Desde que Cristóvão Colombo e Pedro Alvares Cabral descobriram as Américas e o Brasil, e, em seguida, foi iniciado o tráfico de escravos nas Américas, não se via o fenômeno de introdução de novas doenças, até então desconhecidas no Novo Mundo, como no atual momento em que vivemos. De fato, durante os primeiros séculos de colonização das Américas, principalmente por Espanha e Portugal, várias doenças do Velho Mundo foram introduzidas nos (futuros países) territórios colonizados. Assim, varíola, sarampo, tuberculose e muitas outras doenças de transmissão direta (ou contagiosas) foram introduzidas nas colônias1. A febre amarela foi uma das doenças trazidas com a escravidão e, com ela, veio o Aedes aegypti, principal transmissor do vírus da febre amarela (VFA). Estudos conduzidos no início deste século XXI, por Bryant et al2, apoiados por outros estudos3,4,5, mostraram que o VFA foi introduzido há pouco mais de 300 anos, período que coincide com as grandes navegações e o tráfico de escravos1.
Neste mundo globalizado e com alterações climáticas propícias à dispersão de vetores e suas doenças, bem como o crescente número de voos internacionais, favoráveis à movimentação de doentes ou pessoas infectadas em período de incubação, estamos vivenciando no Brasil a introdução e um rápido processo de dispersão rumo célere ao endemismo de dois novos arbovírus para as Américas - mas que são velhos conhecidos na Africa e Asia: o vírus Chikungunya (para detalhes no Brasil ver artigos de Teixeira et al6 e Nunes et al7), introduzido em julho/agosto de 2014, após ter entrado no Caribe em dezembro de 2013 e, anteriormente, ter causado grandes epidemias na Africa e Asia desde 2004; e o vírus Zika, possivelmente introduzido no mesmo período durante a Copa do Mundo realizada em 2014 no Brasil.
O vírus Zika é um flavivírus (família Flaviviridae) transmitido por Aedes aegypti e que foi originalmente isolado de uma fêmea de macaco Rhesus febril na Floresta Zika (daí o nome do vírus), localizada próximo de Entebbe na Uganda, em 20 de abril de 19478,9. Esse vírus é relacionado ao VFA e dengue, também transmitidos por Aedes aegypti e que causam febre hemorrágica. O vírus Zika tem causado doença febril, acompanhada por discreta ocorrência de outros sintomas gerais, tais como cefaleia, exantema, mal estar, edema e dores articulares, por vezes intensas. No entanto, apesar da aparente benignidade da doença, mais recentemente na Polinésia Francesa e no Brasil, quadros mais severos, incluindo comprometimento do sistema nervoso central (síndrome de Guillain-Barré, mielite transversa e meningite), associados ao Zika têm sido comumente registrados, o que mostra quão pouco conhecida ainda é essa doença10,11,12.
Reconhecida quase simultaneamente, em fevereiro de 2015 na Bahia11 e em São Paulo, a circulação da doença causada pelo vírus Zika foi rapidamente confirmada pelo uso de métodos moleculares e, posteriormente, no Rio Grande do Norte12, Alagoas, Maranhão, Pará e Rio de Janeiro, mostrando uma capacidade de dispersão impressionante, somente vista no Chikungunya nos últimos dois anos nas Américas.
O vírus Zika foi isolado, pelo Instituto Adolfo Lutz, de um paciente que recebeu uma transfusão sanguínea contaminada de um doador em período de incubação, e confirmado pelo Instituto Evandro Chagas, bem como de vários pacientes do Rio Grande do Norte e da Bahia. A possibilidade de o vírus Zika ser transmitido por sangue e hemoderivados levanta a questão da inclusão dessa (e outras?) arbovirose(s) na triagem de doadores de sangue, para uma doença que não dispõe de kits comerciais para diagnóstico laboratorial; nem será menos oneroso o desenvolvimento de métodos moleculares para detecção do Zika, seja em banco de sangue, seja em laboratórios de saúde pública, exceto nos laboratórios de referência que, há muito tempo, estão sobrecarregados com a demanda da vigilância das outras arboviroses como dengue, febre amarela, Mayaro, Oropouche, encefalites por arbovírus, etc. Além disso, o reconhecimento do aumento de casos de comprometimento do sistema nervoso central, em pacientes com doença pelo vírus Zika, pressupõe a necessidade de aprimorar a vigilância de síndromes neurológicas em doentes febris agudos.
Finalmente, é importante ressaltar a necessidade de melhorar o controle vetorial nos municípios infestados com Aedes aegypti, já que somente essa espécie no Brasil está, até o momento, associada à transmissão de três arboviroses, dengue, Chikungunya e Zika e, também, o enorme desafio da vigilância epidemiológica em reconhecer precocemente as novas áreas com transmissão para minimizar o impacto dessas doenças na população.