INTRODUÇÃO
O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica que pode apresentar variadas manifestações clínicas entre os pacientes afetados e é caracterizada por períodos de atividade e remissão da doença1,2,3. O LES pode surgir em indivíduos de qualquer faixa etária, entretanto, ocorre em 90% dos casos em mulheres entre a segunda e a terceira década de vida4.
A etiologia e patogênese do LES ainda não estão completamente esclarecidas, porém vários fatores são associados ao aumento da suscetibilidade à doença. Dentre os principais estão a predisposição genética, a exposição à luz ultravioleta, o uso de medicamentos, os defeitos hormonais e as infecções virais5,6,7,8,9. O diagnóstico da doença pode ser feito pela avaliação da presença de pelo menos quatro de 11 critérios estabelecidos pelo American College of Rheumatology10,11.
Devido à ausência de terapias de cura ou tratamento específico, os pacientes diagnosticados com LES são submetidos a um manejo clínico que objetiva o controle da atividade da doença pela administração de drogas imunossupressoras ou antimetabólitos, como predinizona, azatioprina e metotrexato. O grau de atividade da doença é avaliado pelo critério SLEDAI (Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index), que também analisa a efetividade do tratamento3,12.
Entre os agentes infecciosos mais envolvidos com a patogênese do LES, os mais importantes são o vírus Epstein-Barr (EBV), o parvovírus B19 (B19), o vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) e o citomegalovírus humano (HCMV)9,13. Essas infecções virais podem contribuir para o surgimento da doença pela produção de proteínas virais com estruturas similares a algumas proteínas humanas8, podendo gerar autoanticorpos pela reação cruzada de anticorpos produzidos contra os vírus ou modificação no processamento dos antígenos9,14 e desequilíbrio na regulação de linfócitos T e B e na apoptose15.
O EBV pertence à ordem Herpesvirales, família Herpesviridae, subfamília Gammaherpesvirinae, gênero Lymphocryptovirus e hoje denomina-se Human gammaherpesvirus 4 (espécie)16. O vírus apresenta genoma de DNA de fita dupla (DNAfd) linear, composto por cerca de 87 genes codificantes17 e envolvido por um capsídeo icosaédrico com 162 capsômeros, tegumento e envelope composto por glicoproteínas18. O vírus é altamente disseminado, infectando cerca de 90% da população mundial19.
A infecção por EBV tem sido associada ao LES, tanto no surgimento quanto na atividade da doença, por meio de estudos sorológicos e de detecção direta do genoma viral20,21,22. O mecanismo pelo qual o vírus interfere no surgimento e na atividade da doença pode ser explicado pelo mimetismo molecular da proteína viral EBNA1 com alguns autoantígenos21,23,24.
O B19 pertence à família Parvoviridae, subfamília Parvovirinae, gênero Erythroparvovirus e hoje denomina-se Primate erythroparvovirus 1 (espécie)16. Ele é um pequeno vírus de DNA de fita simples (DNAfs), não envelopado, com simetria icosaédrica, medindo entre 22 e 24 nm25. A prevalência mundial varia de 15 a 90% conforme a faixa etária26,27,28,29,30.
A infecção pelo B19 ocasiona, principalmente, manifestações que se assemelham às das doenças reumáticas autoimunes, como exantemas, citopenias e artrites, além de induzir a produção transitória de autoanticorpos e citocinas pró-inflamatórias31. O mecanismo para a associação do B19 com LES pode ser resultante da secreção de autoanticorpos anti-DNAfs hidrolizantes, resultantes da resposta ao DNAfs viral replicante. Esse processo causaria a morte celular, expondo o sistema imune a um novo conjunto de antígenos e assim manteria a doença ativa32. Outros mecanismos propostos para a ação do B19 incluem a citotoxicidade da proteína NS1, levando à apoptose33, reação cruzada do anticorpo anti-B19 IgG com autoantígenos humanos34 e produção de citocinas pró-inflamatórias27,35,36,37.
O HTLV pertence à família Retroviridae, subfamília Orthoretrovirinae, gênero Deltaretrovirus e hoje denomina-se Primate T-lymphotropic virus (espécie)16. Trata-se de um vírus envelopado, com genoma constituído por RNA de fita simples (RNAfs) diploide, envolvido por um capsídeo. Existem quatro tipos de HTLV, dos quais o tipo 1 é o mais prevalente. Estima-se que 20 milhões de pessoas no mundo estejam infectadas pelo HTLV-1, das quais aproximadamente 90% permanecerão assintomáticas ao longo da vida38.
