment was the most probable locus of infection for 45.1%. Guamá district presented the highest density of cases, and the northernmost part of the Municipality was considered a potential risk area for the establishment of leptospirosis.
CONCLUSION: This study outlined the high-risk areas for the occurrence of leptospirosis in the Municipality of Belém. It also determined the predictive factors of severity of the disease and the social losses due to its mortality.
Keywords: Leptospirosis; Epidemiologic Studies; Basic Sanitation; Risk Zone.
RESUMEN
INTRODUCCIÓN: La leptospirosis es un problema de salud pública de interés mundial, con elevado impacto económico y social. La enfermedad está relacionada a áreas que presentan precarias condiciones sanitarias, principalmente a las periferias urbanas. En el presente estudio se describe la frecuencia de casos de leptospirosis, indicando las áreas de riesgo de ocurrencia en el Municipio de Belém, Estado de Pará, Brasil.
METODOLOGÍA: Se hizo un estudio epidemiológico de la leptospirosis humana en Belém en el período de 2006 a 2011, usando como base de datos los registros de casos confirmados constantes en el Sistema de Información de Agravamientos de Notificación (SINAN) de la Secretaría de Estado de Salud Pública del Estado de Pará.
RESULTADOS: Cerca de 40% de los casos estaban concentrados en tres barrios, todos con infraestructura de saneamiento básico deficiente. Se observó una tendencia de disminución de la incidencia en la serie histórica, a pesar de que las tasas de letalidad aún se mantienen elevadas. La franja etaria de 15 a 39 años concentró un 53,7% de los registros, con mayor letalidad para individuos con edad superior a los 40 años (1 9,8%, p = 0,0004). En un 48,1% de los casos la principal situación de riesgo asociada a la enfermedad fue el contacto previo con agua o barro, y en un 45,1% el ambiente domiciliario fue el probable local de infección. El barrio de Guamá tuvo la mayor densidad de casos, y el extremo norte continental del Municipio aparece como área de riesgo potencial para el establecimiento de la leptospirosis.
CONCLUSIÓN: El presente estudio permitió delinear las áreas de mayor riesgo de casos, determinar los predictores de severidad, bien como las pérdidas sociales resultantes de óbitos.
Palabras chave: Leptospirosis; Estudios Epidemiológicos; Saneamiento Básico; Zona de Riesgo.
INTRODUÇÃO
A leptospirose é uma zoonose causada por espiroquetas patogênicas do gênero Leptospira. Apresenta caráter sazonal, causando epidemias urbanas nos períodos chuvosos. Constitui problema de saúde pública de interesse mundial, particularmente nos países de clima tropical1,2. É detentora de amplo espectro clínico, que pode simular desde um simples resfriado até casos com severo comprometimento pulmonar ou renal, podendo levar ao óbito, com taxa de letalidade que pode chegar aos 40%3,4,5. A doença está relacionada a áreas com precárias condições sanitárias, atingindo principalmente as periferias urbanas e apresenta um elevado impacto socioeconômico pelos dias de afastamento do trabalho, letalidade e alto custo hospitalar1.
De acordo com Pappas et al6, o Brasil ocupa a 17o posição no grupo de países endêmicos para leptospirose. Dentre as regiões brasileiras, o Sudeste compreende a área de maior registro de casos, tendo, no período de 2006 a 2011, notificado 36,8% dos casos. A Região Norte concentra 10,6% dos casos, onde nela o Estado do Pará lidera em números absolutos7.
Devido ao processo de ocupação desordenada e as característica topográficas dos terrenos, Belém dispõe de extensas áreas que oferecem riscos para a ocorrência da leptospirose. No entanto, há necessidade de ferramentas capazes de delimitar locais de maior risco. Dessa forma, uma abordagem mais refinada, associando a disposição geográfica dos casos às características de terreno e fenômenos climáticos, é de fundamental importância para a elaboração de medidas de controle. O presente trabalho descreveu o perfil epidemiológico e a distribuição espaço-temporal da leptospirose em Belém, Estado do Pará, Brasil, no período de 2006 a 2011.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizado um estudo descritivo-analítico dos casos notificados e confirmados de leptospirose no Município de Belém, no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2011. Os dados clínicos e de antecedentes epidemiológicos foram obtidos das fichas de investigação de leptospirose constantes na base do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) da Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA). Dados sobre as características da população foram obtidos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As informações mensais sobre precipitação e marés foram adquiridas no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM). A distribuição espacial de estudo foi analisada por meio do método de estimação de densidade de Kernel8. A análise epidemiológica baseou-se na distribuição espacial e temporal, características demográficas e aplicação dos indicadores de incidência, letalidade e anos potenciais de vida perdidos (APVP).
