INTRODUÇÃO
A infecção urogenital por Chlamydia trachomatis é a infecção sexualmente transmissível (IST) mais prevalente no mundo; é caracterizada por ser assintomática em até 80% dos casos em jovens sexualmente ativas, estando associada a patologias severas na saúde reprodutiva da mulher, como a doença inflamatória pélvica, a cervicite e a infertilidade. As complicações dessa infecção relacionadas à gravidez e ao neonato são relatadas frequentemente em algumas regiões no mundo, como o parto prematuro, aborto, gravidez ectópica, doença respiratória no recém-nascido e mortalidade neonatal1,2,3,4.
A infecção urogenital por C. trachomatis atinge anualmente cerca de 92 milhões de pessoas no mundo, com custos anuais de aproximadamente 517 milhões de dólares em despesas médicas nos países desenvolvidos5,6. No Brasil, a prevalência de C. trachomatis em parturientes e grávidas é pouco relatada, pois não há esquema de rastreio disponível no serviço público de saúde. Isso torna subestimada a epidemiologia dessa infecção. Em algumas cidades brasileiras, infecções em parturientes por C. trachomatis apresentam frequências que variam de 9,4% a 13,9%7,8,9,10. O objetivo deste estudo foi verificar a incidência da infecção urogenital por C. trachomatis em parturientes de uma maternidade pública de referência em Belém, Estado do Pará, Brasil, descrevendo os indicadores sociocomportamentais e de reprodução possivelmente associados.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo foi parte do projeto nacional intitulado "Estudo nacional de prevalência e comportamentos de risco para infecção pela Chlamydia trachomatis em parturientes jovens atendidas em maternidades públicas do Brasil", tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, sob o registro de protocolo CEP 112/07.
Foi realizado um estudo piloto de característica analítica observacional, considerando as parturientes atendidas em uma grande maternidade do Estado do Pará, no período de 21 de novembro a 8 de dezembro de 2011. Todas as parturientes que buscaram assistência ao parto na referida maternidade, durante o período da coleta, foram convidadas a participar do estudo e foram incluídas apenas as mulheres que aceitaram participar da pesquisa.
A coleta de dados foi realizada mediante entrevista da parturiente, após a formalização da decisão de participar da pesquisa mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a resposta a um questionário padronizado que abordou as variáveis de idade, escolaridade, profissão, estado civil, renda familiar, número de gestações, abortos, queixa ginecológicas, idade gestacional, pré-natal, primeira relação sexual e número de parceiros na vida. A amostra biológica, de 10 mL a 20 mL do primeiro jato urinário matutino, foi autocoletada pelas parturientes e armazenada em frasco estéril. Foi recomendada higienização prévia da região genital e um período mínimo de 2 h sem micção antes da coleta. As amostras coletadas foram imediatamente armazenadas a -20º C.
A pesquisa molecular da C. trachomatis foi realizada no Laboratório de Biologia Molecular do Núcleo de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). As amostras foram encaminhadas ao laboratório da UFES devidamente armazenadas em caixas térmicas contendo gelo seco e foram processadas em período inferior a 60 dias. Para a detecção qualitativa de C. trachomatis, foi utilizado o sistema semiautomatizado COBAS Amplicor CT/NG (Roche Molecular Systems, Branchburg, NJ, EUA), seguindo as recomendações do fabricante. Foi incluído um controle externo com DNA de C. trachomatis em cada reação, e a reação de coamplificação foi utilizada como controle interno da reação em cadeia da polimerase. A análise estatística foi realizada por meio do programa BioEstat v5.011, e foi utilizado o teste Odds ratio (OR) para a análise das variáveis. O p ≤ 0,05 foi considerado estatisticamente significativo; o intervalo de confiança (IC) foi de 95%.
RESULTADOS
A incidência da infecção urogenital por C. trachomatis foi de 18% (22/122) nas parturientes de uma maternidade pública localizada em Belém do Pará. Do total das participantes deste estudo, 67,2% tinham idade igual ou inferior a 25 anos; 84,4% apresentavam escolaridade inferior a oito anos; 66,4% realizavam trabalho informal; 68% eram casadas; 64,8% possuíam renda familiar igual ou inferior a um salário mínimo; 74,6% tiveram até duas gestações; 80,3% nunca abortaram; 62,3% relataram queixa ginecológica; 54,1% apresentavam idade gestacional maior que 36 semanas; 90,2% não realizaram o pré-natal; 54,1% tiveram a primeira relação sexual com idade menor ou igual a 15 anos; e 68,9% relataram até dois parceiros sexuais na vida (Tabela 1).
