SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 número4Constituindo elosManifestações clínicas da doença hidática policística apresentadas por 26 pacientes atendidos no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, Brasil índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.4 n.4 Ananindeua dez. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232013000400002 

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Assistência odontológica à gestante: percepção do cirurgião-dentista

 

Dental care for pregnant woman: dental surgeon's perceptions

 

Asistencia odontológica a la gestante: percepción del cirujano dentista

 

 

Larissa de Oliveira MartinsI; Raquel Di Paula da Silva PinheiroI; Diandra Costa ArantesII; Liliane Silva do NascimentoIII; Paulo Bisi dos Santos JúniorIII

IUniversidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIPrograma de Pós-graduação em Odontologia, Faculdade de Odontologia, Instituto de Ciência da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIIFaculdade de Odontologia, Instituto de Ciência da Saúde, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

A relação de doenças do meio bucal e suas repercussões negativas sobre a vida do lactante e da gestante motivam a necessidade de um pré-natal odontológico. Porém ainda há insegurança ou falta de conhecimento sobre o assunto, por parte de muitos profissionais de Odontologia, para realizar tratamento de saúde bucal em gestantes. Esta pesquisa consiste em um estudo transversal, quantitativo, acerca da assistência odontológica prestada à gestante usuária do Sistema Único de Saúde, cujos dados foram coletados por meio da aplicação de um inquérito com perguntas abertas e fechadas. O universo populacional foi constituído por 217 cirurgiões-dentistas que atuavam nas unidades municipais de saúde da Cidade de Belém, capital do Estado do Pará, Brasil, no ano de 2011 e a amostra consistiu em 138 profissionais selecionados por meio de amostragem aleatória simples. Os resultados revelam que: 82,6% dos dentistas já atenderam gestantes; apenas 51,4% realizavam ambos os procedimentos, curativos e preventivos; 57,7% acreditavam que o segundo semestre é o período ideal para tratamento; 44,9% utilizavam lidocaína como anestésico; 77,5% prescreviam antibióticos; e 92,6% realizavam tomadas radiográficas. Logo, pôde-se constatar que a assistência odontológica à gestante é limitada por práticas realizadas sem aprofundamento e domínio teórico, fazendo-se necessário reavaliá-las e instituir protocolos de atendimento.

Palavras-chave: Assistência Odontológica; Gestantes; Cuidado Pré-Natal.


ABSTRACT

The relation of oral diseases and its negative repercussions on the life of the pregnant woman and infants motivate the need for dental care during pregnancy. But there is still uncertainty or lack of knowledge about the subject by many dental professionals to carry out oral health treatment in pregnant women. This is a cross-sectional, quantitative study about the dental care provided to pregnant user of the Sistema Único de Saúde, whose data were collected by the application of a survey with open and closed questions. The staff consisted of 217 dentists who worked in local health units in the City of Belém, capital of Pará State, Brazil, in the year 2011. The sample consisted of 138 professionals selected by simple random sampling. The results showed that: 82.6% of dentists have assisted pregnant women; only 51.4% performed preventive and curative procedures; 57.7% believed that the second semester is the ideal treatment period; 44.9% used lidocaine as anesthetic; 77.5% prescribed antibiotics; and 92.6% performed radiographs. Therefore, it could be seen that dental care to pregnant women is limited by practical methods without theorical knowledge improvement, being necessary to reevaluate them and create attendance protocols.

Keywords: Dental Care; Pregnant Women; Prenatal Care.


