SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 númeroESPInfecção persistente pelo vírus Ilheus em hamsters dourados (Mesocricetus auratus)Acompanhamento de gestantes com confirmação laboratorial de infecção pelo vírus Zika na região metropolitana de Belém, Estado do Pará, Brasil: dados preliminares índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude v.7 n.esp Ananindeua dez. 2016

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-62232016000500022 

ARTIGO ORIGINAL

Caracterização antigênica e molecular de vírus isolados de mosquitos capturados no Estado do Pará, Brasil

Antigenic and molecular characterization of viruses isolated from mosquitoes captured in Pará State, Brazil

Caracterización antigénica y molecular de virus aislados de mosquitos capturados en el Estado de Pará, Brasil

Juliana Abreu Lima1  , Alana Watanabe de Sousa1  , Sandro Patroca Silva2  , Landeson Junior Leopoldino Barros1  , Daniele Barbosa de Almeida Medeiros1  , Antônio Gregorio Dias Junior1  , Sueli Guerreiro Rodrigues1  , Pedro Fernando da Costa Vasconcelos1  , Jannifer Oliveira Chiang1 

1 Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Ananindeua, Pará, Brasil

2 Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Centro de Inovações Tecnológicas, Ananindeua, Pará, Brasil

RESUMO

Os arbovírus estão amplamente distribuídos pelo mundo e, no Brasil, cerca de 200 espécies diferentes têm sido isoladas e muitas delas estão associadas a doenças em humanos. A maioria dos arbovírus está classificada na família Bunyaviridae que, por possuírem três segmentos de RNA, apresentam uma característica importante de rearranjo genético, formando novos vírus no mundo. O advento de novas ferramentas de biologia molecular para sequenciamento genômico, aliado aos clássicos testes sorológicos de fixação do complemento (FC), teste de neutralização (TN) e inibição da hemaglutinação (IH) permitem uma melhor caracterização e identificação viral, principalmente dos vírus frutos de rearranjos genéticos. Dessa forma, este estudo descreve as características sorológicas e moleculares de três isolados virais (BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402) obtidos a partir de mosquitos no Estado do Pará pela Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas. Os testes de FC e TN foram utilizados para a caracterização antigênica e, para a molecular, foram utilizadas duas plataformas de sequenciamento genômico: 454 FLX e Ion PGMTM. Pelo teste de FC foi possível definir que os três isolados apresentavam reação cruzada entre os vírus Tucunduba (VTUC) e vírus Taiassui. O TN definiu os isolados virais BeAR 544767 e BeAR 701402 como cepas do VTUC, sendo essa classificação confirmada também pela caracterização molecular para os três isolados virais em estudo. Portanto, os isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 foram classificados como cepas do VTUC, dentro do grupo Wyeomyia, família Bunyaviridae, gênero Orthobunyavirus.

Palavras-chave: Taxonomia; Sorologia; Filogenia; Arbovírus; Culicidae

ABSTRACT

Arboviruses are widely distributed worldwide and, in Brazil, approximately 200 species have been isolated and many are associated with human diseases. Most arboviruses are classified within the Bunyaviridae family, which present three RNA segments and an important genetic reassortment characteristic, thus forming new types of viruses globally. New molecular biology techniques for genome sequencing, associated with classic serological tests, such as complement fixation (CF), neutralization test (NT), and hemagglutination inhibition (HI), enable enhanced viral identification and characterization, particularly of viruses generated by genetic reassortment. Thus, the serological and molecular characteristics of three viral samples (BeAR 544767, BeAR 643361, and BeAR 701402) obtained from mosquitoes in Pará State by the Arbovirology and Hemorrhagic Fevers Section of the Instituto Evandro Chagas were determined. Antigen characterization was performed using CF and NT; molecular characterization was conducted using two genomic sequencing platforms: 454 FLX and Ion PGMTM. The results of CF indicated that all three isolates presented cross-reactivity between the Tucunduba (TUCV) and Taiassui viruses. Viral isolates of BeAR 544767 and BeAR 701402 were classified as TUCV strains by NT, which was confirmed by molecular characterization of the three isolates. Thus, viral isolates of BeAR 544767, BeAR 643361, and BeAR 701402 were classified as TUCV strains and they belong to the Wyeomyia group, Bunyaviridae family, and Orthobunyavirus genus.

