INTRODUÇÃO
A síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) é uma doença que se expressa no organismo após a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), isto é, o HIV precede a aids e nunca o contrário. A aids é uma doença crônica, letal, sendo transmitida do sangue contaminado e constitui um grave problema de saúde pública, pois leva o indivíduo a alterações dos estados nutricional e imunológico. O estado nutricional debilitado dos portadores de aids espelha-se no seu estado imunológico, favorecendo o aparecimento de infecções oportunistas. No entanto, já é conhecida a obtenção de melhores resultados no combate à aids aliada à nutrição1,2,3,4,5,6,7,8.
Uma das consequências da desnutrição é a supressão da função imunocelular, levando ao aparecimento das infecções oportunistas que são a causa primária de mortes nos pacientes com HIV/aids9.
O trato gastrointestinal é considerado o primeiro e maior prejudicado nessa doença, principalmente na parte que integra o tecido imunológico10.
O estado nutricional dos portadores de HIV/aids (PVHA) tornou-se um aspecto preocupante, pois apresentam apetite diminuído e ingestão energética insuficiente associada a um gasto energético de repouso aumentado9.
A nutrição adequada auxilia na melhora do sistema imunológico e, assim, controla infecções oportunistas, aperfeiçoa a resposta a tratamento médico e gera uma melhor qualidade de vida para os PVHA.
Este estudo teve como objetivo avaliar o estado nutricional e as alterações gastrointestinais de pacientes internados com HIV/aids no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB) da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Belém, Estado do Pará, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foi feito um estudo transversal analítico, que contou com uma amostra de 46 pacientes internados na Clínica de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP) do HUJBB, de ambos os sexos, na faixa etária entre 20 e 59 anos, que foram acompanhados no período de maio a agosto de 2014, com demanda espontânea.
Foram coletados os seguintes dados antropométricos: peso e altura, para cálculo do índice de massa corpórea (IMC); prega cutânea tricipital (PCT); circunferência do braço (CB); e alterações gastrointestinais, como náusea, vômito, diarreia, distensão abdominal e monilíase oral.
Para determinação da amostra, foi realizado atendimento de todos os pacientes internados na Clínica de DIP do HUJBB, onde foram selecionados somente os PVHA. Foram incluídos na pesquisa somente indivíduos de 20 a 59 anos de idade, de ambos os sexos, que estavam conscientes, orientados, apresentando alterações gastrointestinais, não gestantes e que, depois de informados sobre o estudo, concordaram em participar da pesquisa.
Foram utilizados formulários próprios, no momento da coleta, realizada uma única vez com cada paciente, no período de até 48 h da internação, para levantamento de dados antropométricos, dietéticos e alterações gástricas. As respostas foram coletadas no momento da visita, sendo então compiladas e armazenadas em um banco de dados do programa Microsoft Excel 2007 e posteriormente analisadas no programa BioEstat v5.011. Tabelas e gráficos foram elaborados no programa Microsoft Excel 2007. O teste G foi utilizado para a análise das variáveis categóricas entre as consultas.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do HUJBB/UFPA sobre o protocolo nº 637.225, estando de acordo com as normas da Resolução nº 466/2012 e resoluções complementares do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde.
RESULTADOS
Foram avaliados 46 pacientes, com idade média de ± 36 anos e DP ± 10,71 anos, tendo maior frequência em pessoas do sexo masculino (54,3%) em relação ao feminino (45,7%), sendo que a capital, Belém, foi o município com maior indicação de pacientes (45,7%).
Dados relacionados ao IMC (peso/altura) resultaram em 54,3% de pacientes com desnutrição, 39,1% eutróficos, 4,3% com sobrepeso e 2,2% com obesidade. A avaliação da CB indicou que houve uma maior prevalência da desnutrição em 78,3% dos pacientes, somente 19,6% de pacientes eutróficos e 2,2% com obesidade. Os dados obtidos com a avaliação da PCT indicaram um alto grau de desnutrição em 91,3% dos pacientes, sendo que os demais 4,3% encontravam-se em estado de eutrofia (Tabela 1).
Tabela 1 - Classificação das variáveis antropométricas IMC, CB e PCT de pacientes internados com HIV/aids no HUJBB em Belém, Estado do Pará, Brasil - maio a agosto de 2014
Variáveis antropométricas (classificação) | N = 46 | Frequência (%) | p (teste G) |
---|---|---|---|
IMC | |||
Desnutrição | 25 | 54,3 | < 0,01 |
Eutrofia | 18 | 39,1 | |
Sobrepeso | 2 | 4,3 | |
Obesidade | 1 | 2,2 | |
PCT | |||
Desnutrição | 42 | 91,3 | < 0,01 |
Eutrofia | 2 | 4,3 | |
Obesidade | 2 | 4,3 | |
CB | |||
Desnutrição | 36 | 78,3 | < 0,01 |
Eutrofia | 9 | 19,6 | |
Obesidade | 1 | 2,2 |
Fonte: Protocolo de pesquisa.
