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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.5 n.1 Ananindeua mar. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232014000100006

ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE | ARTÍCULO ORIGINAL

 

Concentração de mercúrio total (Hg-T) em peixes comercializados em diferentes períodos sazonais no Mercado do Ver-o-Peso, Belém, Estado do Pará, Brasil

 

Total mercury (Hg-T) concentration in marketable fish in different seasonal periods at Ver-o-Peso Market, Belém, Pará State, Brazil

 

Concentración de mercurio total (Hg-T) en peces comercializados en diferentes períodos estacionales en el Mercado de Ver-o-Peso, Belém, Estado de Pará, Brasil

 

 

Cláudia Simone Oliveira AmaroI; Dário Rodrigues JuniorII; Marcia Cristina Freitas da SilvaII; Abner Ariel da Silva LimaIII; Gleyce de Fátima Silva SantosIII; Maria da Conceição Nascimento PinheiroIV

IPrograma de Doenças Tropicais, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIInstituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IIINúcleo de Medicina Tropical, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil
IVPrograma de Pós-graduação em Doenças Tropicais, Universidade Federal do Pará, Belém, Pará, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi determinar a concentração de mercúrio total (Hg-T) em peixes comercializados no Mercado do Ver-o-Peso em Belém, Estado do Pará, Brasil. As espécies de peixes selecionadas para o estudo foram Brachyplatystoma rousseauxii, Brachyplatystoma filamentosum e Schizodon fasciatum. Foram adquiridos dez exemplares de cada espécie em maio de 2011 (período menos chuvoso) e novembro de 2012 (período mais chuvoso). As análises de Hg-T foram realizadas por meio de espectrofotômetro de absorção atômica Hg201, no Laboratório de Toxicologia Humana e Ambiental do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará. As médias obtidas na primeira e na segunda coleta de B. rousseauxii foram de 0,45 µg/g e 0,09 µg/g de Hg-T, respectivamente. Entre as amostras de B. filamentosum, a média obtida foi de 0,31 µg/g e 0,30 µg/g. Nos exemplares de S. fasciatum, somente no primeiro período foi observado concentração que correspondeu a 0,01 µg/g. Quanto à associação entre a concentração do Hg-T e o índice de estado nutricional das espécies, somente nas amostras de B. rousseauxii foram encontradas correlação positiva moderada (r = 0,6, p > 0,05 referente aos dois períodos coletados), nas demais não foram observadas associações. Embora, nenhuma das espécies tenha alcançado os valores acima do preconizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, é importante considerar o efeito acumulativo do mercúrio no organismo. A ausência ou moderada correlação encontrada sugere a necessidade de novos estudos para melhor compreensão do índice nutricional do pescado e da contaminação por mercúrio.

Palavras-chave: Mercúrio; Peixes; Contaminação.


ABSTRACT

The aim of this study was to determine the total mercury (THg) concentration in marketable fish at Ver-o-Peso market in Belém, Pará State, Brazil. The selected fish species for this study were Brachyplatystoma rousseauxii, Brachyplatystoma filamentosum and Schizodon fasciatum. Ten samples of each species were acquired in May 2011 (less rainfall) and November 2012 (the rainiest season). Analyses of THg were performed by atomic absorption spectrophotometry Hg201 in the Laboratório de Toxicologia Humana e Ambiental do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará. The averages in the first and second collections of B. rousseauxii were 0.45 µg/g and 0.09 µg/g of THg, respectively. Among the samples of B. filamentosum, the average was 0.31 µg/g and 0.30 µg/g. In specimens of S. fasciatum, only in the first period was observed a concentration of 0.01 µg/g. While the connection between THg concentration and Balanced Nutrition Index™ of species, only in samples of B. rousseauxii were found moderate positive correlation (r = 0.6, p> 0.05 for the two periods listed) no correlations were observed in other samples. Although no species has reached values beyond Brazilian Health Surveillance Agency recommendations, it is important to consider the cumulative effect of mercury in the body. The absence or moderate correlation found suggests the need for further studies to a better understanding about the nutritional index of fish and mercury contamination.