A infecção pelo HTLV gera mudanças na resposta imune sistêmica, alterando o equilíbrio entre os perfis Th1 e Th2. O vírus altera a atividade regulatória de células T CD4+, consequentemente afetando a homeostasia entre diversas citocinas como IFN-γ, TNF-α, TGF-β e IL-10, o que ocasiona o desbalanceamento entre respostas inflamatórias e anti-inflamatórias, ocasionando a perda da tolerância e o desenvolvimento da autoimunidade39. Estudos desenvolvidos em camundongos transgênicos que carregavam genes específicos dos retrovírus, como o gene tax, mostravam patologias semelhantes à autoimunidade, sugerindo que o vírus tivesse o potencial de induzir desordens autoimunes40,41.
Diante da influência deletéria desses vírus no equilíbrio do sistema imunológico e devido ao desequilíbrio desse sistema ser a causa final das doenças autoimunes, torna-se extremamente relevante o estudo dos agentes em pacientes acometidos pelo LES.
MATERIAIS E MÉTODOS
POPULAÇÃO DE ESTUDO E COLETA DAS AMOSTRAS
No período de junho a setembro de 2014, foi realizado um estudo transversal, incluindo 85 pacientes diagnosticados com LES, de acordo com os critérios do American College of Rheumatology, atendidos no Hospital Jean Bitar, centro de referência no tratamento da doença no Estado do Pará. As informações laboratoriais, clínicas e demográficas foram obtidas por meio de um questionário ou pela consulta aos prontuários médicos. A atividade da doença foi determinada pelo SLEDAI, no qual pacientes com doença ativa apresentam um score superior a 4. O SLEDAI foi mensurado pela avaliação conjunta dos seguintes sinais ou sintomas: febre, leucopenia, plaquetopenia, rash malar, úlcera oral, alopecia, pleurite, positividade para anticorpo anti-DNA, artrite, miosite, hematúria, leucocitúria, proteinúria, presença de cilindros no exame de sedimentação da urina, vasculite, cefaleia, níveis deprimidos de componentes do sistema complemento, neuropatias cranianas, síndrome orgânica cerebral e acidente vascular cerebral.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Evandro Chagas (IEC) na Plataforma Brasil, com CAAE nº 30366114.0.0000.0019, com parecer número 672.317, em 21 de maio de 2014. Todos os pacientes, antes de serem incluídos na pesquisa, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e responderam a um questionário epidemiológico.
De cada paciente, foram coletados 5 mL de sangue total em tubos contendo EDTA K2 como anticoagulante. Após a coleta, todas as amostras foram conduzidas ao IEC, submetidas ao teste de hemograma e, em seguida, à centrifugação por 10 min, a 1.400 g (3.000 rpm) para a separação do plasma e porção celular (buffy coat). Posteriormente, as amostras foram armazenadas a -70º C até o momento do uso.
TESTES SOROLÓGICOS
O plasma foi utilizado para a pesquisa de anticorpos específicos contra os agentes virais estudados (EBV, B19 e HTLV). Foi utilizada a metodologia de ELISA com auxílio dos kits RIDASCREEN(r) EBV/VCA IgM (R-Biopharm), RIDASCREEN(r) EBV/VCA IgG (R-Biopharm), Parvovirus B IgM Enzyme Immunoassay (Biotrin), Parvovirus IgG Enzyme Immunoassay (Biotrin) e Gold ELISA HTLV-I/II (REM). Todos os testes foram realizados seguindo os protocolos descritos pelos fabricantes.
EXTRAÇÃO DO DNA VIRAL E REAÇÃO EM CADEIA DA POLIMERASE QUANTITATIVA
Foi realizada extração de DNA a partir do plasma e do buffy coat, por meio do kit QIAamp DNA Mini (Qiagen), de acordo com o protocolo recomendado pelo fabricante. Para as amostras de plasma, foram adicionados 10 µL do controle exógeno comercial CPE (Nanogen), o qual possui sequências sintéticas do gene da β-globina humana.
O teste de detecção qualitativa e quantitativa de EBV foi realizado a partir do DNA extraído do plasma, utilizando a metodologia de reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR), por meio do kit comercial EBV Alert (Nanogen), de acordo com o protocolo do fabricante. O kit teve como alvos os genes EBNA1 de EBV (marcador FAM) e da β-globina humana (marcador VIC), além de contar com quatro amostras com concentrações conhecidas (105, 104, 103 e 102) de DNA do EBV para confecção de uma curva padrão para quantificação.