Keywords: Taxonomy; Serology; Phylogeny; Arbovirus; Culicidae

RESUMEN

Los arbovirus están ampliamente distribuidos por el mundo y en Brasil, cerca de 200 especies diferentes han sido aisladas, muchas de ellas asociadas a enfermedades en humanos. La mayoría de los arbovirus está clasificada en la familia Bunyaviridae, que por tener tres segmentos de ARN, presentan una característica importante de reacomodación genética, formando nuevos virus en todo el mundo. El surgimiento de nuevas herramientas de biología molecular para secuenciación genómica aliado a las clásicas pruebas serológicas de fijación del complemento (FC), neutralización (TN) e inhibición de la hemoaglutinación (HI), permiten una mejor caracterización e identificación viral, principalmente de los virus frutos de reacomodación genética. Así, este estudio describe las características serológicas y moleculares de tres aislados virales (BeAR 544767, BeAR 643361 y BeAR 701402) obtenidos a partir de mosquitos en el Estado de Pará por la Sección de Arbovirología y Fiebres Hemorrágicas del Instituto Evandro Chagas. Las pruebas de FC y TN se utilizaron para la caracterización antigénica y para la molecular, dos plataformas para secuenciación genómica: 454 FLX e Ion PGM TM. Por la prueba de FC se pudo definir que los tres aislados presentaban reacción cruzada entre los virus Tucunduba (VTUC) y virus Taiassui (VTAI). El TN definió los aislados virales BeAR 544767 y BeAR 701402 como cepas del VTUC, y esta clasificación también fue confirmada por la caracterización molecular para los tres aislados virales en estudio. Por lo tanto, los aislados virales BeAR 544767, BeAR 643361 y BeAR 701402 fueron clasificados como cepas del VTUC, dentro del grupo Wyeomyia, familia Bunyaviridae, género Orthobunyavirus.

Palabras Clave: Taxonomía; Serología; Filogenia; Arbovirus; Culicidae

INTRODUÇÃO

Os vírus transmitidos por artrópodes hematófagos, conhecidos como arbovírus, estão distribuídos em todos os continentes, exceto na Antártica, onde ainda não existem relatos de infecção por esses vírus. São mantidos em natureza por meio de ciclos biológicos, envolvendo hospedeiros vertebrados suscetíveis e artrópodes hematófagos, e transmitidos por repasto sanguíneo1.

Nas regiões tropicais, o ciclo de transmissão ocorre ao longo de todas as estações climáticas, uma vez que vetores e hospedeiros convivem no mesmo ambiente2, justificando assim o elevado número de isolamentos virais referentes a novos e possíveis arbovírus nessas regiões, sendo registrados no Catálogo Internacional dos Arbovírus e outros vírus de vertebrados (mais de 530 vírus). Na Região Amazônica, até o ano de 2010, cerca de 200 diferentes arbovírus foram isolados3.

Dentre as cinco principais famílias, nas quais a grande maioria dos arbovírus está distribuída (Bunyaviridae, Flaviviridae, Togaviridae, Reoviridae e Rhabdoviridae), destaca-se a família Bunyaviridae, por conter o maior número de arbovírus classificados em cinco gêneros: Tospovirus, Nairovirus, Phlebovirus, Hantavirus e Orthobunyavirus, esse último relevante para a saúde pública, pois apresenta arbovírus capazes de causar doença em humanos4,5. Os bunyavírus apresentam morfologia esférica e envelope viral, variando entre 80 a 120 nm de diâmetro. O material genético é constituído por três segmentos de RNA, sendo um pequeno (S - small), um médio (M - medium) e um grande (L - large)6.

Uma característica importante da família Bunyaviridae é o frequente rearranjo genético observado entre vírus que infectam uma mesma célula; durante o processo de montagem das partículas virais, trocam segmentos, dando origem a novos vírus rearranjados. O uso apenas de testes sorológicos clássicos dificulta a identificação desses vírus, uma vez que o teste de fixação do complemento (FC) detecta o segmento S e os testes de inibição da hemaglutinação (IH) e neutralização (TN) detectam o segmento M, demonstrando, por meio de testes diferentes, que possivelmente trata-se de um vírus rearranjado. Assim, nesses casos, o sequenciamento nucleotídico é de suma importância, pois a partir dele e pelas ferramentas moleculares, esses eventos são possíveis de serem identificados7.