As alterações gastrointestinais apresentadas pelos pacientes com HIV/aids internados revelaram que a maioria encontrava-se com náusea (54%), seguida por distensão abdominal (52%) e vômito (50%). Uma menor parte, embora expressiva, de pacientes relatou também presença de diarreia (46%) e monilíase oral (46%). Esses sintomas nunca estavam presentes isoladamente, sendo encontrada normalmente mais de uma alteração gastrointestinal nos pacientes (Figura 1).

Figura 1 - Sintomas gastrointestinais encontrados em pacientes internados com HIV/AIDS no HUJBB em Belém, Estado do Pará, Brasil - maio a agosto de 2014
A correlação de Pearson (r) entre as variáveis antropométricas demonstrou uma correlação forte entre o IMC e CB e também uma correlação moderada entre PCT e IMC, sendo as correlações altamente significativas, com p < 0,01 (Figura 2).
DISCUSSÃO
No presente estudo, a maior predominância de HIV foi encontrada no sexo masculino (54,3%), corroborando com dados do Ministério da Saúde do Brasil e de pesquisas realizadas por Burgos et al12 e Leite e Sampaio13.
A perda de peso costuma ocorrer em 95 a 100% dos pacientes com aids e mais de 50% desses progridem para valores de IMC abaixo dos normais14. Neste estudo, também foi relatada desnutrição na avaliação nutricional, utilizando medidas como IMC, CB e PCT. Essa desnutrição pode ser explicada devido ao fato da perda de peso ser a complicação mais visível e significante ao longo da evolução da infecção por HIV15,e essa predominância é justificada pela falta do uso da terapia antirretroviral de alta eficácia (TARV), visto que doenças associadas ao vírus foram o motivo da internação.
Segundo a avaliação encontrada pelo IMC, houve uma prevalência de 54,3% dos pacientes com desnutrição, tendo resultados similares obtidos nos estudos de Ribeiro16 também com pacientes hospitalizados.
Os dados referentes à PCT demonstraram que 91,3% dos pacientes apresentavam desnutrição, resultado semelhante ao estudo de Marrone et al4.
A CB também diagnosticou um quadro de desnutrição em 78,3% dos pacientes, resultado semelhante ao observado em estudo feito por Silva et al17, no qual, por meio dessa variável, teve maior prevalência de desnutrição entre portadores de HIV-1, representando 65,5% dos pacientes. Esses encontravam-se com desnutrição significativa durante o estudo, com alterações mais marcantes nas medidas antropométricas relacionadas à gordura corporal (PCT), assim como depleção variável dos parâmetros relacionados à CB. É importante utilizar mais de uma medida, a fim de que se tenha uma avaliação mais precisa do estado nutricional18,19.
O IMC é um parâmetro amplamente utilizado nos estudos populacionais para avaliar o estado nutricional de portadores de HIV/aids, possibilitando a avaliação da composição corporal geral, necessitando de outras medidas mais específicas para determinar um diagnóstico nutricional.
A correlação de Pearson pode variar de -1 a +1 e, quanto mais próximos desses valores, mais forte é a associação das variáveis; quando o escore da correlação for 0, indica ausência de associação entre elas. Neste estudo, o teste de correlação entre a variável global (IMC) e as compartimentadas (CB e PCT) veio corroborar os resultados dos métodos antropométricos aplicados, apresentando uma correlação significativa diretamente proporcional entre as variáveis pesquisadas.
Os pacientes internados relataram sintomas como náusea, vômito, diarreia, distensão abdominal e monilíase oral, frequentes devido às doenças oportunistas relacionadas ao HIV, sendo que os mais presentes foram náusea, vômito e distensão abdominal. Em estudo feito por Castro et al20, as alterações gastrointestinais foram tidas como principais causas de internação em 31% dos pacientes com presença de diarreia, candidíase e vômito, como descrito também pelos pacientes avaliados neste trabalho, com presença de vômito e diarreia.
O perfil nutricional encontrado por meio da avaliação antropométrica nos pacientes, segundo o IMC, CB e PCT, demonstrou prevalência para desnutrição, o que ocorre com frequência devido às alterações gastrointestinais causadas por comorbidades associadas à doença, que fragilizam o seu estado imunológico e nutricional, pois impedem a mastigação e a absorção dos alimentos.
CONCLUSÃO
De acordo com todos os parâmetros antropométricos, a maioria dos pacientes pesquisados encontrava-se com desnutrição e teve, como alterações gastrointestinais mais prevalentes, náusea e distensão abdominal.
Este estudo realizou uma análise criteriosa de aspectos gastrointestinais que ainda causam desnutrição nos pacientes, notando a importância de serem tratados imediatamente e de forma multiprofissional.
A avaliação nutricional ajuda a identificar possíveis riscos nutricionais, a melhorar o sistema imunológico e a controlar alterações gastrointestinais e patologias associadas que debilitam e se aproveitam, muitas vezes, do estado imunológico fragilizado do indivíduo.
É fundamental, portanto, a realização de novas pesquisas abordando o tema, bem como a implementação de ações de educação alimentar e nutricional, contribuindo para novas demandas apontadas na promoção das práticas alimentares saudáveis e a intervenção nutricional que tem a capacidade de melhorar a resposta ao tratamento e, assim, reduzir o quadro de desnutrição e possível óbito dos pacientes hospitalizados.