INTRODUÇÃO
O número de casos de suicídio vem aumentando lentamente, especialmente entre os jovens, transformando-se em um cenário social problemático em razão dos trágicos efeitos acarretados, tanto para quem o comete quanto para o contexto familiar e de pessoas próximas envolvidas em cada caso1. Existem outras modalidades de práticas suicidas, como as que acontecem em grupos2, muitas vezes entremeadas em contextos de seitas religiosas, e as realizadas por duas pessoas influenciadas por um laço afetivo pré-existente na maioria dos casos1.
O suicídio tornou-se um problema sério de saúde pública no mundo, caracterizado pelo ato voluntário para a retirada da vida, sendo contributivos os fatores psicológicos, biológicos e sociais. Estudos mostram que, quando ideias de suicídio são consideradas, essas evoluem em relação ao risco de consumação do suicídio, crescendo do desejo à ameaça, à posterior tentativa e, finalmente, ao ato consumado3. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 800.000 pessoas morrem a cada ano por suicídio3.
O suicídio é a segunda causa principal de morte entre as pessoas de 15 a 29 anos de idade3. Segundo o mapa da violência de Waiselfisz4, versão de 2014, o número de casos de lesões autoprovocadas aumentou no Brasil de forma alarmante. As estatísticas mostram o crescimento do número de casos nas décadas de 1980, 1990 e em 2012, com taxas de 2,7%, 18,8% e 33,3%, respectivamente. No intervalo entre 2002 e 2012, observou-se um total de suicídios no Brasil que passou de 7.726 para 10.321, o que evidenciou um aumento de 33,6% nesse período. Em comparação ao crescimento populacional do País, nesse mesmo intervalo, o aumento do número de suicídios foi maior, de 11,1%, superando em larga escala os homicídios e a mortalidade nos acidentes de transporte que obtiveram taxas de crescimento de 2,1% e 24,5%, respectivamente4.
O Brasil é o quarto País em crescimento de casos de suicídio na América Latina3. Destaca-se, de forma preocupante, a Região Norte, onde os suicídios tiveram um aumento considerável: de 390 para 693, aumento esse de 77,7% entre 1980 a 2012, sendo que os Estados do Amazonas, Roraima, Acre e Tocantins duplicaram seus números.
É necessário considerar os fatores epidemiológicos associados às tentativas de suicídio para a construção de estratégias terapêuticas e preventivas eficazes e adequadas à realidade da Região Norte, uma vez que percebem-se inadequadas estatísticas sobre esse comportamento, no qual os padrões de crescimento das taxas de suicídio por faixa etária diferem da média nacional e não levam em consideração as particularidades de cada região.
Torna-se difícil, portanto, o levantamento epidemiológico fidedigno do número de casos e a periodicidade desejada, que possam detectar a evolução das taxas de tentativas de suicídio nas mais diversas comunidades, faixas etárias e gêneros5. Desse modo, este artigo se propôs a investigar, por meio de um levantamento de dados, fatores epidemiológicos associados ao suicídio em uma população específica.
MATERIAIS E MÉTODOS
Esta é uma pesquisa de natureza documental descritiva. Os dados foram obtidos do Departamento de Informação em Saúde do Sistema Único de Saúde (DATASUS), item Estatísticas Vitais, do qual se fez a análise de dados na opção Mortalidade Geral, no Estado do Pará, no período de 2010 a 2013. As informações avaliadas foram: incidência por município, faixa etária, gênero, etnia, estado civil, local de ocorrência e principal método utilizado para o ato.
