A Amazônia é amplamente conhecida por suas exuberantes florestas e suas funções climáticas, grande disponibilidade de águas doces e presença em seu subsolo de riquezas minerais, tudo isso associado a belezas naturais únicas em todo o planeta. Porém, nas últimas décadas, a região vem passando por grandes transformações que resultaram, entre outras coisas, em crescimento demográfico, a população passou de 4,7 para 13 milhões no período de 1980 a 20001, com significativo aumento no despejo no ambiente de resíduos sólidos urbanos (RSU) e efluentes domésticos e sanitários não tratados, como vem ocorrendo no lixão a céu aberto, próximo ao rio Aurá, o qual foi o destino por quase 30 anos de todo RSU oriundo da Região Metropolitana de Belém, Estado do Pará2,3.
A região tem sido cenário de acontecimentos que produzem consequências complexas para o equilíbrio do ambiente e das sociedades humanas na região, dentre os quais se destacam: 1) o aumento da exploração ilegal de madeira, desmatamento de áreas de floresta, terras e florestas destinadas à agropecuária e maior uso de agrotóxicos, como vem ocorrendo nas margens da BR-163 e também no Estado de Roraima, alimentando e agravando também os conflitos históricos entre índios, ribeirinhos e produtores de grãos4; 2) a instalação de hidrelétricas e formação de lagos imensos que modificam profundamente o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos e alteram hábitos das populações tradicionais, como ocorrido na década de 80, em Tucurui, Estado do Pará, ou mais recentemente durante as construções das hidrelétricas de Belo Monte, no mesmo Estado, e em Santo Antônio e Jirau, no Estado de Rondônia5; 3) implantação e ampliação da atividade industrial e mineral, com fortes incrementos na poluição do ar e produção de resíduos e efluentes que chegam aos corpos hídricos, modificando suas características naturais, ou são armazenados em grandes bacias de deposição, cujos deficientes controles de órgãos de saúde e ambientais mostram um histórico de danos ambientais e riscos à saúde humana, após sequenciais etapas de transbordamentos ou rompimentos6.
Devemos ressaltar que o histórico de danos ambientais e exposição humana a poluentes relacionados a estas atividades industriais e minerais são graves e relevantes, enfatizando: 1) os ocorridos desde 2001 em Barcarena (Figura 1), Estado do Pará; 2) o passivo deixado, desde a década de 1970, no fundo do Lago do Batata, em Oriximiná, Estado do Pará; 3) os danos ambientais e conflitos sociais ocorridos em Serra do Navio e Santana, Estado do Amapá, durante e após o encerramento das atividades de exploração de extração e beneficiamento de minério manganês por mais de 50 anos; 4) o histórico lançamento de mercúrio devido à mineração artesanal de ouro, principalmente no Vale do Rio Tapajós, desde a década de 19707,8,9.
O drástico de tudo isso é que, além dos problemas elencados, a instalação de grandes empreendimentos na Amazônia não significou grandes melhorias de infraestrutura ou nos serviços públicos de transporte, saúde e educação para a população dos municípios que, direta ou indiretamente, foram afetados com os impactos ambientais e danos aos ecossistemas aquáticos e saúde humana10. Nestes casos, os escassos empregos disponíveis para a população local são, na sua maioria, em atividades associadas à prestação de serviços com baixa remuneração e caracterizada, muitas vezes, pela precariedade do trabalho ou até mesmo nas relações de trabalho. Apesar destes serem empregos dignos, devemos ressaltar que a maior parte dos cargos técnicos disponíveis - e de melhor remuneração - exigem níveis de qualificação que não são acessíveis nestas cidades e acabam sendo destinados a profissionais que migram de outras regiões do Brasil e até mesmo de outros países11. Esta é uma realidade também de fácil constatação nos diversos empreendimentos industriais, minerais e hidrelétricos espalhados por toda a Amazônia.
Também é certo que a capacidade técnica e tecnológica instalada na região ainda é bastante limitada e emitir licenças ambientais ou, até mesmo, monitorar e fiscalizar as atividades em andamento tornaram-se tarefas complexas e com falhas em quase todas as etapas, situação que se agrava pelas dimensões continentais e que exigem logísticas de campo custosas e demoradas12. Este é um aspecto de grande obscuridade, pois aponta também para a deficiência do poder público na obtenção de dados mais precisos e acaba deixando boa parte de nossa população à mercê da exposição ambiental a contaminantes a partir de rotas pouco conhecidas e que demoram a ser detectadas apenas pela disponibilidade de informações dos próprios empreendimentos6.
Estas observações nos trazem reflexões e grandes preocupações, tanto para a preservação ambiental da Amazônia quanto sobre os impactos na qualidade de vida de toda população que nela reside. Precisamos reavaliar os modelos de licenciamento de impactos ambientais que não consideram o desenvolvimento humano como um aspecto importante e necessário, e omitem os reais impactos ambientais e riscos à saúde de grandes empreendimentos num planejamento de gradativo aumento de produtividade. Porém, também devemos estimular um amplo debate na sociedade sobre qual modelo de desenvolvimento desejamos.