INTRODUÇÃO
As alterações demográficas mundiais têm levado à mudança da distribuição etária da população, que passa a contar com contingente cada vez maior de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Entre 2013 e 2050, a população de idosos na América Latina aumentará 3,2 vezes, passando a contabilizar cerca de 240 milhões de idosos1. Como consequência, uma parte importante da população encontrará dificuldades em desempenhar tarefas que envolvam as funções executivas, a memória e demandem maior velocidade de processamento de informação2, o que exige medidas preventivas para que os idosos se mantenham saudáveis e independentes, diminuindo custos nos sistemas de saúde.
Atualmente, um percentual crescente da população de idosos precisa de assistência em suas atividades da vida diária e ocupa instituições de longa permanência. Essas instituições conferem aos idosos uma vida com escassos estímulos multissensoriais, motores e cognitivos, usualmente em isolamento social e familiar. Esse estilo de vida institucionalizado parece contribuir para o agravamento do declínio cognitivo senil3 de forma mais intensa do que o observado em idosos vivendo em comunidade.
Entretanto, foi demonstrada a possibilidade de se evitar ou adiar tais deficits com ações preventivas, ou mesmo revertê-los, quando já instalados, por meio de intervenções terapêuticas de estimulação multissensorial, motora e cognitiva4. Essa resposta positiva à estimulação é uma demonstração importante da permanência de plasticidade cerebral nos idosos institucionalizados, coerente com o conceito de reserva cognitiva5.
O interesse público nesse tema converge com o de numerosos investigadores que têm se engajado em projetos voltados para prover evidências de que é possível melhorar o desempenho cognitivo de idosos, retardando o declínio cognitivo senil6. A maioria dos trabalhos voltados para a intervenção em idosos tem oferecido algum tipo de estimulação ou a combinação de vários durante algum tempo e, ao final do processo, comparam desempenhos em testes neuropsicológicos realizados antes e depois, medindo o grau de progresso cognitivo.
A pergunta relevante que permanece por ser respondida está relacionada à escolha de técnicas de intervenção terapêutica ou preventivas capazes de diminuir a progressão do declínio cognitivo senil, já que poucos estudos se dedicaram a medir por quanto tempo os idosos são capazes de manter os benefícios da estimulação cognitiva, uma vez cessadas as intervenções6.
No presente trabalho, realizou-se o acompanhamento do progresso cognitivo durante 12 meses, com o intuito de estimar e comparar a duração dos efeitos benéficos em idosos institucionalizados e não institucionalizados que haviam realizado programa de estimulação multissensorial e cognitiva4. Foram empregados, de modo sistemático, testes automatizados de avaliação cognitiva, sensíveis e específicos, dando-se ênfase aos testes que medem desempenho em funções executivas, memória, atenção e velocidade de processamento de informação, mais precocemente afetadas pelo envelhecimento7.
MATERIAIS E MÉTODOS
PARTICIPANTES DO ESTUDO
Investigou-se a influência de estilos de vida contrastantes sobre o declínio cognitivo, ao longo de 12 meses após o final do Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva, descrito anteriormente4, em grupos de idosos institucionalizados (GI) e não institucionalizados (GNI) participantes do estudo mencionado. Resumidamente, o programa foi desenvolvido com foco em atividades voltadas para a prevenção de alterações relacionadas à memória e à linguagem e organizado sob a forma de oficinas terapêuticas, realizadas em grupos de até 10 voluntários. Foram realizadas 48 sessões terapêuticas, duas vezes por semana, por um período de seis meses. Empregaram-se estímulos verbais e não-verbais, atividades lúdicas, estímulos visuais, olfativos, auditivos, musicais, canto e dança, para trabalhar linguagem e memória, dando-se enfoque nas habilidades cognitivas com base no ato discursivo, na interação dos sujeitos, na funcionalidade e na multissensorialidade.
