INTRODUÇÃO
Sabe-se hoje que micro-organismos são encontrados praticamente em todos os lugares e, com o crescente aumento do consumo de alimentos fora dos domicílios nos últimos anos, cresceram também os riscos à saúde dos consumidores, pois estes ingerem alimentos em estabelecimentos comerciais que muitas vezes não estão de acordo com as boas práticas de manipulação1,2.
Um dos desafios da humanidade é fazer com que o alimento produzido atenda a todos de forma segura, tendo em vista que os alimentos são considerados um veículo para transmissão de agentes contaminantes, que podem vir a ocasionar um surto de doenças transmitidas por alimentos (DTA) caso estejam contaminados3.
Os micro-organismos são os responsáveis por surtos de DTA. Fatores como temperatura de conservação inadequada, baixas condições de higiene durante o preparo e o uso de alimentos de origem duvidosa são fundamentais para que o alimento torne-se impróprio para o consumo4.
Dentre as mais variadas bactérias detectadas em alimentos destacam-se Staphylococcus aureus, mesófilos e coliformes totais5. Encontrado frequentemente na pele e nas fossas nasais, o S. aureus é uma bactéria esférica, que se apresenta na forma de cocos dispostos em aglomerados que lembram cachos de uva, sendo estes gram-positivos6.
Segundo Wang et al7, a intoxicação provocada pelo S. aureus é causada pela ingestão de toxinas formadas no alimento. De acordo com Cardoso et al8, as toxinas são proteínas de baixo peso molecular, resistentes à cocção e à hidrólise pelas enzimas gástricas e jejunais. Os reservatórios de S. aureus são os seres humanos e os animais de sangue quente, pois fazem parte da microbiota da pele, mucosas, tratos respiratórios e gastrointestinais, com prevalência de 35% a 40% na orofaringe e 10% a 35% na boca e saliva6,9.
O grupo dos coliformes totais é constituído por bacilos gram-negativos, que não apresentam capacidade de produzir esporos e podem ser aeróbios ou anaeróbios facultativos. Além disso, os mesmos conseguem se proliferar em ambientes contendo presença de sais biliares ou outros compostos ativos de superfície e também possuem como característica marcante a capacidade de fermentar lactose com produção de gás a 35° C em 24-48 h. São enterobactérias comumente encontradas no trato intestinal tanto de humanos como de alguns animais. A contaminação por essas bactérias podem causar diarreias e infecção urinária10,11,12.
Os mesófilos são bactérias aeróbias que crescem em temperaturas variadas, sendo a ótima temperatura de crescimento entre 30 a 45° C. Apesar de não serem consideradas bactérias patogênicas, são bactérias indicadoras de falta de higienização, pois crescem com maior facilidade em locais onde há sujidades. A presença destas bactérias em amostras como mãos, equipamentos, alimentos e utensílios demonstra falhas no processo de limpeza e sanitização13.
Os alimentos têm uma grande facilidade de serem contaminados por micro-organismos desde o seu recebimento até sua distribuição, podendo assim mudar suas características físicas, químicas e organolépticas, levando o alimento à deterioração. Deve-se levar em conta que um alimento aparentemente normal também pode estar contaminado e, consequentemente, provocar contaminação no consumidor14,15.
O processo de manipulação dos alimentos é uma das principais causas de contaminação, pois se não for realizada uma higienização adequada das mãos dos manipuladores, das bancadas e dos utensílios que serão utilizados, o alimento irá se contaminar assim que entrar em contato com estas superfícies16,17.
Visando os fatores de riscos que alimentos contaminados podem causar à saúde humana, o presente estudo teve como objetivo avaliar a presença de S. aureus, coliformes totais e mesófilos em mãos de manipuladores de alimentos que trabalham em lanchonetes na Cidade de Ji-Paraná, Estado de Rondônia, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Luterano de Ji-Paraná (CEULJI/ULBRA), em 15 de outubro de 2013, sob o parecer n° 432.704. Um termo de consentimento foi assinado pelos participantes da pesquisa.
Foram realizadas três coletas em cada estabelecimento, sendo escolhidos cinco locais com maior movimento no período do almoço. O material foi coletado a partir de uma das mãos dos manipuladores escolhidos, de forma aleatória e em dias alternados, totalizando 15 amostras. A coleta foi realizada por meio de swabs estéreis utilizando a extremidade que contém o algodão com o diluente, passando-se o swab nas palmas das mãos dos manipuladores, girando de forma que toda a superfície do algodão entrasse em contato com as palmas das mãos. A transferência da amostra ocorreu pela haste, sendo quebrada a parte manuseada e, posteriormente, inseriu-se a parte com a amostra no tubo com o caldo de transporte.
De acordo com Silva et al9, as amostras foram acondicionadas em uma caixa isotérmica contendo gelo reciclável e levadas diretamente ao laboratório de microbiologia até, no máximo, 2 h após a coleta. No laboratório, as amostras foram preparadas adicionando 40 mL de água peptonada tamponada 0,1% para posterior realização de três diluições seriadas (10-1, 10-2 e 10-3).