Keywords: Mercury; Fishes; Contamination.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue el de determinar la concentración de mercurio total (Hg-T) en peces comercializados en el Mercado de Ver-o-Peso en Belém, Estado de Pará, Brasil. Las especies de peces seleccionadas para el estudio fueron Brachyplatystoma rousseauxii, Brachyplatystoma filamentosum y Schizodon fasciatum. Se adquirieron diez ejemplares de cada especie en mayo de 2011 (período menos lluvioso) y noviembre de 2012 ( período más lluvioso). Los análisis de Hg-T se realizaron por intermedio de un espectrofotómetro de absorción atómica Hg201, en el Laboratorio de Toxicología Humana y Ambiental del Núcleo de Medicina Tropical de la Universidad Federal do Pará. Los promedios obtenidos en la primera y la segunda colecta de B. rousseauxii fueron de 0,45 µg/g y 0,09 µg/g de Hg-T, respectivamente. Entre las muestras de B. filamentosum, el promedio obtenido fue de 0,31 µg/g y 0,30 µg/g. En los ejemplares de S. fasciatum, solo en el primer período se observó una concentración que correspondió a 0,01 µg/g. Con relación a la asociación entre la concentración del Hg-T y el índice de estado nutricional de las especies, solamente en las muestras de B. rousseauxii fueron halladas correlaciones positivas moderadas (r = 0,6, p > 0,05 referentes a los dos períodos colectados), en las demás no se observaron asociaciones. Aunque ninguna de las especies haya alcanzado valores superiores a lo preconizado por la Agencia Nacional de Vigilancia Sanitaria, es importante considerar el efecto acumulativo del mercurio en el organismo. La ausencia o moderada correlación encontradas sugieren la necesidad de nuevos estudios para mejor comprensión delíndice nutricional del pescado y de la contaminación por mercurio.

Palabras clave: Mercurio; Peces; Contaminación.


 

 

INTRODUÇÃO

A ingestão de peixes é considerada a forma predominante de via de exposição do ser humano ao mercúrio (Hg), principalmente para as populações que vivem às margens dos rios, onde o peixe constitui a principal fonte de proteína1.

No Brasil, os limites estabelecidos pela legislação vigente para consumo seguro de peixes são de 0,5 mgHg/kg para pescado não-predador e de 1,0 mgHg/kg para peixes piscívoros. Esta diferença nos valores de referência quanto às concentrações aceitas em peixes dá-se devido à posição trófica de uma determinada espécie que é fator importante na bioacumulação de Hg em músculos de peixes2.

Um estudo realizado por Arrifano3 admite que apesar de algumas pesquisas sugerirem que os níveis de contaminação por Hg estejam diminuindo em humanos, isso não acontece no meio ambiente, principalmente em peixes da Região Amazônica, uma vez que, estes apresentam um nível de Hg elevado, especialmente de metilmercúrio, especiação química considerada a mais tóxica aos seres humanos, em virtude de suas importantes características de lipossolubilidade. Esta propriedade pode ocasionar exposição frequente ao Hg por via alimentar, considerando os teores do metal encontrados em peixes, e permitindo supor que no decorrer do tempo essa situação possa se agravar4.

Há vários estudos realizados em peixes5,6,7 na Região Amazônica. No entanto, são poucos, aqueles que avaliem a intensidade da contaminação do pescado comercializado no mercado do Ver-o-Peso, consumidos pela população da Cidade de Belém, Estado do Pará, Brasil3,8,9. Assim, esse estudo se propôs avaliar a concentração de Hg-T em peixes comercializados no mercado do Ver-o-Peso em períodos distintos, com intuito de detectar possíveis contaminações por Hg nas espécies estudadas.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo foi realizado no mercado de peixe do Ver-o-Peso, em Belém, em dois períodos sazonais distintos: maio de 2011 (período menos chuvoso) e novembro de 2012 (período mais chuvoso)10.