Todos os idosos apresentaram idade igual ou superior a 65 anos, sem histórico de traumatismo crânio-encefálico, acidente vascular encefálico ou depressão primária; apresentaram acuidade visual 20/30 ou superior (teste de Snellen), desempenho no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) compatível com a normalidade para a escolaridade individual8.
AVALIAÇÕES COGNITIVAS
Todos os idosos realizaram avaliações bimestrais das funções cognitivas, rastreio sistemático por eventos adversos de saúde e mudanças em atividades de vida diária e profissional, hábitos de vida e uso de medicamentos que pudessem interferir no desempenho cognitivo do idoso. As reavaliações foram realizadas dois, quatro, seis, oito e 12 meses após a finalização do Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva. As avaliações foram realizadas por pesquisadores treinados em ambiente reunindo condições adequadas de luminosidade e ruído.
A avaliação cognitiva foi composta pelo MEEM e por testes selecionados da Bateria Cambridge de Testes Neuropsicológicos Automatizados (Cambridge Neuropsychological Test Automated Battery - CANTAB). A CANTAB é um conjunto de testes objetivos e não invasivos, que possuem apreciável nível de sensibilidade e especificidade. Os testes automatizados selecionados foram: Triagem Motora (Motor Screening - MOT); Processamento Rápido de Informação Visual (Rapid Visual Information Processing - RVP); Tempo de Reação (Reaction Time - RTI); Aprendizagem Pareada (Paired Associates Learning - PAL); Memória de Trabalho Espacial (Spatial Working Memory - SWM); e Pareamento com Atraso (Delayed Matching to Sample - DMS).
A metodologia de avaliação pela bateria foi descrita anteriormente9 e detalhes podem ser encontrados em http://www.cambridgecognition.com/clinicaltrials/cantabsolutions/tests.
ANÁLISES ESTATÍSTICAS
A análise de variância (ANOVA) de dois critérios para medidas repetidas foi utilizada para investigar as possíveis influências e interações entre o ambiente (institucionalização e vida em comunidade) e o desempenho cognitivo em cinco janelas temporais (dois, quatro, seis, oito e 12 meses) após o final do Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva. A análise pós-teste foi realizada por meio do teste Bonferroni. Também foi realizada a comparação paramétrica (teste T bicaudal) para medir possíveis diferenças intra e intergrupos, e calculada a taxa de declínio cognitivo. O nível de significância para os testes estatísticos foi estabelecido em valores de p < 0,05.
A análise da probabilidade condicional foi realizada a partir dos resultados da curva ROC (Receiver Operating Characteristic) para estimar os valores de especificidade, sensibilidade e eficiência dos testes selecionados, utilizando-se o programa BioEstat.
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário João de Barros Barreto da Universidade Federal do Pará (Protocolo nº 3155/09) e todos os procedimentos éticos foram adotados. Todos os voluntários e instituições foram esclarecidos a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa e coleta dos dados, prestando consentimento através da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à coleta dos dados.
RESULTADOS
Dezessete idosos foram acompanhados ao longo de 12 meses. O GI foi composto por nove idosos (80,9 ± 8,4 anos de idade), predominantemente mulheres, com tempo médio de institucionalização de 7,2 anos (± 0,8 anos). O GNI foi formado por oito idosas (74,8 ± 4,2 anos de idade) que viviam em comunidade com seus familiares. Os grupos foram pareados por idade e escolaridade.
As avaliações cognitivas sequenciais, realizadas aos dois, quatro, seis, oito e 12 meses, após o Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva, apontaram, na avaliação cognitiva global, realizada por meio do MEEM, diminuição na pontuação média (Figura 1) em ambos os grupos; entretanto, somente no GNI esse decréscimo foi estatisticamente significativo no oitavo mês após a intervenção, continuando a declinar na avaliação subsequente. A ANOVA de dois critérios avaliou o efeito da institucionalização e do tempo decorrido entre o término das oficinas e as diferentes janelas de acompanhamento longitudinal, após a intervenção, sobre as pontuações obtidas no MEEM. Esse ensaio revelou que a institucionalização (F1,198 = 39,4; p < 0,0001) e o tempo decorrido entre o término das oficinas e as janelas de avaliação (F5,198 = 5,59; p < 0,0001) influenciaram a pontuação total do MEEM. Não foram detectadas interações entre as variáveis.
