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Ultrapassando paradigmas

Surpassing paradigms

Superando paradigmas

Manoel do Carmo Pereira Soares

Editor Científico da Rev Pan-Amaz Saude, Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Belém, Pará, Brasil

Como fio condutor para o editorial desta edição da RPAS, consoante os artigos apresentados, adentramos em discussão recorrente acerca de um falso dilema na aplicação do conhecimento contemporâneo: atender a uma demanda de complexidade de pensamento versus demanda tecnológica.

Dentre muitos outros, que de alguma forma abordaram a temática em apreço, Gadamer, em Verdade e Método¹, ilustra a insuficiência e a relatividade do método científico frente às grandes questões ao dizer que "embora a meteorologia trabalhe tão metodologicamente quanto a física, seus dados são mais incompletos". Saindo então do espectro das chamadas ciências exatas ou formais, o que esperar da aplicação do método nas biociências e ciências da saúde? Isso poderia auxiliar a nossa reflexão ao assumir que há claras situações nas quais se pedem novas pesquisas, outras que pedem o entendimento (teórico-científico) ou a compreensão de uma situação dada, em detrimento de outras que pedem pragmaticamente a devida aplicação de técnicas e tecnologias sobejamente disponíveis. Sem pretender aqui retornar a discussões do tipo "para que serve a ciência?", ajuizamos a razoável apropriação de tudo isso pela coletividade, científica ou não.

Então, em atenção ao que discutem Ganne e colaboradores, no artigo "Estudo sobre acidentes de trânsito envolvendo motocicletas ocorridos na Cidade de Corumbá, Estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, no ano 2010", poderíamos questionar até onde o controle da epidemia, inerente aos acidentes envolvendo veículos automotivos, depende de mais estudos científicos, ou depende da não assimilação daquilo que já se faz conhecido e veiculado nas escolas e na mídia. Parece que, infelizmente, a ciência, que evidencia fatores condicionantes e determinantes de agravos de tamanha repercussão, carece de maior poder frente às implicações afins, como a aquisição, a negociação, o domínio e a aplicação de tecnologias entrelaçadas aos interesses de mercado.

No artigo "Genotipagem por spoligotyping de Mycobacterium tuberculosis obtidos de lâminas de Ziehl-Neelsen em Belém, Estado do Pará, Brasil", Furlaneto e colaboradores, sugerindo redimir a rede pública de uma "oportunidade perdida", demonstram-nos como poderíamos avançar a partir de técnicas mais simples e tradicionais, caminhando da microscopia ao diagnóstico molecular. Em lugar de várias coletas, lançar mão da tecnologia disponível e multiplicar as possibilidades diagnósticas em uma mesma amostra obtida do doente.

Em "Efeito do congelamento na composição química e perfil de aminoácidos da carne mecanicamente separada de peixes amazônicos", Souza e colaboradores mostram, de modo bem evidente, como a tecnologia pode auxiliar na análise e monitoramento de alimentos com potencial interesse para a nutrição e saúde da população.

Em "Caracterização do sistema de extração de látex de janaúba (Himatanthus Willd. ex Schult. - Apocynaceae), no Município de Alcântara, Estado do Maranhão, Brasil" e "Triatoma pintodiasi sp. nov., do subcomplexo T. rubrovaria (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae)", os autores nos repassam informações científicas de flora e fauna, às quais deveremos estar sempre abertos e atentos, pois foi a partir delas que, muito do que se avoluma em conhecimento biológico e sanitário, originou-se e consolidou-se.

No artigo histórico "O Instituto Evandro Chagas em busca da preservação patrimonial: estudos preliminares", Santos pede atenção para rastrear em busca do tempo vivido, entendendo que a memória confere qualidade, para além da quantidade reduzida e expressa como tempo físico.

É razoável então reconhecer que pensamento e tecnologia, teoria e prática, como gradientes, devam ser empregados de modo complementar e parcimonioso, e sempre abertos às críticas dos estudiosos e da sociedade em geral.

REFERÊNCIA

1 Gadamer HG. Verdade e método l. 10. ed. Meurer FP, tradutor. Petrópolis: Vozes; 2008. 631 p.