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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versión impresa ISSN 2176-6215versión On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.5 n.2 Ananindeua jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S2176-62232014000200007

RELATO DE CASO | CASE REPORT | RELATO DE CASO

 

Pênfigo foliáceo endêmico (fogo selvagem) em indígena Yanomami no Município de São Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas, Brasil

 

Pemphigus foliaceus (fogo selvagem) in an indigenous Yanomami from the Municipality of São Gabriel da Cachoeira, Amazonas State, Brazil

 

Pénfigo foliáceo endémico (fuego salvaje) en indígena Yanomami en el Municipio de São Gabriel da Cachoeira, Estado de Amazonas, Brasil

 

 

Francimeire Gomes Pinheiro; Antonia Maria Ramos Franco

Laboratório de Leishmaniose e Doença de Chagas, Coordenação de Pesquisas em Sociedade, Ambiente e Saúde, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Manaus, Amazonas, Brasil

Endereço para correspondência
Correspondence
Dirección para correspondencia

 

 


RESUMO

É relatado o primeiro caso de pênfigo foliáceo endêmico (fogo selvagem) em um adolescente indígena do grupo étnico Yanomami, do Município de São Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas, Brasil.

Palavras-chave: Pênfigo; Acantólise; Índios Sul-Americanos.


ABSTRACT

It is reported the first case of endemic pemphigus foliaceus (fogo selvagem) in an indigenous teenager of the Yanomami ethnic group from the Municipality of São Gabriel da Cachoeira, Amazonas State, Brazil.

Keywords: Pemphigus; Acantholysis; South American Indians.


RESUMEN

Relatado el primer caso de pénfigo foliáceo endémico (fuego salvaje) en un adolescente indígena del grupo étnico Yanomami, del Municipio de São Gabriel da Cachoeira, Estado de Amazonas, Brasil.

Palabras clave: Pénfigo; Acantólisis; Indios de América del Sur.


 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, mais de 15 mil casos de pênfigo foliáceo endêmico (PFE) já foram registrados desde o início do século XX1. No território brasileiro, a Região Centro-Oeste é considerada endêmica, destacando-se os Estados de Goiás e Mato Grosso, e na Região Sul, o Estado do Paraná apresentam um número bem acentuado de casos da doença2. O pênfigo ocorre em crianças, jovens e adultos, sendo que a maior incidência é na faixa etária dos 20 aos 30 anos, afetando os dois sexos igualmente3. Os habitantes da zona rural estão mais propensos a adquirir a doença, em especial as populações ribeirinhas ou habitantes de áreas de desmatamentos - locais em processo de urbanização4.

Segundo Aoki et al5, o pênfigo é referido como pertencente a um grupo de doenças autoimunes (ação de células T e imunoglobulinas IgG). É caracterizado como uma dermatose bolhosa de etiologia ainda desconhecida, com a formação de bolhas intraepidérmicas que afetam a pele e, algumas vezes, as mucosas, como resultado da acantólise, resultantes da perda da integridade das fixações intercelulares6. Essa patologia é classificada de três formas: pênfigo vulgar (PV), pênfigo foliáceo (PF) e uma forma endêmica conhecida como pênfigo foliáceo endêmico (PFE) também chamada fogo selvagem7.

O PFE, também conhecido como pênfigo foliáceo brasileiro e pênfigo foliáceo sul-americano, tem sido descrito em vários outros países das Américas - do México ao norte da Argentina, principalmente Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela - e, recentemente, na Tunísia8,9. Neste tipo de pênfigo, os pacientes relatam uma sensação de "queimação" no corpo. O PFE exibe os achados imunopatológicos do pênfigo e um distintivo de epidemiologia sugestiva de uma doença provocada por um agente infeccioso transmitido por insetos10.

Segundo Minelli10, surtos de PFE coincidem com o aumento da densidade populacional de simulídeos, principalmente o Simulium prurinosum. A explicação para este acontecimento é que durante o aparecimento dos simulídeos, algum fator ambiental (clima, temperatura, luz, umidade e outros) pode estar relacionado à ocorrência da doença.

Durante uma pesquisa pioneira sobre a epidemiologia da leishmaniose realizada no período de cinco anos no Município de São Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas, Brasil, foi identificado, eventualmente, um caso de PFE em um indígena do grupo étnico Yanomami na população daquele município.

O objetivo deste estudo foi o de relatar a ocorrência de um caso autóctone de pênfigo foliáceo endêmico em um paciente jovem indígena, do sexo masculino, diagnosticado por exame clínico e laboratorial após ser atendido na Casa do Índio (CASAI), pela equipe médica do Hospital de Guarnição de São Gabriel da Cachoeira.