Os GI e GNI apresentaram diferenças estatísticas em seu desempenho em dois testes da CANTAB: PAL e DMS. Os GI e GNI apresentaram piora de desempenho na medida total de erros ajustados† do PAL (PAL-TEA) aos 12 meses após o Programa. O GNI apresentou redução de desempenho nos testes da média de tentativas para o sucesso‡ (PAL-MTS) e do reconhecimento correto da localização de padrões na primeira tentativa§ (PAL-FTMS) na última janela temporal. Ocorreu diminuição do desempenho do GI na avaliação do total de tentativas corretas no DMS, oito meses após o fim do Programa (Figura 1).
A ANOVA de dois critérios avaliou o efeito da institucionalização e das diferentes janelas de acompanhamento longitudinal após a intervenção, revelando que a institucionalização interfere nos desempenhos de RVP latência (F1,75 = 18,95; p < 0,0001), PAL-TEA (F1,75 = 9,37; p = 0,0031) e SWM total de erros (SWM-TE) (F1,75 = 20,91; p < 0,0001). As diferentes janelas temporais de avaliação influenciaram o desempenho nos testes PAL-TEA (F4,75 = 8,08; p < 0,0001), PAL-MTS (F4,75 = 2,46; p = 0,0528), PAL-FTMS (F4,75 = 6,20; p = 0,0002), SWM estratégia (F4,75 = 3,07; p = 0,0214), DMS total correto (F4,75 = 5,94; p = 0,0003) e DMS probabilidade de erro (F4,75 = 4,43; p = 0,0029). Não houve interação entre as variáveis.
EFICIÊNCIA DOS TESTES A PARTIR DOS RESULTADOS DA CURVA ROC
A eficiência de cada teste foi calculada a partir dos resultados da análise de probabilidade condicional (curva ROC) para cada teste da CANTAB. A medida da eficiência (E) foi estimada pela equação envolvendo especificidade (ES) e sensibilidade (SE):
Apresentaram eficiência acima de 70%, na distinção entre os grupos, os testes: latência média do RVP, com diferenças estatísticas significativas a partir de quatro meses, estendendo-se aos períodos seguintes de seis, oito e 12 meses; PAL-TEA e estratégia de execução SWM nos períodos de dois, quatro, seis e oito meses; tempo de movimento simples do RTI, com resultados significativos expressos nos períodos de quatro, seis e oito meses; tempo de reação simples do RTI, com resultados significativos expressos nos períodos de dois, quatro e seis meses.
TAXA DE DECLÍNIO COGNITIVO
A taxa de declínio cognitivo (TDC) foi avaliada nos testes MEEM e PAL-TEA que, de acordo com os dados da ANOVA de dois critérios, foram igualmente afetados pela institucionalização/não-institucionalização e pelo tempo decorrido após o término das oficinas (Figura 2).
Os resultados dessa análise apontaram que a TDC do desempenho no MEEM foi maior para o GI em comparação ao GNI em todas as janelas temporais analisadas (2-4 meses - GI: 12,75%, GNI: 0,43%; 2-6 meses - GI: 20,20%, GNI: 16,03%; 2-8 meses - GI: 26,48%, GNI: 17,80%; 2-12 meses - GI: 30,66%, GNI: 20,16%). A análise de variância intragrupos para os dados ao longo das diferentes janelas temporais apontou que o GNI apresentou diferenças significativas quanto à TDC (2-4 meses X 2-6 meses: p < 0,01; 2-4 meses X 2-8 meses: p < 0,01; 2-4 meses X 2-12 meses: p < 0,01). O GI não apresentou alteração significativa no desempenho para essa análise.