RESUMEN

La relación de enfermedades del medio bucal y las repercusiones negativas sobre la vida del lactante y de la gestante llevan a la necesidad de un prenatal odontológico. Sin embargo, hay todavía inseguridad o falta de conocimiento sobre el tema por parte de muchos profesionales de Odontología, para realizar tratamientos de salud bucal en gestantes. Esta investigación consiste en un estudio transversal, cuantitativo, acerca de la asistencia odontológica prestada a la gestante usuaria del Sistema Único de Salud, cuyos datos fueron recolectados de la aplicación de un cuestionario con preguntas abiertas y cerradas. El universo poblacional se constituyó de 217 cirujanos dentistas que actuaban en las unidades municipales de salud de la Ciudad de Belém, capital del Estado de Pará, Brasil, durante el año de 2011 y la muestra consistió de 138 profesionales seleccionados a través de un muestro aleatorio simple. Los resultados revelan que: 82,6% de los dentistas ya atendió a gestantes; apenas 51,4% realiza ambos procedimientos, curativos y preventivos; 57,7% cree que el segundo semestre es el período ideal para tratamiento; 44,9% utiliza lidocaína como anestésico; 77,5% prescribe antibióticos; y 92,6% realiza radiografías. Puede constatarse que la asistencia odontológica a la gestante es limitada por prácticas realizadas sin profundidad ni dominio teórico, existiendo la necesidad de reevaluarlas e instituir protocolos de atención.

Palabras clave: Atención Odontológica; Mujeres Embarazadas; Atención Prenatal.


 

 

INTRODUÇÃO

O pré-natal odontológico é algo recente na Odontologia. Possui uma riqueza de detalhes que não devem ser negligenciados pelo clínico e que são constituídos por: palestras de educação em saúde bucal, anamnese detalhada e quebra de paradigmas existentes na paciente, como mitos e adágios populares1,2,3,4.

O profissional se resguarda de muitas situações ao realizar a anamnese, pois por meio dela é possível questionar a possibilidade de uma gestação que, muitas vezes, só é perceptível após o segundo mês e, ciente disto, seguir outro plano de tratamento, já que o planejamento não poderá ser o mesmo para esta paciente3,5,6,7.

Devido a essas questões e peculiaridades, surge uma série de dúvidas no profissional e na paciente no que se refere aos tipos de procedimentos odontológicos que podem ser executados durante a gestação, como descrevem as publicações referenciadas5,7,8,9.

Diante da necessidade da gestante, torna-se evidente a importância de repassar algum conhecimento à paciente, colaborando para uma circunstância mais segura para o nascimento da criança. Neste sentido, vários autores evidenciam a necessidade do pré-natal odontológico fundamentados por uma gama de estudos que denotam alterações hormonais e bucais que, associadas com maus hábitos de higiene, podem desencadear desde o parto prematuro e baixo peso ao nascer até a transmissão de Streptococos mutans via mãe-filho1,2,3,4,5,6.

No cerne das diretrizes de Saúde Pública no Brasil, é possível trabalhar a promoção de saúde aliada ao preceito odontológico como parte da integração de saúde da família por meio de orientação, educação e prevenção. Entretanto, encontra-se em grande parte dos cirurgiões-dentistas um receio em atender estas pacientes10,11,12,13.

A hesitação em tratar pacientes gestantes pode ser atribuída a diversos fatores, podendo encontrar-se na esfera da formação acadêmica, visto que raras são as universidades que possuem em sua grade curricular a possibilidade de um estudo direcionado ao atendimento deste tipo de clientela. Acredita-se, desta forma, que é gerada uma lacuna na formação dos profissionais de Odontologia na sistemática de atendimento, e a ela se alia um contexto de crenças populares por parte das gestantes e dos que a rodeiam, criando um clima de insegurança5,12,13.

Portanto, esta pesquisa visa a estudar o perfil de assistência odontológica prestada à gestante na rede pública do Município de Belém, Estado do Pará, Brasil, e a analisar, por meio de dados atuais, o pré-natal odontológico, o manejo terapêutico, as condutas e os procedimentos realizados por profissionais da Odontologia.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal quantitativo realizado com cirurgiões-dentistas que trabalham rede pública de saúde mantida pela Secretaria Municipal de Saúde do Município de Belém (SESMA).

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará sob o protocolo 180/10, em 17 de dezembro de 2010.