A pesquisa do proviral DNA do HTLV-1/2 foi realizada por qPCR a partir do DNA extraído do buffy coat. Foram utilizadas três sequências alvo: as regiões não homólogas do gene pol do HTLV-1 e HTLV-2, e o gene da albumina como controle endógeno da reação. As sequências dos primers e sondas contidos nos ensaios, assim como o protocolo utilizado, foram descritos segundo Tamegão-Lopes et al42.
Todas as reações foram executadas no equipamento Rotor-Gene Q (Qiagen) e as análises de amplificação foram feitas no software do equipamento.
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Foi realizada estatística descritiva para as variáveis clínicas e epidemiológicas da população estudada. O teste de Qui-quadrado e o teste G foram utilizados para testar associação de variáveis categóricas com os desfechos de positividade para os vírus estudados e seus marcadores. O teste de Kruskal-Wallis foi escolhido para avaliar a associação da idade dos pacientes com os desfechos de positividade para os vírus estudados e seus marcadores. Todos os testes foram conduzidos com o auxílio do pacote estatístico BioEstat v5.043. A significância estatística foi definida quando o valor de p apresentou-se inferior a 0,05.
RESULTADOS
AVALIAÇÃO CLÍNICA E EPIDEMIOLÓGICA
Dos 85 participantes do estudo, 91,8% eram do sexo feminino e 8,2% do masculino. Quanto à distribuição por faixa etária, a idade dos pacientes variou de 14 a 69 anos, com média de 30 anos. Dentre as opções de etnia indagadas, 36,4% (31/85) dos pacientes declarou-se branca, 30,6% (26/85) negra e 16,5% (14/85) parda. Para a análise de etnia, houve ausência da informação para 14 pacientes (16,5%). Para a avaliação do índice SLEDAI, observou-se que 83,5% (71/85) dos pacientes possuíam a ficha médica de determinação do índice preenchida. O SLEDAI variou de 0 a 24 entre os 71 pacientes, com média de 6,9. As principais manifestações clínicas encontradas nesses pacientes foram: proteinúria (24/71; 33,8%), cefaleia (20/71; 28,2%), alopecia (18/71; 25,4%), hematúria (16/71; 22,5%), leucopenia (9/71; 12,7%) e febre (8/71; 11,3%).
EBV
Pela avaliação sorológica, 37,6% (32/85) dos pacientes apresentaram resultado positivo para IgM contra EBV. Quanto à detecção de anticorpos IgG, 98,8% (84/85) mostraram-se positivos e em 1,2% (1/85) o teste foi inconclusivo.
A positividade para IgM mostrou-se associada a pacientes mais jovens pelos testes de Qui-quadrado (p = 0,0127) e Kruskal-Wallis (p = 0,0090). As demais variáveis epidemiológicas não apresentaram relação estatística (p > 0,05) (Tabela 1 e Figura 1). Em relação à atividade da doença medida pelo SLEDAI, 46,4% (13/28) dos pacientes positivos estavam com doença ativa, entretanto, não houve significância estatística para a associação pelo teste de Qui-quadrado (p = 0,3336).
Dentre os sinais e sintomas mais apresentados por pacientes soropositivos IgM anti-EBV estão: leucopenia (8/28 - 28,6%), proteinúria (7/28 - 25%), cefaleia (6/28 - 21,4%), hematúria (5/28 - 17,8%) e rash malar (5/28 - 17,8%). Nenhum sinal ou sintoma apresentou-se individualmente relacionado à positividade para IgM anti-EBV (p > 0,05).
Pela metodologia de qPCR, observou-se que duas amostras (2,4%) de plasma apresentavam material genômico de EBV, com quantificação de 85.028 e 298 cópias do genoma viral/mL de plasma. Não houve relação alicerçada estatisticamente (p > 0,05) entre a positividade ou quantificação para EBV e os dados sorológicos, epidemiológicos ou clínicos.
B19
Os resultados dos testes sorológicos revelaram que nenhum dos pacientes apresentava anticorpos de classe IgM contra B19 detectáveis. Em relação aos anticorpos IgG, 67,1% (57/85) dos pacientes mostraram evidência de ter entrado em contato prévio com esse vírus. A avaliação da associação das variáveis clínicas e epidemiológicas não demonstrou relação estatística pelo teste de Qui-quadrado (p > 0,05) (Tabela 2). Entretanto, a avaliação estatística pelo teste de Kruskal-Wallis demonstrou que os indivíduos com idade mais avançada possuem maior probabilidade de apresentar resultado positivo para IgG (p = 0,0087) (Figura 2).