A TDC do desempenho, no DMS (TEA), foi maior para o GI em comparação ao GNI nas janelas temporais de 2-4 meses (GI: 20,44%, GNI: 7,00%) e 2-6 meses (GI: 21,00%, GNI: 20,93%), mas não para 2-8 meses (GI: 34,25%, GNI: 37,79%) e 2-12 meses (GI: 37,80%, GNI: 50,35%). A análise de variância intragrupos, ao longo das diferentes janelas temporais, apontou que o GNI apresentou diferença significativa na comparação entre as TDC na comparação entre 2-4 meses e 2-12 meses (p < 0,05). O GI não apresentou diferenças significativas para essa análise.
DISCUSSÃO
Investigou-se, durante 12 meses, a duração dos efeitos benéficos de uma série de 48 oficinas de estimulação multissensorial e cognitiva em grupos de idosos vivendo em comunidade com suas famílias ou em instituições de longa permanência. Para tanto, foram empregados testes cognitivos automatizados de avaliação da memória visuoespacial, que diminuem a interferência do examinador, assim como o MEEM, após o término do programa de estimulação. Os resultados demonstraram que, uma vez cessado esse programa, observa-se, em ambos os grupos, declínio progressivo da função cognitiva ao final do programa de intervenção, com perdas mais precoces e mais intensas nos idosos institucionalizados do que naqueles vivendo em comunidade com suas famílias.
Um conjunto de evidências, originadas em estudos epidemiológicos, de ciência básica, de intervenção em populações humanas e de testes de hipóteses em populações controladas, tem dado suporte a um esforço importante, no tempo presente, para distinguir melhor os limites entre o envelhecimento saudável e o patológico10. Desse esforço, existem evidências de que, mesmo na ausência de condições patológicas, alguns indivíduos idosos apresentam comprometimento cognitivo quando comparados a adultos jovens ou de meia idade; enquanto que outros preservam suas habilidades cognitivas9, evidenciando que o envelhecimento afeta o desempenho nos testes de linguagem e de memória visuoespacial de forma heterogênea, respaldando os achados do presente trabalho.
Neste estudo, entretanto, o resultado obtido, a partir da reaplicação dos mesmos testes em diferentes janelas temporais, poderia incluir um efeito contaminante decorrente do aprendizado, e, se isso acontecesse, seria esperado melhor desempenho dos indivíduos a cada nova avaliação. Entretanto, as perdas progressivas e o aumento da taxa de declínio apontam em outra direção, sugerindo que esse efeito de aprendizado, se presente no conjunto de dados, não é suficiente para conter o declínio cognitivo senil que ocorreu em maior proporção nos indivíduos institucionalizados.
O envelhecimento está associado à perda funcional progressiva em múltiplos sistemas, incluindo todos os sistemas sensoriais, sistemas de alta hierarquia, como o aprendizado, memória, linguagem, atenção, controle motor e emocional. Por outro lado, há um conjunto de evidências, cada vez maior, que demonstra que, a despeito do declínio cognitivo associado à idade, o cérebro envelhecido preserva plasticidade, sendo possível desacelerar sua taxa de declínio a partir de programas de estimulação6,11.
O aumento ou aprimoramento das conexões neurais dependentes de estimulação pode representar um mecanismo relevante para explicar como o enriquecimento do ambiente, com estímulos multimodais, pode deixar o cérebro mais resistente em casos de distúrbios, injúria ou degeneração. Esse possível mecanismo prediz que o substrato neural, indispensável aos processos cognitivos, pode ser aperfeiçoado, e esse aperfeiçoamento se traduz em desempenhos melhores, advindos da inserção do idoso em ambientes que aumentam a estimulação sensorial, motora e cognitiva12.
