INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos tem-se observado um crescente aumento no consumo de pescado, fazendo com que a piscicultura seja uma das atividades que mais crescem no mundo. Seguindo essa tendência, o Estado de Rondônia é líder nacional em produção de peixes nativos de água doce em cativeiro, passando de 11 mil toneladas produzidas no ano de 2010 para 75 mil em 2014, sendo que 90% da produção de pescado no Estado é da espécie tambaqui (Colossoma macropomum)1,2,3.
C. macropomum é uma espécie originária da América do Sul, da bacia Rio Amazonas, pertencente à família Characidae, podendo medir 90 cm e pesar 30 kg4,5. É de grande aceitação na produção, pois está presente em 24 Estados brasileiros5.
O tambaqui possui grande valor proteico e elevada presença de vitaminas, sais minerais e ácidos graxos insaturados. No entanto, o pescado é muito sensível e de deterioração rápida, devido a fatores como a elevada atividade de água (aw) e pH quase neutro (6,6 a 7,0), favorecendo o crescimento microbiano e rápida putrefação6,7.
Alguns fatores como a manipulação, transporte e venda, se praticados de forma incorreta, passam a ser agravantes para o pescado, pois aumentam o risco de contaminação. A lavagem incorreta das mãos, bem como tossir, falar próximo ao produto sem a utilização de equipamentos de higiene e a má higienização dos utensílios usados na manipulação dos peixes, torna-os suscetível à contaminação. Também vale destacar que, no Brasil, o pescado é comumente comercializado em feiras livres, onde as condições higiênico-sanitárias nem sempre são satisfatórias8,9,10.
Dentre os microrganismos que podem ser detectados no pescado estão os coliformes totais que fazem parte de um grupo com cerca de 20 bactérias capazes de fermentar lactose de 24 h a 48 h em temperatura de 35° C com formação de gás. Esse tipo de microrganismo pode ser originário do trato gastrointestinal humano e de animais, podendo ser bactérias não entéricas como algumas espécies de Klebsiella. Esse grupo de microrganismo é utilizado como indicador da qualidade higiênico-sanitária na qual o produto se encontra11,12.
O Staphylococcus aureus é um microrganismo patogênico encontrado naturalmente na pele, mucosa, trato respiratório superior e intestino humano; sua patogenicidade não está na bactéria em si, que é muito sensível às altas temperaturas, mas em suas toxinas que são conhecidas como enterotoxinas estafilocócicas, as quais possuem características termoestáveis e podem ser encontradas no alimento após o processo de cozimento, chegando a causar uma intoxicação alimentar leve à grave13,14.
A Listeria monocytogenes é outra bactéria que pode ser encontrada no pescado, resistente ao congelamento e descongelamento, tendo como característica a capacidade de formação de biofilmes e biotransferência; também possui a capacidade de se adaptar a pH entre 4,5 e 9,0, o que lhe garante resistência a vários métodos de assepsia15,16,17.
Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo analisar a qualidade microbiológica do tambaqui comercializado na feira municipal de Ariquemes, Estado de Rondônia, Brasil, por meio da quantificação de coliformes totais e S. aureus, além de pesquisa quanto à presença/ausência de L. monocytogenes.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram coletadas 16 amostras de C. macropomum provenientes de quatro boxes escolhidos de forma aleatória por conveniência da feira municipal de Ariquemes, durante o mês de setembro de 2015. O critério de seleção dos peixes para análise foi estar em cortes (costela, lombinho e posta), estar fresco, com bom estado de conservação, não apresentando odor e nem com características em estágio de putrefação e sob presença de gelo. Todos os peixes coletados tinham como origem criadora do tipo tanque-rede. As amostras foram acondicionadas em caixa isotérmica com gelo e levadas ao laboratório para análise.
A metodologia utilizada foi a de Silva et al18, sendo que primeiramente pesou-se 25 g da amostra em saco estéril, adicionando-se em seguida 225 mL de água peptonada, obtendo-se assim a diluição 10-1 e, a partir desta, realizaram-se as demais (10-2 e 10-3).
Para a análise de coliformes totais realizou-se a técnica de número mais provável (NMP), na qual três tubos de caldo lauril sulfato triptose com tubos de Durhan invertidos em seu interior receberam 1 mL da diluição 10-1, sendo esse mesmo procedimento realizado com as demais diluições que, posteriormente, foram acondicionadas em estufa sob temperatura de 37° C por 24 h. Após o período de incubação, observou-se a formação de gás e turvação, sendo realizado o teste confirmatório para presença de coliformes totais em caldo verde brilhante (VB), em estufa a 37° C por 24 h. Os resultados positivos foram visualizados pela presença de gás nos tubos de Durhan presentes no caldo VB18.
A análise de S. aureus constituiu-se em inocular 0,1 mL de cada diluição em placas de Petri contendo Ágar Baird Parker, enriquecido com telurito de potássio. As placas foram levadas para estufa a 37° C por 48 h e, posteriormente, realizou-se análise das colônias características (cinza escura a preta brilhante, com ou sem formação de halo transparente em volta da colônia) para acontecer as etapas de confirmação18.
Para análise de L. monocytogenes, inoculou-se 1 mL das diluições obtidas anteriormente em placas de Petri contendo Ágar Oxford Modificado, sendo estas incubadas à temperatura de 37° C por 48 h. Passado o período de incubação, as colônias foram analisadas quanto as suas características morfológicas para posterior realização das provas bioquímicas18.
Os dados foram tabulados utilizando-se o programa Microsoft Office Excel 2010 e interpretados de acordo com a RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001, que estabelece 103 como contagem máxima permitida de Staphylococcus coagulase positiva10. Destaca-se que a mesma não atribui valores de referência para coliformes totais e L. monocytogenes.