Para a comparação das tendências, expressas na inclinação das retas de regressão linear entre dados, foi calculada a variação percentual ajustada (VPA) obtida pela divisão da incidência estimada a mais ou a menos em cada ano (dado fornecido pelo cálculo da inclinação) pela incidência ajustada média do período. Valores negativos de VPA indicam redução, enquanto que os positivos indicam ascensão9. A análise descritiva foi expressa como média ± desvio padrão ou porcentagem, enquanto que a estatística analítica foi conduzida usando teste não paramétrico (Qui-Quadrado), realizado no programa BioEstat versão 5.0110. A significância estatística foi definida como p < 0.05.
RESULTADOS
DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL
Foram confirmados, no Município de Belém, 397 casos de leptospirose, representando 46,7% (397/849) do total de casos do Estado do Pará no período de 2006 a 2011. O maior volume de casos foi registrado entre os meses de janeiro e maio, coincidindo com o período de maior precipitação pluviométrica e marés altas. As médias de registros nos cinco primeiros meses encontraram-se na faixa de 8,8 a 10 casos (Tabela 1).
Picos iguais ou acima de dez casos foram observados em dois períodos da série histórica: (I) primeira semana de 2006 (n = 14), com 50% dos casos provenientes do bairro do Guamá; e (II) sexta semana de 2008 (n = 10), distribuídos em nove diferentes bairros (Sacramenta, Fátima, Pedreira, Canudos, Mangueirão, Tapanã, Montese, Jurunas e Condor).
O desvio da frequência média entre setembro e outubro se deu em decorrência do aumento de casos nesses meses no ano de 2011. Como consequência, foi possível detectar um comportamento epidêmico naqueles meses, por superarem os limites superiores esperados de registro de casos (Figura 1). Esse aumento incomum foi atribuído à ocorrência de casos nos bairros de Icoaraci, Pratinha, Ponta Grossa e São Brás, os quais não estão incluídos como os de maior frequência para leptospirose no Município. Já os bairros do Guamá, Montese e Jurunas foram responsáveis por 37,3% do total de período do estudo.
Na figura 2 são apresentadas a distribuição pontual e a densidade de Kernel dos casos segundo os anos de ocorrência. É possível observar que as zonas de maior densidade (em vermelho) estiveram concentradas em todo o período nos bairros do Guamá, Jurunas e Montese. No entanto, verificou-se que bairros do extremo norte da área continental do Município (Agulha, Ponta Grossa, Paracuri e Parque Guajará) exibiram aumento progressivo de densidades de casos ao longo do período, evidenciando-se como áreas de risco para leptospirose.
INDICADORES DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
As incidências variaram de 3,52 a 6,02 casos por 100 mil habitantes, demonstrando uma redução de 28,9% comparando-se 2006 e 2011. Na avaliação de tendência da série temporal, verificou-se uma diminuição da incidência, com um coeficiente de correlação (R2) de 0,403 e VPA de -1,33. A maior taxa de letalidade foi observada em 2007, com aproximadamente 17 óbitos por 100 casos (Figura 3).
O ambiente domiciliar representou o principal local de infecção, com 45,1% dos casos, seguido pelo local de trabalho (13,1%) e lazer (0,8%), sendo que em 39,5% (157/397) das fichas de investigação esta informação encontrava-se ignorada ou em branco. Não houve diferença estatística entre o período do ano e os ambientes prováveis de infecção. A maioria dos casos ocorreu no primeiro semestre, tanto no ambiente domiciliar (76,5%) quanto no local de trabalho (75%). As situações de risco frequentemente associadas aos casos foram o contato prévio com: lama ou alagado (48,1%), locais com sinais de presença de roedores (35%), e lixo ou entulho (29%). Não foi notada diferença estatisticamente significante entre os tipos de exposição de risco e o local de residência.
Com relação aos indicadores operacionais de vigilância, pôde-se observar que 78,9% dos casos de leptospirose foram diagnosticados por exames laboratoriais. Dos 81 casos restantes, confirmados por critério clínico-epidemiológico, 71,6% (58/81) foram registrados entre 2006 e 2008, sendo que em 2011 representaram apenas 4,9% do total de notificações. Cerca de 90% (342/397) dos indivíduos necessitaram de assistência hospitalar, com um tempo médio de internação de 6,5 dias ± 8,3 DP).