Dentre os sinais e sintomas mais apresentados por pacientes soropositivos para essa imunoglobulina estão: proteinúria (19/49 - 38,8%), cefaleia (14/49 - 28,6%), hematúria (11/49 - 22,4%) e alopecia (9/49 - 18,4%). Nenhum sinal ou sintoma apresentou-se individualmente relacionado à positividade no teste sorológico (p > 0,05).
HTLV
Todos os 85 pacientes foram negativos para a presença de anticorpos anti-HTLV. A metodologia de qPCR também não detectou a presença do proviral DNA nas amostras extraídas a partir do buffy coat. Os valores obtidos no teste de hemograma, assim como as variáveis clínicas e epidemiológicas, não puderam ser relacionados à infecção devido à ausência de casos positivos.
Adicionalmente, não houve relação entre a positividade dos marcadores sorológicos encontrados para os três vírus entre si (p > 0,05), excluindo-se qualquer suspeita de reação cruzada e enfraquecendo a hipótese de coinfecções.
DISCUSSÃO
Devido à falta de definição para a etiologia e patogênese do LES, a doença tem sido alvo de estudos, visando uma melhor compreensão da presença de fatores de risco e dos mecanismos pelos quais esses fatores interferem no bom funcionamento do sistema imunológico. Entre os principais fatores relacionados, estão as infecções virais por EBV, B19 e HTLV1,2,3.
Entre os pacientes estudados, a grande maioria era representante do sexo feminino, em consonância com o percebido da literatura44. A associação de LES com as mulheres ocorre pelo fato de que existe, ainda que por um mecanismo pouco elucidado, uma suscetibilidade maior ao desenvolvimento dessa doença45. Experimentalmente, foi comprovado que um segundo cromossomo X aumenta a gravidade do LES46. Os hormônios sexuais femininos também possuem papel importante no aumento da suscetibilidade feminina ao desenvolvimento de LES quando comparado com homens47.
Os resultados da avaliação étnica ainda são bastante controversos. Sauma et al48 descreveram a doença afetando mais indivíduos brancos (53,8%). Entretanto, em 2009, Conde et al44 observaram um padrão contrário, com 60% dos casos ocorrendo em pacientes não brancos. No presente estudo, houve uma predominância de brancos, entretanto, negros e pardos somados ultrapassaram o percentual de brancos. Além da proximidade nos valores percentuais de cada etnia oriunda de uma população altamente miscigenada, qualquer conclusão fica prejudicada devido à subjetividade inerente a essa variável, além da considerável perda de informações da definição de etnia dos pacientes (16,5%).
A associação da infecção por EBV e o LES tem sido relatada em vários estudos, mediante evidências sorológicas e moleculares22,49,50. Em pacientes com a doença, há uma soroconversão mais rápida para EBV e um valor de carga viral superior quando comparados a indivíduos infectados pelo vírus e sem LES51,52. A associação é reforçada pelo mimetismo da proteína EBNA1 de EBV com o antígeno lúpico Ro e pela incapacidade dos linfócitos T CD8+ em controlar os linfócitos B infectados pelo vírus21,53. Apesar de não ser encontrada diferença estatística entre os marcadores de infecção por EBV e os critérios clínicos da doença, observou-se um percentual considerável de pacientes com positividade para o marcador sorológico de infecção aguda pelo vírus, o que sugere um envolvimento do vírus com o LES.
A associação encontrada entre a positividade para IgM e pacientes jovens pode ser explicada pelas diferentes eficiências na produção da imunoglobulina de acordo com a fase da infecção. Para infecções primárias agudas, nota-se uma produção de IgM mais eficiente em relação aos períodos de reativação do EBV54. Como as infecções primárias pelo vírus ocorrem, em sua grande maioria, em crianças e adultos jovens18, isso explicaria a associação dessa resposta humoral aguda com pacientes menos senis. Outra explicação seria o nível de estresse ao qual o paciente é submetido. Uma vez que adultos jovens economicamente ativos são mais acometidos pelo estresse, eles terão maior suscetibilidade aos eventos de reativação do EBV55.