Dessa forma, foram analisados os óbitos por residência nas faixas etárias de 5 a 19 anos. Para a análise, foi utilizada a Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) disponível no site do DATASUS6, incluindo as categorias de X60 a X84 (lesões autoprovocadas intencionalmente), descritas da seguinte forma:
X60: autointoxicação por e exposição, intencional, a analgésicos, antipiréticos e antirreumáticos, não opiáceos;
X61: autointoxicação por e exposição, intencional, a drogas anticonvulsivantes (antiepilépticos) sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos e psicotrópicos não classificados em outra parte;
X62: autointoxicação por e exposição, intencional, a narcóticos e psicodislépticos (alucinógenos) não classificados em outra parte;
X63: autointoxicação por e exposição, intencional, a outras substâncias farmacológicas de ação sobre o sistema nervoso autônomo;
X64: autointoxicação por e exposição, intencional, a outras drogas, medicamentos e substâncias biológicas e às não especificadas;
X65: autointoxicação voluntária por álcool;
X66: autointoxicação intencional por solventes orgânicos, hidrocarbonetos halogenados e seus vapores;
X67: autointoxicação intencional por outros gases e vapores;
X68: autointoxicação por exposição, intencional, a pesticidas;
X69: autointoxicação por exposição, intencional, a outros produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas;
X70: lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento e sufocação;
X71: lesão autoprovocada intencionalmente por afogamento e submersão;
X72: lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de arma de fogo de mão;
X73: lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de espingarda, carabina ou arma de fogo de maior calibre;
X74: lesão autoprovocada intencionalmente por disparo de outra arma de fogo e de arma de fogo não especificada;
X75: lesão autoprovocada intencionalmente por dispositivos explosivos;
X76: lesão autoprovocada intencionalmente pela fumaça, pelo fogo e por chamas;
X77: lesão autoprovocada intencionalmente por vapor de água, gases ou objetos quentes;
X78: lesão autoprovocada intencionalmente por objeto cortante ou penetrante;
X79: lesão autoprovocada intencionalmente por objeto contundente;
X80: lesão autoprovocada intencionalmente por precipitação de um lugar elevado;
X81: lesão autoprovocada intencionalmente por precipitação ou permanência diante de um objeto em movimento;
X82: lesão autoprovocada intencionalmente por impacto de um veículo a motor;
X83: lesão autoprovocada intencionalmente por outros meios especificados;
X84: lesão autoprovocada intencionalmente por meios não especificados.
Foi utilizado o programa Microsoft Excel 2010 para a organização dos dados, sendo tabulados para o cálculo de porcentagens das variáveis analisadas e para o cálculo de coeficiente de mortalidade. O coeficiente médio de mortalidade foi calculado com base na população residente estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no período de 2010 a 2013.
RESULTADOS
Considerando a distribuição dos suicídios nos Estados da Região Norte (Tabela 1), o Estado do Pará é o segundo mais incidente de suicídios em crianças e adolescentes, ficando atrás apenas do Estado do Amazonas. No período analisado, o Pará contabilizou 135 suicídios na faixa etária de 5 a 19 anos, sendo o Município de Belém o mais incidente, com 12,5%. O Estado apresentou um coeficiente médio de mortalidade por suicídio igual a 3/1.000.000 habitantes e um crescimento de 31,6% do ano de 2010 para 2013.
Unidade da Federação | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | Total |
---|---|---|---|---|---|
Rondônia | 11 | 10 | 4 | 7 | 32 |
Acre | 7 | 2 | 4 | 6 | 19 |
Amazonas | 41 | 40 | 47 | 63 | 191 |
Roraima | 8 | 8 | 6 | 4 | 26 |
Pará | 26 | 33 | 38 | 38 | 135 |
Amapá | 7 | 8 | 1 | 10 | 26 |
Tocantins | 9 | 9 | 7 | 8 | 33 |
Fonte: DATASUS, 2013.
A maioria dos suicídios (77,8%) ocorreu em adolescentes de 15 a 19 anos de idade, 20,74% ocorreram na faixa etária de 10 a 14 anos e 1,5% em crianças abaixo de 10 anos (Tabela 2). O gênero predominante foi o masculino, que correspondeu a 69,2% do total de suicídios no período analisado; porém, no período estudado, houve um crescimento de 160% dos casos no gênero feminino em relação ao primeiro e último ano. A razão entre os coeficientes padronizados por gênero indica uma proporção média de 2,3:1 entre homens e mulheres (Tabela 3).
Categoria CID-10 | Faixa etária (anos) | |||
---|---|---|---|---|
5 a 9 | 10 a 14 | 15 a 19 | Total | |
X60 | - | - | - | - |
X61 | - | - | - | - |
X62 | - | - | - | - |
X63 | - | - | - | - |
X64 | - | - | 02 | 02 |
X65 | - | - | 01 | 01 |
X66 | - | - | - | - |
X68 | - | 04 | 12 | 16 |
X69 | - | - | 01 | 01 |
X70 | - | 23 | 65 | 88 |
X71 | - | - | - | - |
X72 | 2 | 1 | 10 | 13 |
X73 | - | - | 02 | 02 |
X74 | - | - | 03 | 03 |
X75 | - | - | - | - |
X76 | - | - | 01 | 01 |
X77 | - | - | - | - |
X78 | - | - | 05 | 05 |
X79 | - | - | 01 | 01 |
X80 | - | - | - | - |
X81 | - | - | - | - |
X82 | - | - | - | - |
X83 | - | - | - | - |
X84 | - | - | 02 | 02 |
Fonte: DATASUS, 2013.