As Placas 3M™ Petrifilm™ fornecem resultados rápidos e precisos por meio de três simples passos: inoculação, incubação e leitura. Para todas as amostras inoculadas, foi utilizado 1 mL de cada diluição e inoculado em Placas 3M™ Petrifilm™, conforme o micro-organismo a ser analisado. As amostras de S. aureus foram inoculadas em Placas 3M™ Petrifilm™ Staph Express Count Plate AOAC® Official Methods 975.55, enquanto que as amostras de mesófilos foram inoculadas em Placas 3M™ Petrifilm™ Aerobic Count Plate AOAC® Official MethodSM 986.33, 990.12 e 989.10 e uma amostra de coliformes totais foi inoculada em Placas 3M™ Petrifilm™ Coliform Count Plates AOAC® Official MethodSM 989.10.
Após a inoculação, as amostras foram encaminhadas para estufa em temperatura de 37° C por 24 h. Em caso de não crescimento, as placas de mesófilos foram deixadas por mais 24 h. Após análise característica das colônias, foi realizada a avaliação quantitativa dos micro-organismos nas placas.
Os resultados foram expressos em unidades formadoras de colônias/mão (UFC/mão) conforme recomendação da American Public Health Association18.
RESULTADOS
Como até o momento não há um padrão microbiológico para swab de mãos, o presente estudo utilizou o padrão descrito pela Organização Pan-Americana da Saúde, a qual determina que a contagem máxima seja de 102 UFC/mão2,19.
A tabela 1 apresenta os três micro-organismos analisados para cada um dos cinco estabelecimentos participantes da pesquisa, com os resultados obtidos e expressos em UFC/mão.
Local de coleta | Amostra | Microrganismos | ||
---|---|---|---|---|
Mesófilos | Coliformes totais | Staphylococcus aureus | ||
Estabelecimento 1 | 1 | 6,0 x 104 UFC/mão | 6,9 x 104 UFC/mão | 1,6 x 102 UFC/mão |
2 | 2,1 x 104 UFC/mão | 4,6 x 104 UFC/mão | 3,4 x 102 UFC/mão | |
3 | 3,9 x 104 UFC/mão | 8,7 x 103 UFC/mão | 1,2 x 102 UFC/mão | |
Estabelecimento 2 | 1 | 1,8 x 104 UFC/mão | 4,0 x 102 UFC/mão | 1,5 x 102 UFC/mão |
2 | 1,4 x 103 UFC/mão | 1,5 x 103 UFC/mão | 1,8 x 102 UFC/mão | |
3 | 1,6 x 104 UFC/mão | 3,1 x 103 UFC/mão | 2,7 x 102 UFC/mão | |
Estabelecimento 3 | 1 | 1,8 x 104 UFC/mão | 1,9 x 104 UFC/mão | 1,5 x 102 UFC/mão |
2 | 1,1 x 104 UFC/mão | 1,1 x 104 UFC/mão | 1,7 x 102 UFC/mão | |
3 | 1,1 x 104 UFC/mão | 1,3 x 104 UFC/mão | 2,1 x 102 UFC/mão | |
Estabelecimento 4 | 1 | 1,9 x 105 UFC/mão | 2,0 x 104 UFC/mão | 1,5 x 102 UFC/mão |
2 | 1,4 x 104 UFC/mão | 1,1 x 104 UFC/mão | 7,2 x 102 UFC/mão | |
3 | 1,5 x 105 UFC/mão | 1,1 x 104 UFC/mão | 1,6 x 102 UFC/mão | |
Estabelecimento 5 | 1 | 1,9 x 105 UFC/mão | 1,5 x 103 UFC/mão | 2,5 x 103 UFC/mão |
2 | 5,3 x 104 UFC/mão | 1,5 x 103 UFC/mão | 2,0 x 103 UFC/mão | |
3 | 3,0 x 104 UFC/mão | 4,3 x 103 UFC/mão | 2,5 x 103 UFC/mão |
Para determinação de contaminação por coliformes totais, a figura 1 apresenta resultados significativos para o estabelecimento 1, seguido do 3 e 4, sendo estes valores de maior índice de contaminação. Porém, avaliando a tabela 1, é possível notar que os demais estabelecimentos também estão fora do padrão de referência de 102 UFC/mão.
Ao realizar a avaliação isolada de mesófilos (Figura 2) é possível observar que o estabelecimento 4, seguido do 5, estão com elevada porcentagem de contaminação quando comparados aos demais. A tabela 1, com os resultados expressos em UFC/mão, também demonstra que, apesar de dois locais apresentarem mais evidência de contaminação na figura 2, são considerados fora do padrão de higiene para as mãos de manipuladores de alimentos.
A avaliação da figura 3, referente à contaminação de S. aureus, demonstra o estabelecimento 5 como o que apresenta o maior risco ao consumidor, não deixando de evidenciar que os demais estabelecimentos também apresentaram resultados fora do padrão estabelecido.