 

RELATO DO CASO

R.T.S., 18 anos de idade, sexo masculino, estudante, índio da etnia Yanomami, procurou atendimento na CASAI, em São Gabriel da Cachoeira. O paciente apresentava lesões na pele (Figura 1) do tipo eritematosas, crostosas com intensa descamação nas regiões da face, torácica e infra-axilares, com início há quatro meses. Foram observadas vesículas e erosões mucosas, além do sinal de Nikolsky, que consiste no descolamento epidérmico de pele perilesional após a fricção da lesão cutânea. O diagnóstico foi feito por meio das características clínicas e pela avaliação do esfregaço corado pelo método panótico retirado da base da bolha, no qual foi possível visualizar a presença de células acantolíticas. O tratamento indicado pela equipe médica foi realizado com Dapsona (dose 100 mg/dia) e Azatioprina 100 mg/dia, com indicação de acompanhamento por seis meses. No entanto, houve o abandono do tratamento devido o paciente ter retornado à aldeia antes do fim do mesmo, fato recorrente entre a população indígena local.

 

 

DISCUSSÃO

Atualmente, vem aumentando o número de casos de PF no Estado do Amazonas, principalmente na população indígena. Segundo Sampaio et al11, não há predisposição de sexo ou grupo étnico nesta doença. Na Fundação de Medicina Tropical, no ano de 2008, foram atendidos três pacientes indígenas oriundos do interior do Estado (Jutaí e Eirunepé). Relato de dez casos de pênfigo oriundos dos municípios localizados a oeste do Amazonas realizado por Talhari et al12.

No Estado do Mato Grosso do Sul, Aoki et al13 verificaram a incidência de PF entre os índios Terenas da aldeia Limão Verde, a qual consideraram endêmica, por apresentar uma prevalência de 3,4% e uma incidência de um a quatro casos novos por ano para uma população de 1.200 indivíduos. Também na mesma área, Hans-Filho et al14 já haviam analisado 26 doentes de uma população de 998 indivíduos. As áreas indígenas da etnia Xavante, nesse Estado, são reconhecidas como sendo de alta endemicidade para o PFE15.

A residência do paciente localizava-se em uma aldeia Yanomami, distando dois dias de viagem de barco de São Gabriel da Cachoeira. Vários autores já associaram as condições de moradias precárias dos trabalhadores da zona rural à predisposição ao pênfigo1,11.

Entre os Yanomami observa-se a incidência de oncocercose, doença onde os simulídeos são considerados vetores do agente etiológico16 e que também são responsáveis pela transmissão de um fator desencadeante no PFE1. Eaton et al17 relataram a presença de S. nigrimanum na reserva indígena Limão Verde, área endêmica de PFE.

Em relação ao diagnóstico, a citodiagnose possibilita o encontro de células acantolíticas. É sabido que o PFE se manifesta, inicialmente, por meio de manchas vermelhas na pele, nas quais se localizam as bolhas que facilmente se rompem formando crostas, podendo surgir por todo o corpo15. Outros métodos, além das características clínico-laboratoriais usualmente utilizadas, são considerados importantes no diagnóstico da doença. São necessários os exames histopatológico e testes sorológicos, em particular a detecção de IgG pela imunofluorescência indireta e a inclusão do ensaio de imunoadsorção enzimática (ELISA), utilizando desmogleínas recombinantes18, podem ser indicados nestes casos.

A forma generalizada da doença ocorre quando as lesões crescem de forma centrifugamente, iniciando como uma pequena pápula, na qual aumentam lentamente e formam um anel à medida que a área central aplana e desbota, sendo observada nas áreas do tronco e extremidades18. As formas generalizadas do PFE podem ser divididas: (i) esfoliativa-bolhosa: aguda e agressiva, com predomínio de lesões bolhosas extensas, onde lesões hiperqueratósicas e dermatite esfoliativa são menos observadas. Muitos doentes apresentam febre, artralgia e mal estar geral associado ao início da erupção vesicular. Alguns pacientes podem desenvolver erupção variceliforme de kaposi se o mesmo for exposto ao vírus do herpes simples; (ii) eritrodérmica: presença de erosões superficiais, confluentes com crostas e exsudato seroso predominantes e (iii) queratósica e nodular: onde lesões nodulares e queratósicas, similares às verificadas nas formas crônicas localizadas apresentam-se generalizadas por todo o tegumento18.

Ito18 sugere um protocolo para estudos futuros para o seguimento clínico-laboratorial de casos de pênfigo, incluindo dados epidemiológicos, achados clínicos, opções terapêuticas, entre outras informações.

 

CONCLUSÃO

O conhecimento sobre a incidência de PFE em São Gabriel da Cachoeira ainda é muito vago, devido à doença, até então, ser confundida com outras dermatites, além de não ser uma doença de notificação compulsória. Os pênfigos são considerados um grupo de dermatoses raras, crônicas, bolhosas e de caráter autoimune.

 

ASPECTOS ÉTICOS

O presente estudo seguiu as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, de acordo com a Resolução 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde e de protocolo adotado pela Secretaria de Saúde do Estado do Amazonas e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

 

REFERÊNCIAS

1 Diaz LA, Sampaio SAP, Rivitti EA, Martins CR, Cunha PR, Lombardi C, et al. Endemic pemphigus foliaceus (fogo selvagem): II. Current and historic epidemiologic studies. J Invest Dermatol. 1989 Jan;92(1):4-12. Doi:10.1111/1523-1747.ep13070394 [Link]

2 Campbell I, Reis V, Aoki V, Cunha P, Hans Filho G, Alves G, et al. Pênfigo foliáceo endêmico: fogo selvagem. An Bras Dermatol. 2001 jan-fev;76(1):13-33.