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero não resultante de arredondamento.
Ano | Gênero | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Masculino | Feminino | |||||
Óbitos | Coef.* | Óbitos | Coef.* | Óbitos | Coef.* | |
2010 | 21 | 5 | 05 | 1 | 26 | 3 |
2011 | 18 | 5 | 15 | 4 | 33 | 4 |
2012 | 30 | 8 | 08 | 2 | 38 | 5 |
2013 | 25 | 6 | 13 | 3 | 38 | 5 |
Fonte: DATASUS, 2013.
* Coeficiente/1.000.000 de habitantes.
Os locais de ocorrência mais comuns foram: domicílio, registrando 58,1%; hospital, com 18,5%; e via pública, com 8,9%. O principal método para a execução do suicídio foi lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento e sufocamento, contabilizando 65,2%, seguido de autointoxicação intencional por pesticidas, com 11,9%, e lesão autoprovocada intencionalmente por arma de fogo de mão, com 9,6%.
DISCUSSÃO
Considerando as ocorrências de suicídios por 100.000 habitantes, o Brasil encontra-se na 113ª posição, de acordo com o ranking elaborado pela OMS, e as taxas vêm crescendo de tal forma que o País se encontra como o quarto em crescimento na América Latina. Em relação aos suicídios de jovens, o Brasil registrou um aumento de 15,3%. Entre os anos de 2002 a 2012, a Região Norte registrou um aumento de 77,7% de suicídios. Alguns Estados da Região Norte destacaram-se por duplicarem o número de casos de suicídios, como os Estados do Acre, Amazonas e Tocantins4.
Os resultados mostraram que o Pará apresentou um crescimento dos casos de suicídios em jovens de 46,15%, três vezes maior que o aumento nacional. O gênero mais predominante no Estado foi o masculino, semelhante a outros estudos epidemiológicos de suicídio no Brasil7,8,9. Porém, o aumento de 160% nos casos de suicídios no público feminino demonstrou que o Pará está passando por uma feminização do suicídio. A faixa etária mais comum foi a de 15 a 19 anos, condizente com os dados da literatura que indicam uma incidência maior em grupos acima de 15 anos de idade9,10,11.
No Estado, a taxa de suicídio em relação à raça/cor predomina nos pardos, com 85,2% dos casos. Esse grupo predominou também em um estudo feito no interior do Estado da Bahia, no qual 41,66% dos suicidas eram pardos9. Esses dados têm influência na característica populacional desses Estados, onde a maioria é autodeclarada pardos e negros. Considerando o perfil nacional, em uma revisão de literatura realizada de 2000 a 2012, a maioria dos suicídios foi em indígenas, com a taxa de mortalidade de 14,4/100.000; porém, o suicídio em indivíduos pardos apresentou um crescimento de 68,7% no mesmo período12. Observou-se ainda que, tanto para homens quanto para mulheres, os óbitos predominaram nas pessoas solteiras (88,9%), assim como em outros estudos com índices de 54,9%13,14.
Não foram encontrados dados no DATASUS6 a respeito das condições socioeconômicas que mais favorecem a ideação suicida, entretanto sabe-se da sua influência no número de casos de suicídio. Segundo o relatório de 2011 do Fundo das Nações Unidas para a Infância, são conhecidos os fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais, encontrando-se no ambiente familiar, escolar e na comunidade, os abusos físicos, sexuais e morais sofridos na infância onde qualquer pessoa pode estar envolvida. Corrobora também, o baixo poder socioeconômico, a exclusão social e o baixo grau de instrução dos atores envolvidos, transtornos psiquiátricos de prévio diagnóstico (bulimia, depressão e transtornos de ansiedade) e consumo de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas. Assim, comportamentos que rompam o equilíbrio físico e psíquico podem ser somados aos fatores de risco15. No Pará, entre os anos de 2010 e 2013, o principal método para a execução do suicídio foi a lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento, estrangulamento e sufocamento, contabilizando 65,2%, concordando com o estudo realizado por Menezes e Palosqui14, que relataram os principais meios usados para cometer suicídio no Estado de Santa Catarina. No estudo, os métodos mais utilizados para os suicídios, em ambos os gêneros, foram, como categoria principal, enforcamento, estrangulamento e sufocação, com 73,09%. Os homens usaram, como segunda e terceira principal forma para o suicídio, a arma de fogo e a intoxicação por medicamentos/drogas, respectivamente. Já as mulheres utilizaram o uso abusivo de medicamentos/drogas e arma de fogo como os outros meios para o suicídio.