Realizando uma análise sistemática de todos os estabelecimentos, obtendo a média aritmética de todos os resultados das análises dos micro-organismos, é possível notar que os estabelecimentos 4 e 5 são os que apresentaram mais contaminações e que o 2 e o 3, mesmo estando fora do padrão desejado, apresentaram uma porcentagem menor de contaminação (Figura 4).
Entretanto, vale ressaltar que todas as amostras analisadas estavam fora do limite máximo permitido, representando, portanto, riscos à saúde dos consumidores.
DISCUSSÃO
Diante dos resultados, observa-se a importância que exerce o manipulador na determinação da qualidade final do alimento que chega ao consumidor, pois sabe-se que estes profissionais são as fontes mais frequentes de contaminação, embora os equipamentos e superfícies dos ambientes também possam contaminar os alimentos5,20.
Um estudo realizado em Belo Horizonte, por Rossi21, avaliou 26 manipuladores de alimentos de nove restaurantes, sendo que foi observado que, desse total, 14 apresentaram contaminação por coliformes totais, indicando uma higienização inadequada dos mesmos. Enquanto que Bresolin et al22 desenvolveram um estudo com 90 manipuladores de alimentos em unidades de alimentação e nutrição, a fim de detectar a presença de S. aureus nas mucosas nasais e mãos desses manipuladores, sendo que foi observado que, do total de manipuladores analisados, 31 apresentaram contaminação por S. aureus nas mãos, confirmando assim uma má higienização das mesmas. Fernandez et al23, ao analisarem as mãos de manipuladores de alimentos de dez entidades sociais de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, constataram que 53% dos mesmos continham S. aureus presentes nas mãos. Souza at al24 encontraram um nível de insatisfação de 30% ao avaliarem a presença de S. aureus nas mãos de 30 manipuladores.
Segundo Raddi et al25, os manipuladores de alimentos podem estar mais suscetíveis à contaminação de S. aureus nas mãos pelo fato das mesmas apresentarem um maior índice de umidade. Para comprovar este fato, estes autores analisaram as mãos de dois grupos, um denominado grupo de manipuladores de alimentos e outro denominado grupo de controle, sendo este último formado por estudantes, e verificaram uma frequência maior da bactéria nas mãos de manipuladores de alimentos (41,7%) do que no grupo de controle (15%).
Os mesófilos servem como parâmetro de avaliação das condições higiênico-sanitárias26. Os resultados obtidos neste estudo demonstram que todos os estabelecimentos analisados apresentam falhas na higienização dos manipuladores de alimentos, uma vez que todas as amostras analisadas obtiveram crescimento acima que 102 UFC/mão19.
Ferreira27 e Leal28 apontaram o manipulador de alimentos como o elemento incisivo no processo de disseminação dessas bactérias. Os autores mostraram que doenças ocasionadas pela falta de higiene dos manipuladores de alimentos acontecem, principalmente, em estabelecimentos clandestinos ou estabelecimentos que nunca tiveram treinamentos sobre boas práticas de manipulação de alimentos.
A falta de informação dos manipuladores de alimentos, em relação aos procedimentos adequados durante a higienização e manipulação, é de grande relevância, pois na maioria das vezes a manipulação incorreta não está associada ao descuido durante a preparação, mas com a falta de conhecimento dos procedimentos adequados29,30. Contudo, se houvesse um treinamento baseado nas boas práticas de fabricação alertando os manipuladores de suas responsabilidades e dos cuidados que se deve ter durante a preparação dos alimentos, muitos riscos deixariam de existir31,32.
Brasil et al33, ao desenvolverem um estudo com 345 manipuladores de alimentos do setor supermercadista do Município de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul, constataram que 63% destes nunca haviam participado de capacitações em manipulação de alimentos e boas práticas de produção. Devides et al34 verificaram a importância da capacitação dos manipuladores de alimentos, concluindo que todos os 192 manipuladores que participaram do estudo apresentaram um maior nível de conhecimento sobre boas práticas de fabricação, após participarem de um curso sobre o referido tema.
Apesar de ser um procedimento simples, a lavagem das mãos, que é frequentemente esquecida, é imprescindível para que se evite a contaminação. Lues e Van Tonder35 relataram que a não lavagem das mãos dos manipuladores foram a causa de cerca de 42% dos surtos de DTA ocorridos entre os anos de 1975 e 1998 nos Estados Unidos.
Entre os anos de 2000 e 2011, foram registrados quase 9.000 surtos de DTA no Brasil, das quais 3.927 tiveram o agente etiológico identificado, sendo a Salmonella spp. e o S. aureus os mais frequentes36. Entretanto, vale ressaltar que o sistema de vigilância epidemiológica para DTA não está presente em todo o território nacional, o que leva a crer que o número de surtos ocorridos nesse período pode ser maior37.
CONCLUSÃO
Dos cinco estabelecimentos analisados, os resultados demonstraram que todas as amostras coletadas das mãos dos manipuladores apresentaram um nível fora do padrão de referência, ou seja, acima de 102 UFC/mão, para os três micro-organismos estudados. Nos resultados foram observadas falhas nas condições higiênico-sanitárias durante o processamento dos alimentos, comprometendo sua qualidade e segurança para os consumidores, ocasionando as DTA.