Foi solicitada à SESMA uma listagem de registro de cirurgiões-dentistas ativos no serviço municipal. Assim, o universo populacional foi composto por 217 cirurgiões-dentistas registrados no Município de Belém no ano de 2011, que atuavam em Unidades Municipais de Saúde, Unidades de Urgência e Emergência e Casas Especializadas.

Para o cálculo amostral foi considerado um grau de confiança de 95% (erro amostral 0,05), o que gerou uma amostra de 139 profissionais que foram, então, selecionados por meio de amostragem sistemática, isto é, os nomes dos dentistas foram codificados em planilhas e sorteados por meio de programa informatizado.

Para o desenvolvimento da pesquisa foi construído, pelos autores, um inquérito de 26 proposições abertas e fechadas embasadas em referencial teórico atual e dividido, para efeito didático, em três seções intituladas: pré-natal odontológico condutas e procedimentos e manejo terapêutico.

Foi realizado um estudo piloto com dez dentistas da Universidade Federal do Pará (UFPA) selecionados por conveniência, a fim de validar e refinar o inquérito dentro da realidade proposta.

A coleta de dados foi realizada em abril e em maio de 2011 no Município de Belém. Para manter o anonimato dos pesquisados, o inquérito foi entregue diretamente pelos pesquisadores, nas unidades em que os profissionais trabalhavam, dentro de um envelope plástico lacrado, o qual era devolvido após preenchimento juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi instituído o prazo de 15 dias para preenchimento dos questionários após a data de entrega dos envelopes e, caso o cirurgião-dentista não respondesse nesse período, os pesquisadores com ele entravam em contato com por telefone e a ele era dado um novo prazo de mais 15 dias. Os questionários foram recolhidos pessoalmente pelos pesquisadores.

Além disso, antes da coleta de dados foi estabelecido que não participariam da pesquisa os profissionais que: se recusassem a responder o inquérito ou que estivessem de férias, de licença maternidade ou de licença médica dentro do período de pesquisa.

Os dados foram tabulados em planilhas eletrônicas do MS Excel, analisados por meio de estatística descritiva e análise de correlação.

 

RESULTADOS

No total, 138 profissionais responderam ao inquérito solicitado. Este estudo detectou que a maioria dos cirurgiões-dentistas entrevistados já realizou atendimento odontológico em gestantes, sendo que 12,3% dos profissionais demonstram não ter conhecimento sobre o pré-natal odontológico, porém atendem gestantes.

Quanto à escolha de procedimentos que poderiam ser realizados em gestantes, a maioria dos dentistas afirmou fazer tanto procedimentos curativos (endodontia, exodontia e cirurgia periodontal) como preventivos (palestras, profilaxia e raspagem), conforme ilustra a figura 1.

 

 

Nesse contexto, praticamente todos os dentistas (98,7%) acreditam que existe um período especial para tratamento em gestantes, sendo que grande parte deles (57,7%) concordam que o segundo trimestre é o período mais seguro para tratamento e 29,2% acreditam que se pode intervir em qualquer período gestacional.

Quanto à conduta perante o enjoo causado por pasta de dente, relatado por algumas pacientes, 50% dos cirurgiões-dentistas indicam a escovação sem o creme dental ou, em alguns casos (15%), indicam a troca do creme.

Quando indagados acerca da relação entre marcação de consultas em um mesmo período para gestantes e crianças, 47,8% dos profissionais optaram por não responder à questão e apenas 7,2% dos mesmos afirmaram estar atentos para estes cuidados.

Em relação aos métodos de diagnóstico, 54,7% dos profissionais realizam tomadas radiográficas e os que não realizam o procedimento (45,3%) justificaram sua posição por acreditarem que há risco de efeitos teratogênicos, por insegurança profissional e até mesmo pela recusa da paciente em realizar tal exame.