Entretanto, para direcionar a plasticidade cerebral para desaceleração do declínio senil, é necessário engajar os idosos em programas que promovam estimulação sensório-motora e cognitiva. Isso envolve a estimulação de sistemas neuromoduladores que controlam o aprendizado, para preservar a transmissão dos sinais e códigos de processamento, garantindo eficiência ao controle cortical relacionado13,14. Tais estudos têm mostrado eficiência tanto em idosos institucionalizados quanto naqueles que vivem com suas famílias4.
No presente trabalho, identificou-se que idosos institucionalizados e não institucionalizados, perderam, progressivamente e em proporções distintas, os benefícios obtidos pelo Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva. Esse achado foi refletido na análise estatística (ANOVA de dois critérios) em que foi detectado que, tanto o estilo de vida do GI e do GNI quanto o período de tempo (2-12 meses) decorrido entre o término do programa de estimulação e a avaliação, influenciaram o desempenho no MEEM e no PAL-TEA da CANTAB.
Destaca-se que algumas funções cognitivas foram afetadas de forma mais contundente no GI do que no GNI. Nos testes da CANTAB, somente o total de erros ajustados (PAL-TEA) teve sua pontuação igualmente influenciada pelo estilo de vida e pelo tempo decorrido após o término do programa de estimulação, sendo as perdas instaladas mais tarde em relação ao término das oficinas de estimulação. O total de acertos na primeira tentativa (PAL-FTMS) teve sua pontuação afetada pelo tempo após a intervenção, mas não pelo estilo de vida. Diferente do PAL, as perdas nas funções de memória de trabalho espacial e processamento visual rápido foram afetadas pelo estilo de vida, mas não pelo tempo decorrido após as oficinas.
Esses resultados parecem sugerir que alguns aspectos da memória espacial são afetados pelo envelhecimento de forma independente do estilo de vida, e que o aprendizado decorrente de sucessivas aplicações do teste pode contribuir para preservá-los. Outros aspectos, entretanto, parecem ser afetados igualmente pelo estilo de vida e pelo envelhecimento, e, nesse caso, as perdas que se estabelecem são mais vigorosas.
Finalmente, a avaliação do estado cognitivo global medido com o MEEM revelou influência sistemática nas pontuações obtidas, tanto do estilo de vida quanto do tempo decorrido após o término do programa de estimulação. Assim, observou-se um agravamento maior e mais precoce do declínio cognitivo global nos idosos GI do que nos GNI.
Esses achados convergem com os de uma série de trabalhos compilados, na última década, em revisões recentes, escritas com o intuito de buscar possíveis efeitos sistemáticos revelados por programas de intervenções cognitivas em idosos saudáveis ou com declínio cognitivo leve15,16,17,18,19. Dessas revisões, tornou-se evidente que programas de intervenção aplicados a idosos saudáveis, desenhados de diferentes maneiras e aplicados por tempos variáveis, resultam em melhora sistemática do desempenho em testes de memória, velocidade de processamento, funções executivas, atenção e inteligência fluida após a intervenção. Em geral, esses trabalhos indicaram que a natureza dos benefícios obtidos guarda relação direta com a natureza do treinamento implantado, e que não há evidências de que os efeitos benéficos possam ser transferidos para outras funções cognitivas não relacionadas ao treinamento ou que isso possa melhorar o desempenho cognitivo global20.
A comparação da taxa de declínio cognitivo nos GI e GNI, nos dois testes cujas pontuações foram afetadas tanto pelo estilo de vida quanto pelo tempo decorrido após o término das oficinas de estimulação, incluindo MEEM e PAL-TEA, confirma esses achados, revelando perdas mais precoces e de maior magnitude no GI do que no GNI.
A neuroproteção alcançada no Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva parece durar menos nos idosos vivendo em instituições de longa permanência do que nos idosos vivendo em comunidade com suas famílias, sugerindo que o ambiente pobre em estímulos sensoriais, motores e cognitivos, assim como o estilo de vida sedentário e o isolamento dos idosos em instituições de longa permanência aceleram o declínio cognitivo senil.