As espécies selecionadas para o estudo foram Brachyplatystoma rousseauxii (dourada), Brachyplatystoma filamentosum (filhote), ambas de hábito alimentar carnívoro e Schizodon fasciatum (aracu), herbívoro; selecionadas por constituírem recurso pesqueiro importante e apresentarem sabor apreciado, segundo informação obtida por meio de entrevista aos vendedores do mercado.

A B. rousseauxii e a B. filamentosum são consideradas espécies de grande porte, de elevado nível trófico e que podem chegar a mais de 2 m de comprimento, com pesos médios que podem variar de 20 kg a 60 kg. A B. rousseauxii apresenta um alto poder migratório, chegando a percorrer mais de 4.000 km em períodos de desova. O B. filamentosum está presente em lugares profundos, poços ou remansos, saídas de corredeiras e confluências dos grandes rios11,12.

O aracu-comum é classificado como um peixe de médio porte que alcança 40 cm de comprimento. Muito apreciado pela população ribeirinha, comercializado nos mercados e feiras da região e de hábito alimentar herbívoro. Em 2003, os aracus participaram com 2,44% do total da produção pesqueira desembarcada nos portos dos principais municípios do Estado do Amazonas13.

Os boxes do mercado, para a obtenção dos exemplares de peixes, foram escolhidos por meio de sorteio e disponibilidades das espécies no dia da coleta. Para cada boxe, foram obtidas dez amostras por período, totalizando 60 exemplares.

No momento da aquisição dos peixes foram verificados massa e comprimento. Em seguida, acondicionados em caixa térmica e encaminhados para análise ao Laboratório de Toxicologia Humana e Ambiental do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (NMT/UFPA).

No Laboratório, foi obtida uma porção comestível da região dorsal do peixe e micro fragmentada com o auxílio de bisturi, obtendo um peso médio de 0,5 g cada fragmento e repassados para o interior de balões volumétricos pirex de 50 mL. Em seguida, foi acrescido lentamente 1 mL de água destilada, 2 mL de ácido nítrico com perclórico e 5 mL do ácido sulfúrico. As amostras foram levemente agitadas e digeridas em chapa aquecedora em 210o C, por 30 min14.

Para análise das amostras, foi utilizado um espectrofotômetro de absorção atômico, aparelho Mercury Analyzer modelo Hg-201 (Sanso Seisakusho, Tóquio, Japão). O método envolve redução e espectrometria de absorção atômica por vapor frio e inclui redução de íons Hg2+ na solução da amostra com cloreto estanhoso para gerar vapor de mercúrio elementar (Hg0) e a introdução de vapor de Hg na célula de fotoabsorção14.

Foi utilizado o padrão certificado denominado comercialmente de DORM, usado para a acurácia na determinação das análises de Hg em amostras de peixes. Nesse estudo, o DORM apresentou-se dentro do intervalo de confiança (4,56 ± 0,26 µg/g), 4,65 µg/g de Hg-T. Para o teste de sensibilidade e reprodutibilidade foi construída uma curva de calibração, com quatro pontos e r = 0,995. Em todas as amostras foram realizados testes em duplicatas.

Os resultados são apresentados em gráficos e tabelas. Foram utilizados os testes estatísticos de análise de variância (ANOVA), Student e correlação de Pearson, adotando nível de significância de 0,05. O programa utilizado foi o Bioestat 5.015.

 

RESULTADOS

A média de Hg-T obtida nas espécies piscívoras B. rousseauxii e B. filamentosum foi de 0,4 µg/g, variando de 0,03 µg/g a 0,8 µg/g e de 0,3 µg/g, variando de 0,1 a 0,5 µg/g, respectivamente. Na espécie não piscívora S. fasciatum a média de Hg-T foi de 0,1 µg/g com valor máximo de 0,4 µg/g. Não havendo diferença significativa entre as médias de Hg-T entre as espécies piscívoras estudadas (p > 0,05), conforme demonstra a tabela 1.