Em relação à prescrição de medicamentos para gestantes, a figura 2 revela a distribuição dos profissionais quanto à prescrição de antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos. A maioria (58%) dos cirurgiões-dentistas tem preferência pela amoxicilina como antibiótico; dentre os que indicam anti-inflamatórios, 16% optam por nimesulida e 7% por diclofenaco; os analgésicos preferidos são o paracetamol, seguido pela dipirona.

 

 

Os profissionais também foram questionados quanto ao uso de anestésicos locais por meio de uma pergunta aberta: "qual anestésico local você utilizaria em uma gestante?". As respostas obtidas estão expressas na figura 3, com a nomenclatura utilizada pelos pesquisados. Já a figura 4 evidencia a opção ou não pelo uso de substâncias vasoconstritoras associadas ao anestésico.

 

 

 

 

Além disso, 33% dos entrevistados acreditam que a gengivite em período gestacional é decorrente de alterações hormonais, 33% atribuem à higiene deficiente, poucos atribuem a ambos os fatores, enquanto que uma pequena parcela acredita que existem outros fatores que justificam o aumento da gengivite durante a gestação.

De acordo com a análise estatística, foi observada a existência de correlação entre dentistas que fazem tratamento e a prescrição de analgésico (p = 0,0160). Todavia, não foi encontrada correlação nas demais categorias analisadas, fato que pode indicar que os profissionais, tendo ou não o conhecimento necessário acerca da conduta terapêutica durante pré-natal odontológico, prestam atendimento odontológico à gestante.

 

DISCUSSÃO

O Estado do Pará é o mais populoso da Região Norte e sua capital Belém é a 11a cidade do Brasil de maior população14. Apesar do grande contingente populacional, além dos cirurgiões-dentistas localizados nas unidades básicas de saúde e nas casas especializadas, o Município conta com 104 equipes de Estratégia Saúde da Família, sendo que, dessas, somente quatro contam com um cirurgião-dentista e um auxiliar de consultório dentário juntamente com a equipe formada por um médico, um enfermeiro, um técnico de enfermagem e até oito agentes comunitários15. Além disso, o Município não possui heterocontrole nem vigilância de fluoretação da água.

PRÉ-NATAL ODONTOLÓGICO

A promoção de saúde bucal na gestante é considerada parte importante do Programa de Atenção à Saúde da Mulher, segundo as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal16. A crença de que o tratamento odontológico durante a gravidez prejudica o desenvolvimento do feto ainda é parte da cultura de algumas mulheres e dificulta o cuidado com a saúde bucal na gestação2,4,10.

Segundo Codato et al11, há ainda o fato de que muitos profissionais cirurgiões-dentistas preferem protelar o atendimento odontológico às gestantes devido ao receio que sentem de serem responsabilizados por possíveis fatalidades que futuramente possam ocorrer com o bebê, já que, nesses casos, sempre há a busca por um culpado, além de os próprios dentistas muitas vezes se sentirem inseguros diante de tais mitos, possivelmente pela carência de prática no assunto de saúde oral da gestante desde a época da graduação.

Neste estudo, a maioria dos profissionais afirmou ter conhecimentos acerca do pré-natal odontológico e realizar atendimento às gestantes. Por outro lado, alguns negaram conhecer o pré-natal odontológico, porém tratam gestantes, o que revela que, independente do conhecimento sobre as especificidades do pré-natal, a assistência odontológica à gestante é realizada. Nesse sentido, em uma pesquisa realizada em Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, apenas 24,4% dos profissionais de unidades de saúde comumente atendiam gestantes e em 29% deles estava sendo colocado em prática o chamado "acompanhamento odontológico da mãe e do bebê pós-natal"4. Já em uma pesquisa realizada em unidades de saúde no Estado do Paraná, detectou-se que o cirurgião-dentista faz parte de apenas 21% dos programas de pré-natal, sendo que 90% das gestantes entrevistadas acreditam ser importante a consulta odontológica durante a gestação, mas somente 40% efetivamente procuraram esse atendimento e mais da metade dos dentistas, quando procurados, realizaram a consulta, porém, infelizmente, 16% não o fizeram2.