A EFICIÊNCIA DOS TESTES NEUROPSICOLÓGICOS NA DETECÇÃO DO DECLÍNIO COGNITIVO SENIL
Os testes da CANTAB, quando comparados ao MEEM, revelaram maior eficiência na distinção entre GI e GNI na maioria das janelas temporais. As análises das curvas ROC, realizadas a partir das pontuações em cada teste, em cada janela temporal, nos GI e GNI, revelaram eficiência acima de 70% para distingui-los nos seguintes testes e janelas: MEEM (quatro meses em diante), RVP latência (quatro meses em diante), PAL-TEA (dois meses em diante); SWM-TE e SWM-STR (dois meses em diante).
Os resultados obtidos nos testes da CANTAB são coerentes com os encontrados anteriormente por Rabbit e Lowe21, empregando a mesma bateria; sendo que o desempenho nos testes SWM e PAL demonstrou que as funções do lobo pré-frontal e temporal foram comprometidos por efeito do envelhecimento.
Nessa direção, já foi feito progresso importante ao se empregar o PAL na distinção de pacientes com declínio cognitivo leve e que vão evoluir para a doença de Alzheimer e aqueles que apresentam o declínio cognitivo relacionado ao envelhecimento, mas que não evoluirão para demência22,23. Nesse teste, exige-se do participante aprendizado associativo envolvendo o reconhecimento do objeto e sua localização espacial em uma forma de apresentação em que o número de objetos, com diferentes localizações espaciais, cresce em cada nova tentativa à medida que o paciente é bem-sucedido. Isso exige do paciente habilidade para realizar pareamentos com atrasos crescentes, na proporção direta do número de objetos em cada estágio. Esse teste provê medidas de memória episódica e aprendizado associativo, sendo particularmente sensível a mudanças precoces nessas funções durante o envelhecimento21,24.
Deve-se reconhecer, entretanto, no presente trabalho, a limitação amostral imposta pelo tamanho pequeno das amostras analisadas, reduzindo a capacidade de investigar a natureza das possíveis correlações, e o impedimento em estabelecer generalizações para a população como um todo. Por essa razão, foi indicada, no título do trabalho, a natureza exploratória deste ensaio.
Por outro lado, é importante ressaltar que a utilização de bateria de testes neuropsicológicos, baseada em tecnologia de tela sensível ao toque com testes automatizados, remove consideravelmente a interferência do avaliador, sempre presente nos testes neuropsicológicos clássicos que usam caneta e papel. Além disso, por incluir em seus testes formas sem significado, essa bateria parece eliminar os efeitos de evocação de memória semântica, associados aos estímulos com figuras que contêm significados específicos, e que são largamente utilizados para medida do declínio cognitivo em numerosas alterações associadas ao envelhecimento, incluindo o declínio cognitivo senil25. Esses testes de evocação de memória semântica obrigam o participante a reconhecer, categorizar ou nomear o estímulo empregado26. Essa limitação, de certa forma, é contornada quando se trata de medir aprendizado e memória visuoespacial empregando a CANTAB.
CONCLUSÃO
Sugere-se que o estilo de vida com menor riqueza de estímulos e o isolamento dos idosos, vivendo em instituições de longa permanência, contribuíram para a progressão mais rápida do declínio cognitivo senil nesse grupo em comparação aos idosos vivendo em comunidade, diminuindo a duração dos benefícios de proteção cognitiva, alcançados após 12 meses da realização do Programa de Estimulação Multissensorial e Cognitiva. Com base em evidências de que algumas das perdas cognitivas associadas ao envelhecimento são progressivas, e que as perdas se aceleram, uma vez interrompidas as oficinas de estimulação, recomenda-se a adoção de programas permanentes de estimulação multissensorial e cognitiva como uma política pública para os idosos em geral, sobretudo para aqueles que vivem em instituições de longa permanência, onde os deficits cognitivos foram mais intensos e precoces.