RESULTADOS
De acordo com os resultados evidenciados na tabela 1, 100% das amostras apresentaram contaminação por coliformes totais com contagens variando de 4,3 x 10¹ NMP/g a 1,1 x 10³ NMP/g.
Nos resultados referentes a S. aureus constatou-se que 37,5% das amostras analisadas estavam fora do recomendado pela legislação vigente, pois apresentaram contagens superiores a 10³ unidades formadoras de colônias por grama (UFC/g)19.
Com relação a L. monocytogenes, observou-se a ausência da mesma em todas as amostras.
Na figura 1, encontra-se a porcentagem de contaminação por coliformes totais e S. aureus estratificadas por local de coleta, na qual se verifica que o box 1 foi o que apresentou maior contaminação por coliformes totais e S. aureus.
DISCUSSÃO
A legislação brasileira não exige a análise de coliformes totais em amostras de pescado, porém a análise desse grupo se faz importante devido ele estar relacionado diretamente com as condições higiênico-sanitárias do processamento20.
Portanto, ao analisar os resultados obtidos no presente estudo, verifica-se que todas as amostras estavam contaminadas por coliformes totais, sendo que algumas apresentaram altas contagens.
Barreto et al7, ao analisarem amostras de pescados oriundos do Município de Cruz das Almas, Estado da Bahia, constataram a presença de coliformes totais em 91% das amostras. Araújo et al21 encontraram resultados idênticos ao do presente estudo, ao analisarem amostras de tambaqui comercializados no Município de Açailândia, Estado do Maranhão, pois verificaram a presença de coliformes totais em 100% das amostras. Pinheiro et al22, ao analisarem amostras de tambaqui do mesmo local do presente estudo, também encontraram 100% das amostras contaminadas por coliformes totais.
De acordo com El-Shafai et al23, a presença de microrganismos na água de cultivo dos peixes influencia na composição da microbiota das diferentes partes do peixe, porém não indica abertamente a presença de patógenos.
Um fator que pode contribuir para a contaminação do pescado é o gelo utilizado em sua conserva. Giampietro e Rezende-Lago24 observaram que do total de amostras de gelo utilizadas para conserva do pescado, 96,7% estavam contaminadas por coliformes totais. Ferreira et al25, ao analisarem amostras de gelo utilizados para conservação do peixe serra, constataram a presença de coliformes totais em 75% delas.
Diante do fato que o S. aureus é comumente encontrado na pele, quando detectada sua presença no alimento há um indicativo de que houve uma manipulação incorreta26. Ponath et al27 verificaram que 100% dos manipuladores de alimentos participantes do seu estudo estavam com índice acima do permitido de S. aureus nas mãos.
Portanto, ao considerar os resultados de coliformes totais e S. aureus, existe uma forte evidência de que as amostras de tambaqui analisadas sofreram um processo de manipulação incorreta.
Um estudo desenvolvido por Silva-Júnior et al26 identificou a presença de S. aureus em 57,2% das amostras de pescado em Macapá, Estado do Amapá. Albuquerque et al28 encontraram a presença de S. aureus no gelo utilizado para conserva do pescado, bem como nas bancadas e nos manipuladores da feira do Mucuripe, Estado do Ceará.
Dados do Ministério da Saúde demonstraram que, entre o ano de 2000 e 2015, houve no Brasil 11.241 casos de surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTA), sendo o S. aureus o segundo microrganismo mais frequentemente detectado como responsável dos surtos29.
A comercialização de alimentos em feiras geralmente é realizada sob baixas condições de higiene. Silvestre et al30, em estudo com carne bovina in natura, observaram que as carnes oriundas do supermercado apresentaram um menor índice de contaminação quando comparadas com as comercializadas em feira.
Lima e Santos31 também relataram a condição higiênico-sanitária insatisfatória em feiras livres no Estado do Amapá. Holanda et al32 constataram que as feiras livres de comercialização de peixes do Município de Caxias, Estado do Maranhão, apresentavam deficiências de higiene nas barracas, equipamentos e utensílios.
Os resultados de L. monocytogenes encontrados nesta pesquisa foram satisfatórios, pois se constatou ausência da mesma em todas as amostras. A legislação em vigor não apresenta valor de referência desse microrganismo para pescados, contudo a presença dele em alimentos representa riscos à saúde do consumidor, pois a L. monocytogenes vem se destacando dentre as bactérias capazes de provocar DTA33.
O consumo de alimentos contaminados por L. monocytogenes pode provocar uma série de manifestações clínicas que incluem septicemia, gastroenterite e meningite. Possui valor de letalidade por volta dos 20%, no entanto, em grupo denominado de risco (grávidas, idosos e imunocomprometidos), esse valor chega a 75%34.
Vale destacar a importância dos estudos microbiológicos, tendo em vista que, por meio destes, é possível traçar medidas que visem a segurança alimentar dos mais variados alimentos disponíveis no mercado para o consumo35.
CONCLUSÃO
A partir dos resultados pode-se concluir que a contaminação do tambaqui por S. aureus e coliformes totais está relacionada às falhas de manipulação dos alimentos, colocando em risco a saúde do consumidor, concluindo assim que o comércio de tambaqui na região precisa de melhoria da condição higiênico-sanitária e fiscalizações atuantes. Considera-se também que estes resultados podem subsidiar as autoridades municipais para planejamento e tomada de decisões como melhorias estruturais, cursos e orientações para manipulação e conservação do pescado, com a finalidade de garantir a oferta de um produto com segurança alimentar, minimizando riscos à população.