Como a maioria das enfermidades bucais podem ser tratadas mediante eliminação de fatores locais por meio de procedimentos preventivos e curativos simples, mostra-se fundamental o controle periódico pelo cirurgião-dentista, que deve informar à paciente sobre as causas e consequências das doenças e motivá-la para um comportamento preventivo, já que a educação em saúde possibilita ao usuário a mudança de hábitos em saúde e a conquista da autonomia.

Nessa dimensão, a gestação é uma etapa bastante favorável para promoção de saúde bucal, pois é um momento em que a mulher se mostra receptiva ao aprendizado de novos conceitos e de alterações de comportamentos e hábitos que possam ser benéficos ao desenvolvimento de seu futuro filho4. Logo, a gestante está disposta a adquirir novas e melhores práticas em saúde, o que permite aprimoramento, também, no autocuidado e na geração de bons hábitos para o futuro filho, já que, partindo da ideia de que os hábitos apresentados pela matriarca influenciam na geração e na perpetuação de bons hábitos por toda a família, a gestante informada e motivada sobre questões de saúde é uma grande fonte de ações para formação de pessoas também informadas e promotoras de autocuidado em relação a sua saúde e à prevenção de doenças, como as bucais4,10,11.

Em relação ao período gestacional de escolha para atendimento odontológico, a maioria dos autores concorda que quase todos os procedimentos podem ser realizados em qualquer período - principalmente se forem eventos emergenciais -, porém procedimentos como exodontias e tratamento endodônticos devem ser preferencialmente executados no segundo trimestre1,2. Os dentistas das unidades de saúde de Belém mostraram-se parcialmente informados acerca desse protocolo, uma vez que quase todos eles afirmaram que existe um período especial para tratamento das gestantes e o segundo trimestre também foi o escolhido como mais seguro por mais da metade deles.

CONDUTAS E PROCEDIMENTOS

A gestação por si só não é responsável pelo surgimento de manifestações bucais como cárie e doença periodontal, mas alterações hormonais e de comportamento podem contribuir para agravar afecções já existentes4,17,18.

Sobre esse assunto, um terço dos profissionais ouvidos nesta pesquisa ainda acredita que gengivite gestacional está unicamente associada à higiene dental deficiente. A literatura, entretanto, comprova que frequentes enjoos e consequentes vômitos, comuns na gravidez, podem modificar o equilíbrio de pH da cavidade oral e levar à exacerbação de processos cariosos e afecções gengivais, além do que a gengivite afeta grande parte das mulheres desde os primeiros meses de gestação devido aos altos níveis de hormônio, como a progesterona, que aumenta a permeabilidade dos vasos sanguíneos gengivais e torna a região mais propícia aos microrganismos patogênicos presentes no biofilme2,4,19.

E necessário que os cirurgiões-dentistas se dediquem na transmissão de informações corretas às pacientes acerca desse tema, já que grande parte da população acredita (ou quer acreditar) que a gestação é a causa de seus problemas bucais, conforme comprovou Bastiani et al2 quando encontrou que a maioria das gestantes entrevistadas em sua pesquisa afirmaram que é normal ter cárie durante a gravidez, sendo que 35% acreditavam que os dentes de grávidas ficam mais fracos devido à transmissão de cálcio da mãe para o bebê, e, apesar de metade delas dizer ter conhecimento sobre doença periodontal, ainda não sabiam como evitá-la. Nesse mesmo estudo, o autor encontrou que mais da metade das mulheres procurou atendimento odontológico durante a gestação por motivo de dor, mas também que 46% foram ao dentista objetivando a prevenção.