3 Brown MV. Fogo selvagem (pemphigus foliaceus): review of the Brazilian literature. AMA Arch Derm Syphilol. 1954 May;69:589-99. [Link]

4 Chiossi MPV, Roselino AM. Endemic pemphigus foliaceus ("fogo selvagem"): a series from the Northeastern region of the state of São Paulo, Brazil, 1973-1998. Rev Inst Med Trop Sao Paulo. 2001 Mar-Apr;43(2):59-62. Doi: 10.1590/S0036-46652001000200001 [Link ]

5 Aoki V, Huang MHT, Périgo AM, Fukumori LMI, Maruta CW, Santi CG, et al. Endemic pemphigus foliaceus (fogo selvagem) and pemphigus vulgaris: immunoglobulin G heterogeneity detected by indirect immunofluorescence. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2004 Oct;59(5):251-6. Doi:10.1590/S0041-87812004000500005 [Link]

6 Neves JP. Diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1983. 947 p.

7 Mimouni D, Anhalt GJ. Pemphigus. Dermatol Ther. 2002;15:362-8.

8 Bastuji-Garin S, Souissi R, Blum L, Turki H, Nouira R, Jomaa B, et al. Comparative epidemiology of pemphigus in Tunisia and France: unusual incidence of pemphigus foliaceus in young Tunisian women. J Invest Dermatol. 1995 Feb;104(2):302-5. Doi:10.1111/1523-1747.ep12612836 [Link]

9 Galarza C, Ronceros MG, Mendonza D, Sanchez G, Vilcaarromero M, Ráez E. Pénfigo foliáceo endémico en el departamento de Ucayali-Perú: reporte de 16 casos. An Fac Med (Perú). 2002 ene;63(1):19-24. [Link]

10 Minelli L. Pênfigo foliáceo sul-americano no estado do Paraná, Brasil: 1941 a 1980. Bol Oficina Sanit Panam. 1986 ago;101(2):114-23. [Link]

11 Sampaio SA, Rivitti EA, Aoki V, Diaz LA. Brazilian pemphigus foliaceus, endemic pemphigus foliaceus, or fogo selvagem (wild fire). Dermatol Clin. 1994 Oct;12(4):765-76. [Link]

12 Talhari S, Fernandes G, Alecrim WD. Pênfigo foliáceo sul-americano no estado do Amazonas: estudo de 10 casos. An Bras Dermatol Sifilol. 1975;50:49-52.

13 Aoki V, Millikan RC, Rivitti EA, Hans-Filho G, Eaton DP, Warren SJP, et al. Environmental risk factors in endemic pemphigus foliaceus (fogo selvagem). J Investig Dermatol Symp Proc. 2004 Jan;9(1):34-40. Doi: 10.1111/j.1087-0024.2004.00833.x [Link]

14 Hans-Filho G, Santos V, Katayama JH, Aoki V, Rivitti EA, Sampaio SA, et al. An active focus of high prevalence of fogo selvagem on an Amerindian reservation in Brazil. J Invest Dermatol. 1996 Jul;107(1):68-75. Doi: 10.1111/1523-1747.ep12298213 [Link]

15 Friedman H, Campbell I, Rocha-Alvarez R, Ferrari I, Coimbra CE, Moraes JR, et al. Endemic pemphigus foliaceus (fogo selvagem) in native Americans from Brazil. J Am Acad Dermatol. 1995 Jun;32(6):949-56. Doi: 10.1016/0190-9622(95)91330-0 [Link]

16 Moraes MAP. Oncocercose entre os índios Yanomámi. Cad Saude Publica. 1991 out-dez;7(4):503-14. Doi: 10.1590/S0102-311X1991000400004 [Link]

17 Eaton DP, Diaz LA, Hans-Filho G, Santos VD, Aoki V, Friedman H, et al. Comparison of black fly species (Diptera: Simuliidae) on an Amerindian reservation with a high prevalence of fogo selvagem to neighboring disease-free sites in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil. The Cooperative Group on Fogo Selvagem Research. J Med Entomol. 1998 Mar;35(2):120-31. [Link]

18 Ito LM. Evolução clínica, sorológica e terapêutica dos doentes de pênfigo foliáceo do ambulatório de doenças bolhosas autoimunes do Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no período de 1991 a 2002 [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2004.

 

 

Correspondência / Correspondence / Correspondencia:
Francimeire Gomes Pinheiro
Av. André Araujo, 2936.
Bairro: Petrópolis
CEP: 69067-375
Manaus-Amazonas-Brasil
E-mail: meireg@inpa.gov.br

Recebido em / Received / Recibido en: 24/9/2013
Aceito em / Accepted / Aceito en: 21/3/2014