O intervalo médio entre o início dos primeiros sintomas e o atendimento médico nos casos que evoluíram a óbito foi de 6,4 dias (± 7,1 DP), enquanto que nos demais casos esse período foi de 8,3 dias (± 7,6 DP). Verificou-se que 1.280 anos potenciais de vida foram perdidos prematuramente no período do estudo, com taxas de 24,9 a 61,1 dias por mil habitantes e médias de 16 a 42,4 anos para cada óbito por leptospirose (Tabela 2).
CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS
Dentre os casos confirmados, 77,1% (306/397) ocorreram em homens, numa proporção de 3:1. Cerca de 54% dos pacientes encontrava-se na faixa etária de 15 a 39 anos, com idade média de 35 anos (± 17 DP) e mediana de 32 anos. Indivíduos menores de 14 anos de idade compreenderam 7,6%. Segundo a classificação de raça ou cor, 59,2% (235/397) dos casos ocorreu em pardos, sendo que em 36,8% (146/397) essa informação foi ignorada, o mesmo acontecendo com 33,8% (134/397) em relação à escolaridade, seguido por 23,2% (92/397) com ensino fundamental completo e 12,6% (50/397) com ensino médio incompleto.
CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS
Um total de 80,1% (79/397) dos casos apresentou a forma anictérica da doença. Os principais sinais e sintomas clínicos incluíram febre, mialgia, cefaleia, icterícia, vômitos e dor na panturrilha (Figura 4). Dentre as variáveis avaliadas, a idade maior ou igual a 40 anos (p = 0,0004), envolvimento respiratório (p < 0,0001) e insuficiência renal (p < 0,0001) mostraram-se significativamente associadas aos casos fatais (Tabela 3).
DISCUSSÃO
A leptospirose apresentou um comportamento endêmico no Município de Belém, sem grandes picos de casos durante o período observado. Essa baixa intensidade na ocorrência de casos pode ser atribuída a diversos fatores, dentre eles a virulência dos sorovares de leptospira circulantes, determinantes imunogenéticos do hospedeiro ou imunidade pré-existente devido à exposição prévia ao patógeno11. Entretanto, mais estudos são necessários para estabelecer a influência dos mesmos sobre o desfecho da infecção.
Embora as taxas de letalidade de leptospirose em Belém ainda se mantenham elevadas, os coeficientes de incidência apresentaram tendência de redução. Apesar desse declínio, é preciso atentar para o subregistro de casos, que é uma realidade a ser considerada, especialmente em locais onde há prevalência de agravos cujos sintomas clínicos podem se sobrepor aos da leptospirose, presença de oligossintomáticos ou infecção subclínica e condições particularmente favoráveis para transmissão da doença1. Dentre os 397 casos confirmados, 37,3% ocorreram em áreas de "baixada" do Município, nas quais os bairros do Guamá, Montese e Jurunas estão incluídos. Esses locais sofrem influências das marés altas e dificuldade de escoamento das águas de chuva. Essas características, somadas à deficiente infraestrutura de saneamento básico, podem explicar o maior número de casos na área12,13.
A sazonalidade dos registros de casos foi marcantemente associada ao período de maior precipitação pluviométrica na região, compreendendo os meses de janeiro a maio. Além dessa, a ocorrência de marés altas coincidentes com o período chuvoso poderia acentuar ainda mais os problemas de alagamento verificado nas baixadas. O registro de leptospirose em bairros como Agulha, Ponta Grossa e Paracuri (Distrito Administrativo de Icoaraci) pode estar relacionado ao processo de ocupação desordenada ocorrido nessa região na última década, com construção de moradias em áreas de várzea e com carência de infraestrutura básica14. A transformação desse ambiente, com a clara degradação do espaço, pode levar esse local a um cenário de insalubridade, estabelecendo-o como área de risco para diversos agravos, incluindo a leptospirose.
O contato prévio com lama ou alagado no ambiente domiciliar representou a situação de risco mais frequente, assemelhando-se ao que foi encontrado em outras cidades brasileiras15,16,17,18. No entanto, a elevada proporção (39,5%) de fichas de investigação sem esta informação gera incertezas quanto aos fatores que poderiam exercer efeito sobre a dinâmica de transmissão desse agravo no Município.