A presente pesquisa pôde constatar que a maior parte dos pesquisados executa, em suas consultas com gestantes, tanto procedimentos preventivos como curativos (endodontia, exodontia e periodontia). Contudo, ainda há aqueles poucos que, infelizmente, ainda optam apenas por procedimentos como profilaxia, raspagem e palestras educativas, provavelmente por ainda sentirem-se inseguros quanto à segurança de tratamentos mais invasivos.

Além disso, pode-se perceber, em outros estudos realizados com gestantes atendidas em unidades de saúde, que ainda é pequena a parcela das que procuram atendimento odontológico dentro do universo total de grávidas atendidas nesses locais. Santos Neto18 verificou que menos de 20% das gestantes da região metropolitana de Vitória recebeu atendimento odontológico, sendo que somente pouco mais de 10% recebeu a conduta totalmente adequada.

Quase todos os profissionais de Odontologia pesquisados confirmaram fazer tomadas radiográficas para diagnóstico em gestantes, o que é um dado surpreendente, uma vez que procedimentos de raios-X são conhecidos como possíveis causadores de efeitos teratogênicos ao feto. Essa conduta, porém, está correta segundo a literatura, a qual frisa apenas que tomadas radiográficas em Odontologia devem ser feitas de acordo com normas padronizadas para medidas de proteção, como: uso de filmes ultrarrápidos, cobrimento do abdômen com avental de chumbo, não direcionar a ampola em direção ao abdômen e evitar radiografias desnecessárias, bem como repetições por erro de técnica1,2,11. Poletto et al1 consideram que a recusa profissional em realizar tomadas radiográficas em gestantes "ocorre muito mais por consideração emocional do que pelo conceito legítimo da ciência".

Como já foi discutido, praticamente todos os procedimentos odontológicos podem ser executados em gestantes, mas alguns cuidados especiais nas consultas devem preferencialmente ser adotados a fim de adequar às necessidades da paciente, favorecer seu bem-estar e conquistar sua confiança. Geralmente, preconizam-se consultas e procedimentos curtos, de preferência na segunda metade da manhã (quando os enjoos matinais são menos frequentes e há menor risco de hipoglicemia) e adequação da posição da cadeira1,2,3,20,21. Além disso, outros cuidados são importantes, como evitar marcar a gestante no mesmo período que o das crianças, a fim de prevenir possíveis infecções viróticas infantis, e não menos importante, evitar atendê-las quando alguém do corpo técnico (dentista/auxiliar) estiver acometido com resfriados ou gripes, cuidados esses que não são adotados nas unidades de saúde pesquisadas em Belém.

MANEJO TERAPÊUTICO

O anestésico local mais seguro é aquele que, de fato, elimina ou minimiza a dor da paciente para que ela sinta o mínimo de estresse durante o procedimento. Porém, para que este seja efetivamente seguro, deve ser administrado em pequenas doses (até dois tubetes por sessão)17,22.

Nesta pesquisa, observou-se que a maioria dos profissionais pesquisados opta pela lidocaína sem vasoconstritor como anestésico de escolha para gestantes. A literatura aponta a lidocaína como anestésico de uso seguro durante a gestação, mas é a lidocaína a 2% associada ao vasoconstritor adrenalina a considerada mais segura solução anestésica para pacientes gestantes saudáveis, respeitando-se a dosagem adequada, já que com vasoconstritor a solução é absorvida mais lentamente, permite maior tempo de duração do efeito anestésico e conforto para a paciente2,22,23,24.

Com relação à medicação administrada via oral, a prescrição de anti-inflamatórios deve ser feita de forma cautelosa, devido a contraindicações, especialmente em diferentes trimestres de gestação, como é o caso, por exemplo, do ibuprofeno, que está contraindicado no terceiro trimestre de gestação25. Provavelmente por terem segurança acerca dos possíveis efeitos adversos gerados por esses medicamentos, grande parte dos cirurgiões-dentistas de Belém afirmaram não prescrever anti-inflamatórios para suas pacientes grávidas.