 

 

No período mais chuvoso, as concentrações médias de Hg-T apresentadas foram de 0,1 µg/g de Hg-T para a espécie B. rousseauxii, variando de 0,03 µg/g a 0,4 µg/g de Hg-T. Na B. filamentosum a média foi de 0,3 µg/g de Hg-T com uma variação de concentração de 0,01 a 0,5 µg/g. Entre as amostras de S. fasciatum, a média de Hg-T foi de 0,01 µg/g, com máximo de 0,03 de Hg-T nas amostras estudadas, de acordo com a tabela 2.

 

 

Foi observada diferença significativa nos níveis de Hg-T entre as espécies predadoras quando comparadas as espécies predadoras com as não predadoras, B. filamentosum vs. S. fasciatum (p < 0,01) e entre B. rousseauxii vs. S. fasciatum (p < 0,05).

A única espécie que não apresentou diferença significativa nos níveis de Hg entre os dois períodos analisados foi a B. flavicans. Os resultados obtidos de Hg-T em ambos os períodos, mais chuvoso e menos chuvoso foram bem próximos, 0,31 µg/g e 0,30 µg/g de Hg-T, respectivamente (Gráfico 1).

 

 

O gráfico 2 representa as amostras de B. rousseauxii, nas quais foi observada uma correlação positiva moderada entre os níveis de Hg-T e o índice de estado nutricional (IEN), (peso(g)/[comprimento(mm3)]) x 100.000, segundo o modelo de Goede e Barton16.

 

 

No gráfico 3, as amostras de B. filamentosum apresentaram correlação negativa ausente entre os níveis de Hg-T e o IEN, sugerindo que, a medida que diminui o IEN, o valor correspondente de Hg-T aumenta, nessas amostras.

 

 

Nas amostras de peixe de S. fasciatum, foi observada correlação negativa ausente entre os níveis de Hg-T e o IEN nas amostras estudadas, como mostra o gráfico 4.

 

 

DISCUSSÃO

Os níveis de Hg-T encontrados em diferentes espécies de peixes capturados em áreas distintas da bacia Amazônica mostram que a contaminação do ecossistema aquático é abrangente, uma vez que algumas espécies de peixes consumidos pela população revelaram-se impróprias para o consumo7,17,18,19.

No período de menos chuva, nenhuma espécie alcançou média acima do valor de referência. No entanto, cinco exemplares de B. rousseauxii apresentaram concentração maior que 0,5 µg/g obtendo máximo de 0,8 µg/g de Hg-T, o que pode representar riscos para quem consome frequentemente essa espécie, uma vez que as recomendações da Comissão do Codex Alimentarius da Organização Mundial da Saúde20 estabelece 0,5 mg/kg em peixes não predadores e 1 mg/kg de metilmercúrio em peixes predadores como limite de tolerância aceitável para consumo humano. A Portaria no 685, de 27 de agosto de 1998 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária21 (ANVISA) também estabeleceu limites, entretanto, ela se refere ao Hg inorgânico (IHg) em alimentos e não à contaminação por metilmercúrio. Este estudo considerou os limites estabelecidos pela Comissão do Codex Alimentarius, por se tratar de Hg orgânico.

No que se refere a peixes carnívoros e herbívoros, Passos e Megler22 e Arrifano3 encontraram resultados semelhantes aos deste estudo. Nesses trabalhos é esclarecido que os peixes piscívoros apresentam um potencial importante de bioacumulação, isto ocorre devido à sua posição no topo da cadeia alimentar aquática, assim como a influência do seu hábito de alimentação carnívoro3,23,24.

Os resultados dos níveis de Hg-T encontrados nas amostras de B. rousseauxii no período menos chuvoso de 0,4 µg/g são próximos aos resultados obtidos por Santos et al17, que obteve média de 0,5 µg/g de Hg-T em peixes da mesma espécie. No estudo realizado por Bastos et al6 na região do rio Madeira, os resultados encontrados foram de 0,9 µg/g de Hg-T, valores próximos do limite estabelecido pela ANVISA e pela Comissão do Codex Alimentarius; tornando esse achado preocupante, considerando as características migratórias da B. rousseauxii, chegando a percorrer mais de 4.000 km, em época de desova, podendo alcançar regiões não expostas ao Hg25.