A leptospirose era considerada tradicionalmente um risco ocupacional. No entanto, a epidemiologia desse agravo sofreu importantes transformações após a década de 1970, passando de infecção transmitida no ambiente de trabalho para agravo adquirido no espaço domiciliar ou recreacional1,19,20,21,22. Ainda neste contexto, chama atenção o fato de que, apesar do ambiente domiciliar constituir a principal fonte de infecção, a proporção de casos entre crianças foi muito baixa. Essa situação gera a suspeição de subregistro de casos infantis, uma vez que no ambiente domiciliar elas apresentam probabilidade de exposição e, portanto, risco de infecção semelhante aos adultos. Silva et al23 encontraram 41,1% (30/73) de soropositividade para infecção aguda ou recente entre crianças contatos-domiciliares de casos-índices de leptospirose em Salvador, sendo 83,3% (25/30) classificadas como oligossintomáticos. Outros inquéritos soroepidemiológicos têm apontado as formas clínicas assintomáticas ou oligossintomáticas como as apresentações mais comuns na infância24,25. Tais achados sugerem uma considerável subestimação da leptospirose infantil e remetem para a necessidade de ações de vigilância, objetivando a detecção desses casos, bem como estudos de caráter clínico-epidemiológico para conhecer a apresentação clínica e os prováveis elos da cadeia de transmissão nessa população.
Formas graves, incluindo insuficiência renal aguda e hemorragia pulmonar foram evidenciadas, respectivamente, em 26,7% e 24,2% dos casos. A grande proporção de indivíduos (90%) que necessitaram de assistência hospitalar indica a ineficiência dos serviços de saúde em detectar as formas clínicas leves da leptospirose, possivelmente como resultado da falta de esclarecimento da população sobre o agravo; das dificuldades de acesso aos serviços assistenciais, em função das distâncias ou sobrecarga na demanda por atendimento; da limitada suspeição clínica dos profissionais de saúde; e das dificuldades de diagnóstico laboratorial.
A forma anictérica da doença foi a mais frequente (80,1%) nos casos registrados, mostrando-se um pouco abaixo do que tem sido comumente relatado na literatura (~ 90%)26. A severidade foi significativamente maior para indivíduos com idade maior ou igual a 40 anos, com envolvimento respiratório ou insuficiência renal, análogo aos resultados obtidos por Spichler et al27 em um estudo caso-controle no Município de São Paulo.
A leptospirose tem importante impacto social, levando a perdas de dias de trabalho e, nas situações de maior gravidade, perda de anos de vida. Dentre os custos sociais avaliados, foi observada uma perda de 1.280 anos potenciais de vida, com aumento progressivo das taxas no período, alcançando valores máximos de 104 dias perdidos por mil habitantes ou 40,4 anos para cada óbito por leptospirose em 2011. As taxas anuais de APVP apresentaram aumento progressivo e mostraram-se superiores àquelas já descritas para o Brasil28. Esses achados expressam o impacto da prematuridade dos óbitos por leptospirose, podendo gerar efeitos econômicos e sociais negativos para população, especialmente nas comunidades vulneráveis de áreas pobres2,29.
O Município de Belém concentrou 46,7% dos casos de leptospirose ocorridos no Estado do Pará no período do estudo, revelando-o como importante agravo urbano. Esta enfermidade sofreu consideráveis mudanças epidemiológicas nos últimos anos, como reflexo do processo de sua globalização e iniquidade social, os quais levam a produção de divergentes padrões de ocorrência entre os países ricos e aqueles economicamente menos favorecidos30. Apesar de ser mundialmente distribuída, ela apresenta maior impacto nos países em desenvolvimento, notavelmente em populações residentes de áreas urbanas com precária infraestrutura e saneamento básico. Antes relatada na América Latina como doença mais comum de áreas rurais, a leptospirose tem se tornado um sério problema urbano6,24. Vários estudos já demonstram a urbanização desse agravo em cidades brasileiras31,32,33,34.
CONCLUSÃO
O presente estudo revelou o atual cenário da leptospirose em Belém, permitindo delinear pontos nos bairros do Guamá, Jurunas e Montese como de maior risco para ocorrência de casos, além de identificar locais potenciais para o estabelecimento desse agravo em bairros do extremo norte continental do município. Neste contexto, a definição de hot-spots permitirá a elaboração de medidas de intervenção mais pontuais e efetivas. Com relação à letalidade, foi possível sugerir a idade maior ou igual a 40 anos, o envolvimento respiratório e a insuficiência renal como prováveis preditores de severidade nos casos avaliados.
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Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Ana Roberta Fusco da Costa
Laboratório de Biologia Molecular,
Seção de Bacteriologia e Micologia,
Instituto Evandro Chagas
Rodovia BR 316, km 7, s/n
CEP: 67030-000
Ananindeua-Pará-Brasil
Tel.: +55 (91) 3214-2116 / Fax: +55 (91) 3214-2129
E-mail: anacosta@iec.pa.gov.br / robertafusco@gmail.com
Recebido em / Received / Recibido en: 19/9/2012
Aceito em / Accepted / Aceito en: 4/12/2012