Todavia, quase todos os profissionais confirmaram a prescrição de paracetamol como analgésico. Esse resultado concorda com os autores que indicam esse analgésico como o mais seguro para casos de gestação, seguido pela dipirona, já que o primeiro se encontra em pequenas quantidades no leite, não representando problemas ao lactante, assim como a dipirona, quando utilizada em doses reduzidas1,7,22.

As infecções odontogênicas são usualmente causadas por bactérias anaeróbias, anaeróbias facultativas ou aeróbias e, assim, a penicilina tem sido considerada como o antibiótico de escolha para tratamento de infecções bucais, exceto naquelas pacientes que relatam hipersensibilidade a essa substância22. Os dentistas pesquisados estão de acordo com esse fato, já que a grande maioria relatou prescrever antibióticos às gestantes, especialmente a amoxicilina.

 

CONCLUSÃO

A maioria dos profissionais pesquisados realiza atendimento em gestantes mesmo que não possuam conhecimento acerca de pré-natal odontológico. Entretanto, de acordo com a realidade encontrada nos locais observados, percebe-se a carência de informações sobre o tratamento exercido pelo profissional, o que dificulta a conscientização da paciente sobre a importância de tal tratamento.

A assistência odontológica à gestante muitas vezes ainda acontece no empirismo, onde as práticas são realizadas sem aprofundamento e domínio teórico, fato que limita a plenitude da integralidade da assistência nestes casos. Desta forma, os gestores em saúde bucal precisam instituir protocolos de atendimento e repensar as práticas dos prestadores da assistência odontológica à gestante.

 

REFERÊNCIAS

1 Poletto VC, Stona P, Weber JBB, Fritscher AMG. Atendimento odontológico em gestantes: uma revisão de literatura. Rev Stomatos. 2008 jan-jun;14(26):64-75. [Link]

2 Bastiani C, Cota ALS, Provenzano MGA, Fracasso MLC, Honório HM, Rios D. Conhecimentos da gestante sobre alterações bucais e tratamento odontológico durante a gravidez. Odontol Clín Cient. 2010 abr-jun;9(2):139-43.[Link]

3 Soares MRPS, Dias AM, Machado WC, Chaves MGAM, Chaves Filho HDM. Pré-natal odontológico: a inclusão do cirurgião-dentista nas equipes de pré-natal. Rev Interdisciplin Estud Exp. 2009;1(2):53-7. [Link]

4 Reis DM, Pitta DR, Ferreira HMB, Jesus MCP, Moraes MEL, Soares MG. Educação em saúde como estratégia de promoção de saúde bucal em gestantes. Cienc Saude Coletiva. 2010jan;15(1):269-76. Doi:10.1590/S1413-81232010000100032 [Link]

5 Costa ICC, Saliba O, Moreira ASP. Atenção odontológica à gestante na concepção médico-dentista-paciente: representações sociais dessa interação. Rev Pos Grad. 2002 jul-set;9(3):232-43. [Link]

6 Haddad AS. Odontologia para pacientes com necessidades especiais. São Paulo: Santos; 2007. p. 724.

7 Codato LAB, Nakama L, Melchior R. Percepções de gestantes sobre atenção odontológica durante a gravidez. Cienc Saude Coletiva. 2008 mai-jun;13(3):1075-80. Doi:10.1590/S1413-81232008000300030 [Link]

8 Miana TA, Oliveira AS, Ribeiro RA, Alves RT. Condição bucal de gestantes: implicações na idade gestacional e peso do recém-nascido. HU Rev. 2010 jul-set;36(3):189-97. [Link]

9 Silva MV, Martelli PJL. Promoção em saúde bucal para gestantes: revisão de literatura. Odontol Clín Cient. 2009 jul-set;8(3):219-24.