Nas amostras de B. filamentosum, a média encontrada de 0,30 µg/g de Hg-T, em ambos os períodos, foi semelhante aos valores publicados no estudo de Akagi et al26, com a mesma espécie na Região Amazônica. Neste trabalho, os níveis registrados foram de 0,54 µg/g de Hg-T.

Castilho et al27 conduziram uma pesquisa com amostras de B. filamentosum, em que a concentração de 0,2 µg/g Hg-T foram próximas aos dosados em nossas amostras. A comparação entre os resultados obtidos nas amostras de peixe estudadas por Akagi et al26 e Castilho et al27 sugerem que, pelo menos no período estudado, houve uma redução nos níveis de Hg-T na espécie de B. filamentosum. Entretanto, Bastos et al6, estudando várias espécies piscívoras e não piscívoras na Região Amazônica, entre elas B. filamentosum, encontrou níveis de Hg que são maiores do que deste estudo, 0,907 µg/Hg-T. No entanto, é importante destacar que o estudo de Bastos et al6 foi realizado em peixes capturados próximo à região de garimpo na região do rio Tapajós, considerada área contaminada, o que justifica a diferença entre os resultados. Em Belém, não há relatos na literatura de casos de contaminação ambiental ocasionada por Hg, seja de origem antropogênica e/ou de presença de fontes naturais.

Adicionalmente Arrifano3, estudando os níveis de metilmercúrio em B. filamentosum da região metropolitana de Belém, comercializada no Ver-o-Peso, obteve média de concentração abaixo do limite de segurança, corroborando com os resultados do presente estudo. Ainda se referindo ao estudo de Arrifano3, o pesquisador comparou níveis de IHg na espécie de B. filamentosum do Mercado do Ver-o-Peso com as amostras comercializadas no Mercado Municipal de Itaituba, considerada região exposta. Neste estudo, não houve diferença estatística significativa entre os níveis de IHg na espécie entre os mercados.

Na espécie não piscívora S. fasciatum não foram encontrados níveis de Hg significativos, corroborando com estudos realizados por Castilho et al27 e Brabo et al28. Segundo Faial et al5, isto ocorre porque a concentração de Hg-T nos peixes depende de muitos fatores, entre eles, o hábito alimentar, característica migratória do peixe e outros aspectos do ecossistema aquático.

Dentre as espécies de peixe estudadas, a B. filamentosum foi a única que apresentou diferença estatística nos níveis de mercúrio, quando comparadas às outras espécies nos dois períodos.

Na Amazônia, o período mais chuvoso e menos chuvoso, considerados o inverno e o verão amazônico contribuem de forma significativa para o cenário fluvial, uma vez que, dependendo do período sazonal, os rios encontram-se cheios ou secos29. No mercado de peixe do Ver-o-Peso, a origem dos peixes comercializados depende da época do ano, que segundo os vendedores, no período menos chuvoso as espécies estudadas são capturadas, na sua maioria, na região do Tapajós e na época das chuvas essa captura passa a ser maior na região do Marajó.

Além disso, peixes de regiões estuarinas, como é o caso da Baia do Marajó, apresentam níveis de Hg-T mais baixos, levando em consideração Ph e disponibilidade de matéria orgânica quando comparados com peixes da região marinha30. São poucos os estudos na literatura que realizam a comparação temporal dos níveis de Hg-T, sendo realizados mais estudos em nível de quantificação.

Neste estudo, os níveis mais altos de Hg foram encontrados no período menos chuvoso, de águas baixas e captura realizada na região do Tapajós, já reconhecidamente exposta; esses resultados divergem dos obtidos por Coelho et al31 que descrevem a forte influência das chuvas nos níveis de Hg no ambiente aquático. Segundo esses autores, o processo ocorre por meio de lixiviação, aumentando a disponibilidade de matéria orgânica, potencializando o processo de biomagnificação no sedimento dos rios.