Estudos apontam para um alto percentual de positividade para EBV em pacientes com LES por PCR, variando de 41,9% até 98,5%56,57,58,59. No entanto, a maioria utiliza amostras celulares, como sangue total e células mononucleares do sangue periférico. O resultado obtido, a partir da detecção do genoma do EBV, foi inferior ao esperado, entretanto, devido ao padrão de infecção ser mais latente, com baixa produção e liberação de novas partículas virais60, é possível que a carga viral livre no plasma tenha sido muito baixa no instante da coleta. Outro fator importante que justifica o monitoramento da infecção é a presença do marcador sorológico IgG em 99% dos pacientes, o que indica que quase a totalidade já entrou em contato com o EBV e pode estar abrigando esse vírus em suas células.
A semelhança entre as características da infecção pelo B19 e o LES tem sugerido um possível papel para esse vírus na patogênese do lúpus, desencadeando a doença ou exarcebando seus sintomas9,61,62,63,64. Entretanto, não se observou positividade para anticorpos IgM. Por outro lado, observou-se uma positividade de 67,1% para IgG anti-B19.
Em Taiwan, Chen et al65 também observaram ausência de anticorpos IgM em pacientes com LES. Anticorpos IgG, por outro lado, foram detectados tanto em pacientes quanto em controles (46,6% em LES e 46,9% nos controles). No Brasil, Silva et al66 encontraram 15,6% de positividade para IgM e 84,4% para IgG em pacientes com a doença. Neste estudo não foi descartada a possibilidade de que a positividade observada seja um reflexo da circulação do vírus na população de Belém, a qual já foi estimada entre 43% e 85%, entre diferentes segmentos populacionais67,68,69, onde os autores denotaram uma circulação endêmica desse agente viral entre indivíduos suscetíveis daquela localidade.
Não houve associação do resultado de IgG com as variáveis clínicas, o que corrobora outros estudos com pacientes com doenças autoimunes66,70. Entretanto, a variável idade mostrou-se fortemente associada à positividade para IgG anti-B19. A hipótese que pode sustentar essa associação é de que, com o avanço da idade, haja uma contínua exposição ao vírus e consequente aumento da probabilidade de contato25,71. Uma vez em contato, o organismo produz IgG, a qual pode permanecer na circulação por vários anos72.
No Brasil, a prevalência da infecção por HTLV-1 é de 0,41% (0,08-1,35%), apresentando-se maior em indivíduos com comportamento de risco para adquirir doenças sexualmente transmissíveis, em pacientes politransfundidos e usuários de drogas endovenosas73,74,75. No presente estudo, o baixo número amostral poderia influenciar diretamente na detecção, considerando-se a prevalência da infecção na população geral, o que ajudaria a explicar a ausência da soropositividade no grupo avaliado.
Os resultados confirmaram achados de estudos anteriores realizados em áreas endêmicas, utilizando diversos métodos diagnósticos e que não encontraram soropositivos entre pacientes com LES76,77,78,79. A relação do HTLV com o LES ainda permanece obscura. Alguns estudos não encontraram associação80,81; entretanto, altos níveis de títulos de anticorpos anti-HTLV-1 podem estimular a resposta imune que leva a danos teciduais inflamatórios. Alguns relatos evidenciaram uma correlação positiva entre o HTLV-1 e algumas manifestações do LES, com prevalências de infecção variando de 11% a 15%82,83,84,85,86. Complementarmente, Carvalho et al87 relataram que 0,7% dos indivíduos com HTLV-1 manifestavam LES.
Durante o desenvolvimento da autoimunidade, existe uma combinação de diversos fatores que não são somente imunológicos, mas genéticos e ambientais. Dentre os fatores ambientais, as infecções por agentes infecciosos podem apresentar grande importância, podendo representar o "gatilho" para a autoimunidade, principalmente pelo processo de mimetismo molecular entre diversas proteínas do vírus com estruturas celulares do hospedeiro21,23,24,34,88 ou representar uma ação sinérgica para a manifestação dos sintomas relacionados22,63,64.
CONCLUSÃO
Este é um estudo pioneiro na Amazônia brasileira sobre a presença de EBV, B19 e HTLV em pacientes com LES. A idade dos pacientes com LES pode sugerir uma diferença na interpretação dos resultados sorológicos, devido à diferença de eficiência na produção de anticorpos nas fases de infecção aguda primária e reativação ou aos níveis de estresse aos quais os indivíduos são submetidos em cada faixa etária. Sugere-se executar novos estudos na região avaliando os pacientes antes do início do tratamento, com um número amostral mais elevado e um grupo controle correspondente, para obtenção de uma análise mais acurada da associação dos vírus com a doença.