10 Praetzel JR, Ferreira FV, Lenzi TL, Meolo GP, Alves LS. Percepção materna sobre atenção odontológica e fonoaudiológica na gravidez. Rev Gaucha Odontol. 2010 abr-jun;58(2):155-60. [Link]

11 Codato LAB, Nakama L, Cordoni Júnior L, Higasi MS. Atenção odontológica à gestante: papel dos profissionais de saúde. Cienc Saude Coletiva. 2011 abr;16(4):2297-301. Doi:10.1590/S1413-81232011000400029 [Link]

12 Coutinho T, Teixeira MTB, Dain S, Sayd JD, Coutinho LM. Adequação do processo de assistência pré-natal entre as usuárias do Sistema Único de Saúde em Juiz de Fora-MG. RBGO. 2003;25(10):717-24. Doi:10.1590/S0100-72032003001000004 [Link]

13 Braz G, Machado FC, Oliveira AS, Otenio CCM, Alves RT, Ribeiro RA. A experiência de um programa de atenção à saúde bucal no atendimento à gestante. HU Revista. 2010 out-dez;36(4):324-32. [Link]

14 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: Instituto de Geografia e Estatística; 2011. [Link]

15 Belém. Secretaria Municipal de Saúde. Atenção Básica [Internet]. [citado 2013 set 12]. Disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/app/c2ms/v/?id=12&conteudo=4674.

16 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. [Link]

17 Santos Neto ET, Oliveira AE, Zandonade E, Leal MC. Access to dental care during prenatal assistance. Cienc Saude Coletiva. 2012 Nov;17(11):3057-68. Doi:10.1590/S1413-81232012001100022 [Link]

18 Santos Neto ET. Avaliação da assistência pré-natal na região metropolitana da Grande Vitória, Espírito Santo, Brasil [tese]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2012. [Link]

19 Piscoya MDBV, Ximenes RAA, Silva GM, Jamelli SR, Coutinho SB. Periodontitis-associated risk factors in pregnant women. Clinics. 2012 Jan;67(1):27-33. Doi:10.6061/clinics/2012(01)05 [Link]

20 Silva FWGP, Situani AS, Queiroz AM. Atendimento odontológico à gestante - parte 2: cuidados durante a consulta. Rev Fac Odontol Porto Alegre. 2006 dez;47(3):5-9. [Link]

21 Moimaz SAS, Rocha NB, Saliba O, Garbin CAS. O acesso de gestantes ao tratamento odontológico. Rev Odontol Univ Sao Paulo. 2007 jan-abr;19(1):39-45. [Link]

22 Navarro PSL, Dezan CC, Melo FJ, Alves-Souza RA, Sturion L, Fernandes KBP. Prescrição de medicamentos e anestesia local a gestantes: conduta de cirurgiões-dentistas de Londrina, PR, Brasil. Rev Fac Odontol Porto Alegre. 2008 mai-ago;49(2):22-7. [Link]

23 Hemalatha VT, Manigandan T, Sarumathi T, Aarthi Nisha V, Amudhan A. Dental considerations in pregnancy: a critical review on the oral care. J Clin Diagn Res. 2013 May;7(5):948-53. Doi:10.7860/JCDR/2013/5405.2986 [Link]

24 Nascimento EP, Andrade FS, Costa AMDD, Terra FS. Gestantes frente ao tratamento odontológico. Rev Bras Odontol. 2012 jan-jun;69(1):125-30. [Link]

25 Lee RSY, Milgrom P, Huebner CE, Conrad DA. Dentists' perceptions of barriers to providing dental care to pregnant women. Womens Health Issues. 2010 Sep;20(5):359-65. Doi:10.1016/j.whi.2010.05.007 [Link]

 

 

Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Diandra Costa Arantes
Universidade Federal do Pará,
Faculdade de Odontologia
Rua Augusto Correa, 1.
Bairro: Guamá CEP: 66075-110
Belém-Pará-Brasil
Tel.: (91) 3201-6796, 8230-6051
E-mail: arantesdiandra@yahoo.com.br

Recebido em / Received / Recibido en: 14/5/2013
Aceito em / Accepted / Aceito en: 4/12/2013