No presente estudo, seria possível justificar os níveis de Hg-T mais elevados em época de estiagem, em virtude das baixas águas e consequentemente maior movimentação do sedimento no leito dos rios; o que favorece ainda mais alterações físico-químicas do metal, biodisponilizando-o, ainda mais, na forma de metilmercúrio30. No entanto, existem outros fatores que poderiam ter influenciado essa diferença, entre eles, o local de captura, que variou no decorrer das coletas.

O Tapajós, região de origem da primeira aquisição de amostras do mercado, já foi citada em vários trabalhos como área de possível contaminação de Hg, decorrente principalmente da ação garimpeira. Por outro lado, na região do Marajó, de onde os peixes da segunda coleta foram obtidos, não houve registros de presença mercurial em ambientes aquáticos ou relatos de exposição humana. Desta maneira, a variável localização parece exercer um papel fundamental na exposição de organismos aquáticos.

Além da localização favorável à ausência de Hg, os níveis baixos de Hg-T encontrados nos exemplares capturados na baia do Marajó justificam-se pela pouca idade dos peixes que são de origem estuarina, local onde ocorre o seu período de maturidade reprodutiva e por estarem distantes de fontes de contaminação mercurial antropogênica. Além disso, as espécies de peixes de habitat estuarinos são jovens e ainda não atingiram o topo da cadeia trófica, apresentando nessa fase da vida uma dieta bastante variada, e se alimentam de crustáceos, detritos e moluscos8.

Na avaliação da correlação entre as concentrações do Hg e o IEN dos peixes, que é calculado a partir das medidas de peso e comprimento dos peixes, o teste estatístico utilizado não mostrou forte correlação. Porém, os resultados de Eysink32, Mandarino33 e Arrifano3 encontraram correlação positiva entre o tamanho e a concentração de Hg na musculatura de Hoplias malabaricus e Rhamdia sp, B. vaillantii e B. filamentosum.

Os achados deste estudo assemelham-se aos de Colino et al8 que não encontraram correlação entre os níveis de Hg-T e as medidas de massa e comprimento, em espécies de B. vaillantii, capturadas na região do Marajó. Este resultado pode ser explicado pelo maior número de exemplares estudados nesta pesquisa e coletas que foram realizadas em dois períodos distintos, diferente de Eysink32, Mandarino33 e Arrifano3 que efetuaram seus estudos em um único período além de ser necessário considerar o metabolismo de cada espécie de peixe34.

 

CONCLUSÃO

Embora nenhuma das espécies de peixes tenha alcançado o limite máximo de Hg-T para consumo humano, as concentrações foram bem próximas ao valor de referência estabelecido pela legislação da ANVISA, e maior do que o indicado pela OMS de 0,5 µg/g, para o consumo de pescado seguro. Esse resultado é preocupante, devido à frequente exposição ao Hg por meio do consumo diário de B. rousseauxii, comercializada no mercado do Ver-o-Peso, esta alimentação induz a problemas importantes para a saúde humana, a recomendação para uma menor frequência de consumo desses pescados no período menos chuvoso faz-se necessária.

Este estudo permitiu concluir também que a localização - regiões próximas à atividade garimpeira - é uma variável de extrema relevância nesta exposição, sugerindo-se que seja realizada uma vigilância mais exigente quanto à origem deste pescado nos mercados de Belém.

Quanto à ausência ou fraca correlação encontrada nas espécies estudadas, sugere-se a realização de novos estudos, incluindo outras variáveis como o metabolismo e hábitos alimentares do organismo, para se obter com clareza a importância do índice nutricional do pescado em relação à contaminação por Hg.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Maria da Conceição Nascimento Pinheiro
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Recebido em / Received / Recibido en: 24/9/2013
Aceito em / Accepted / Aceito en: 20/3/2014