No Pará, também foram usados, como demais métodos, a autointoxicação intencional por pesticidas (11,9%) e lesão autoprovocada intencionalmente por arma de fogo de mão (9,6%). Verificou-se que o local de ocorrência mais comum foi o domicílio, registrando 58,1%, assim como em outro estudo que registrou 83,33%13,14. No Estado, houve um crescimento de suicídio de 31,6% de 2010 para 2013, dado condizente com um levantamento feito pela Associação Brasileira de Psiquiatria em 201416. Segundo a Associação, o aumento de suicídios em jovens está ocorrendo mundialmente, sendo que, no Brasil, nessa faixa etária, considera-se a terceira principal causa de óbito. As motivações para o comportamento suicida incluem um humor deprimido, problemas emocionais, abuso de substâncias psicoativas, histórico familiar para transtornos mentais, maneiras deliberadas de abusos físicos e sexuais, rejeição e negligência familiar16,17,18.
Não se pode deixar de observar as subnotificações e ausência de notificações em certos casos de suicídio, como óbitos por afogamento nas diversas regiões do Pará, que podem estar sob um cenário de suicídio, não havendo busca ativa por esse achado.
Eventos prejudiciais na infância e na adolescência, como maus tratos, divórcio dos pais, histórico pregresso de transtornos psiquiátricos, podem contribuir para o aumento do risco de suicídio. Assim, pais e professores devem ficar atentos a comportamentos incomuns dos jovens para identificar esses eventos adversos. O suicídio de figuras conhecidas, como celebridades, figuras políticas ou de pessoas próximas ao adolescente, apresentam-se como elementos adicionais para esse risco16.
Estima-se que, em todo o mundo, cerca de 20% dos adolescentes tenham problemas de saúde mental ou de comportamento. No grupo de indivíduos entre a faixa etária de 15 a 19 anos, a depressão é o transtorno de humor que mais contribui isoladamente para desencadear doenças nesses jovens; e o suicídio está entre as três causas mais prevalentes de óbitos em adolescentes a partir de 15 anos de idade e adultos jovens14.
No contexto mundial, avalia-se que, por ano, a quantidade de adolescentes que realizam o suicídio chega a 71.000 casos. Os transtornos psiquiátricos que começam antes dos 14 anos de idade abrangem a metade dos casos totais. O número de casos existentes de transtornos mentais em adolescentes vem apresentando um aumento nas três últimas décadas. O desestruturamento familiar, os altos índices de desemprego entre os jovens e a falta de aspirações, tanto educacionais quanto profissionais, por parte da família para as crianças e adolescentes, são considerados os fatores que contribuíram para o aumento de transtornos mentais13,14.
CONCLUSÃO
O suicídio ainda é um dos grandes problemas da atualidade brasileira. Os dados expostos evidenciaram que, no Estado do Pará, o suicídio está cada vez mais presente na vida dos adultos jovens. Os principais métodos de suicídio apresentados na pesquisa são extremamente letais e irreversíveis, levando, em questão de segundos, à morte. Deve-se considerar o gênero predominante, o masculino, e as razões pelas quais esses adolescentes têm tirado a própria vida.
Um estudo futuro, para apontar as causas do aumento da incidência dos suicídios em crianças e adolescentes, é fundamental. Para prevenir o suicídio, deve-se trabalhar com ações de promoção da saúde com os grupos de risco, por meio de ações que considerem os aspectos patológicos e ambientais do suicídio. É imprescindível, para prevenir o comportamento suicida, o conhecimento aprofundado dos fatores de risco por parte dos profissionais de saúde, da família e da comunidade onde o indivíduo está inserido.