Variável | Parturientes investigadas | Parturientes com infecção por C. trachomatis | |||
---|---|---|---|---|---|
N = 122 (%) | N = 22 (%) | p | OR | IC (95%) | |
Idade (anos) | |||||
≤ 25 | 82 (67,2) | 22 (26,8) | 0,014* | 10,2439 | 13,301-78,8943 |
˃ 25 | 40 (32,8) | - | |||
Escolaridade (anos) | |||||
≤ 8 | 103 (84,4) | 19 (18,4) | 0,928 | 1,1683 | 0,3145-4,3400 |
> 8 | 19 (15,6) | 3 (15,7) | |||
Profissão | |||||
Informal/estudante | 81 (66,4) | 16 (19,7) | 0,736 | 1,3498 | 0,4913-3,7085 |
Formal | 41 (33,6) | 6 (14,6) | |||
Estado civil | |||||
Casada/morando junto | 83 (68,0) | 13 (15,6) | 0,566 | 0,6787 | 0,2675-1,7223 |
Solteira | 39 (32,0) | 9 (23,0) | |||
Renda familiar (salário mínimo) | |||||
≤ 1 | 79 (64,8) | 15 (18,2) | 0,946 | 1,1664 | 0,4417-3,0799 |
> 1 | 43 (35,2) | 7 (17,5) | |||
Gestações | |||||
≤ 2 | 91 (74,6) | 17 (18,6) | 1,000 | 1,1582 | 0,3944-3,4012 |
> 2 | 31 (25,4) | 5 (16,1) | |||
Abortos | |||||
Sim | 24 (19,7) | 3 (12,5) | 0,710 | 0,6447 | 0,1763-2,3584 |
Não | 98 (80,3) | 19 (19,3) | |||
Queixas ginecológicas | |||||
Sim | 46 (37,7) | 6 (13,0) | 0,486 | 0,6196 | 0,2263-1,6963 |
Não | 76 (62,3) | 16 (21,0) | |||
Idade gestacional (semanas) | |||||
≤ 36 | 56 (45,9) | 13 (23,2) | 0,3639 | 1,7024 | 0,6774-4,2782 |
˃ 36 | 66 (54,1) | 9 (13,6) | |||
Pré-natal | |||||
Não | 110 (90,2) | 14 (12,7) | 0,0029* | 0,1909 | 0,0666-0,5474 |
Sim | 12 (9,8) | 8 (66,6) | |||
Primeira relação sexual (anos) | |||||
≤ 15 | 66 (54,1) | 16 (24,2) | 0,8301 | 0,8485 | 0,3893-1,8493 |
˃ 15 | 56 (45,9) | 6 (10,7) | |||
Número de parceiros (vida) | |||||
≤ 2 | 84 (68,9) | 15 (17,8) | 0,8514 | 0,9694 | 0,3654-2,5730 |
> 2 | 38 (31,1) | 7 (18,4) |
* p: Valor estatisticamente significativo (≤ 0,05); OR: Odds ratio; IC: Intervalo de confiança; N: Total.
A infecção urogenital por C. trachomatis foi associada às parturientes com idade igual ou inferior a 25 anos [OR: 10,2439 (IC 95%: 13,3-78,8, p = 0,014)] e àquelas que não realizaram o pré-natal [OR: 0,1909 (IC95%: 0,06-0,5, p = 0,0029)] (Tabela 1).
DISCUSSÃO
Foi encontrada uma alta incidência (18%) da infecção urogenital por C. trachomatis em jovens parturientes de uma maternidade de referência de Belém do Pará, o que representa a maior frequência dessa IST em populações de jovens grávidas do Brasil, pois se manteve superior às prevalências identificadas em outras regiões do país, que variaram de 9,4% a 13,9%7,8,9,10. A incidência encontrada também é superior a de outros estudos que investigaram a infecção por C. trachomatis em grávidas de diversas regiões no mundo, mostrando prevalências que variaram de 1,1% a 11,1%3,12,13,14,15.
Neste estudo, foi encontrada a associação significativa da infecção urogenital por C. trachomatis em jovens de idade igual ou inferior a 25 anos, o que é amplamente relatado em várias populações no mundo10,16,17,18. Por ser observada ampla exposição aos fatores de risco para as IST nesse período de vida, alguns países desenvolveram os serviços de rastreio no pré-natal, estabelecidos prioritariamente para as mulheres jovens, de até 25 anos de idade19,20,21,22. Foi significativa a associação da infecção por C. trachomatis com a falta de cuidados no pré-natal; isso pode ser devido a muitas parturientes atendidas nessa maternidade serem autóctones de localidades rurais, distantes dos centros urbanos, onde não são oferecidos serviços públicos adequados aos cuidados do pré-natal.
Essas informações são fundamentais para embasar programas de saúde pública direcionados ao rastreio e controle dessa infecção em jovens mulheres na Região Amazônica, evitando danos obstétricos que podem acometer tanto a mãe quanto o recém-nascido, os quais comprometem 17% da economia dos países em desenvolvimento3,5,6,23.
Todas as amostras positivas para C. trachomatis deste estudo serão submetidas a estudos moleculares adicionais após o consentimento das participantes, o que possibilitará conhecer os genótipos que circulam nessa população. Todas as participantes identificadas com infecção, durante este estudo, foram encaminhadas para o tratamento especializado.
CONCLUSÃO
Este estudo demonstrou a alta incidência de infecção urogenital por C. trachomatis em parturientes de uma grande maternidade na Região Amazônica brasileira. Isso mostra a necessidade da elaboração de políticas de saúde pública voltadas para a prevenção e controle das IST em grávidas da Região.