O gênero Orthobunyavirus, que até o ano de 2005 era chamado de Bunyavirus8, compreende mais de 350 vírus isolados de diferentes espécies de vetores, como moscas e percevejos, muito embora a maioria dos orthobunyavírus seja transmitida por mosquitos9,10. Algumas espécies de mosquitos podem passar a transmitir determinadas arboviroses após alterações ambientais, como observado nos estudos realizados a partir da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, Estado do Pará, Brasil, onde o vírus Maguari, antes transmitido por sabetíneos, passou a ter mosquitos do gênero Anopheles como vetores11. Ademais, o gênero Orthobunyavirus apresenta grande diversidade de vírus e hospedeiros/vetores, o que torna a chance de isolar um vírus rearranjado muito maior. Assim, estudos de caracterização viral, com base nas características antigênicas e moleculares, são importantes, especialmente nos casos de vírus identificados nos testes sorológicos como pertencentes à família Bunyaviridae, gênero Orthobunyavirus. O objetivo deste estudo foi descrever a caracterização sorológica e molecular de três isolados virais provenientes de mosquitos capturados no Estado do Pará.

MATERIAIS E MÉTODOS

ISOLADOS VIRAIS

Neste estudo foram utilizados três isolados virais obtidos e cedidos pela Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas (SAARB) do Instituto Evandro Chagas (IEC). A cepa BeAR 544767 foi isolada a partir de um lote de mosquitos Wyeomyia sp. coletados na Floresta Nacional (Flona) de Caxiuanã, situada no nordeste do Estado do Pará (Lat. 2º15'S, Long. 52ºW / Lat. 1º30', Long. 51º15'), abrangendo os Municípios de Portel e Melgaço; enquanto que as cepas BeAR 643361 e BeAR 701402 foram isoladas a partir de mosquitos das espécies Limatus flavisetosus e Psorophora ferox, coletados em Altamira, Estado do Pará, no ano de 2001 e 2006, respectivamente. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais do IEC, certificados n. 15/2009, 02/2014 e 04/2014.

ESTOQUE VIRAL

Foi produzido estoque viral em camundongos albinos suíços recém-nascidos, a partir de suspensão liofilizada de cérebros de camundongos infectados com as três cepas virais em estudo. O material liofilizado foi reconstituído com 0,5 mL de água destilada e 0,02 mL inoculado por via intracerebral nos camundongos recém-nascidos, que, após apresentarem sinais de doença, foram coletados e armazenados a -80º C para o desenvolvimento do estudo, conforme Lenette12.

CARACTERIZAÇÃO ANTIGÊNICA

A caracterização antigênica dos três isolados virais foi realizada pelos testes de FC e de TN em camundongos. O teste de FC foi realizado conforme a técnica descrita por Fulton e Dumbell13 e adaptada para microplacas por Beaty et al14. Foram utilizadas suspensões virais a partir de cérebros de camundongos infectados com os respectivos isolados, os quais foram testados em duas principais etapas: inicialmente com os diferentes pools de fluidos ascíticos imunes (FAI) da maioria dos arbovírus isolados pela SAARB/IEC (grupos antigênicos: A, B, C, Capim, Guamá, Bunyamwera, Anopheles A, Plebotomus, VSV, Timbó e Changuinola); e, em caso de reação positiva para um dos grupos antigênicos citados, realizaram-se outros testes com cada um dos integrantes virais do grupo. O teste de FC é interpretado a partir da percentagem de hemólise observada em uma escala de 0 a 4; no qual 0 é hemólise total das hemácias (100%); 1, hemólise de 75%; 2, hemólise de 50%; 3, hemólise de 25%; e 4, ausência de hemólise, 0%. Foi considerada positiva toda reação sem hemólise ou com até 25%. Os títulos do teste de FC foram classificados pelos valores da maior diluição positiva do anticorpo sobre a maior diluição positiva do antígeno.

O TN foi realizado por meio de diluições seriadas de 10 vezes do vírus e diluição constante do soro15. Os soros utilizados para essa metodologia foram selecionados a partir dos resultados do teste de FC. A interpretação dos resultados foi feita a partir do cálculo de DL50/0,02 mL, de acordo com Reed e Muench16, sendo considerados positivos os soros que apresentaram um índice logarítmico de neutralização (ILN) maior ou igual a 1,8. Esse teste é bastante utilizado com o intuito de elucidar possíveis reações cruzadas observadas entre vírus de um mesmo grupo antigênico, uma vez que apresenta maior especificidade do que o teste de FC, além de dar um indicativo de vírus rearranjados.

CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR

Sequências genômicas

Para a obtenção do RNA viral dos três materiais analisados neste estudo, foram utilizadas culturas de células VERO infectadas apresentando 90% de efeito citopático. Todas as etapas para infecção dos cultivos celulares seguiram a técnica descrita por Lennette12. Duas plataformas de sequenciamento de nova geração - 454 FLX (Roche(r), Branford, Connecticut, EUA) e Ion PGMTM (Ion Torrent, Life Technologies, Califórnia, EUA) - foram utilizadas para a obtenção das sequências genômicas, as quais foram precedidas de uma etapa adicional que consistiu na concentração das partículas virais a partir de 10 mL de sobrenadante de células VERO infectadas com os respectivos isolados virais.

Os materiais foram centrifugados a 2.000 rotações por minuto (rpm) por 10 min e o sobrenadante foi transferido para um novo tubo e submetido a uma nova etapa de centrifugação a 4.000 rpm por 5 min. O novo sobrenadante foi filtrado em filtro estéril de 0,2 µm e transferido para um novo tubo. Em seguida, adicionou-se 1,48 mL de NaCl 5M estéril e 10,8 mL de polietilenoglicol (PEG) 8.000 (Sigma-Aldrich(r), Missouri, EUA) em 6 mL do sobrenadante filtrado. A suspensão foi então incubada a 4º C por 30 min e, posteriormente, centrifugada a 6.000 rpm por 1 h a 4º C. O sobrenadante foi descartado e o pellet resultante da centrifugação com PEG foi ressuspendido em 250 µL de tampão fosfato salino (phosphate buffered saline - PBS); posteriormente, foi adicionado 12,5 µL de RNAse para degradar o RNA de interferência uma vez que a partícula viral ainda se encontrava íntegra. A suspensão foi incubada por 30 min a 37º C. Finalmente, foram adicionados mais 238 µL de PBS, a fim de adequar a amostra para extração do RNA.

A extração do RNA viral ocorreu utilizando PureLinkTM Viral RNA Mini Kit (Invitrogen, Califórnia, EUA) para a plataforma 454 FLX e TRIzol LS Reagente (Invitrogen), e o kit QIAamp RNA Viral para plataforma Ion PGM, ambos seguindo-se orientação dos fabricantes. A quantificação da concentração do RNA viral dos três materiais foi realizada pelo equipamento QubitTM, de acordo com instruções do fabricante. A faixa de concentração mínima ideal de RNA para o sequenciamento foi de 20 ng/µL.

O genoma viral foi obtido a partir do método de pirosequenciamento (454 FLX) e sequenciamento semicondutor de íon, Ion PGMTM. Embora sejam metodologias diferentes, o processo de sequenciamento nucleotídico é semelhante entre ambas e ocorreu em três etapas: preparo da biblioteca genômica e seleção dos tamanhos dos fragmentos; PCR em emulsão e enriquecimento; e reação de sequenciamento nucleotídico. Todas as etapas foram realizadas de acordo com as instruções dos respectivos fabricantes.

Análise bioinformática

As leituras geradas pelas plataformas 454 e PGM foram montadas utilizando a metodologia De Novo por meio dos programas Newbler v3 e Mira v4, respectivamente. As sequências montadas foram comparadas com outras sequências de vírus depositadas no GenBank (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/), com o intuito de avaliar a homologia entre as mesmas. Posteriormente, as análises de curadoria foram realizadas utilizando o programa Geneious v6 (Biomatters, Nova Zelândia).

As sequências dos isolados virais foram comparadas com sequências nucleotídicas de vírus disponíveis no GenBank. Para construção das árvores filogenéticas, as sequências foram alinhadas no programa BioEdit. As árvores foram construídas empregando-se o método de máxima verossimilhança (MV)17 em conjunto com o teste de bootstrap, fixando 1.000 réplicas para gerar maior confiabilidade aos valores dos grupamentos18.

RESULTADOS

CARACTERIZAÇÃO ANTIGÊNICA

Os três isolados virais em estudo (BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402), inicialmente, reagiram positivamente no teste de FC para o pool de FAI do sorogrupo Bunyamwera (vírus Tucunduba - VTUC, vírus Taiassui - VTAI, vírus Iaco, vírus Sororoca, vírus Maguari, vírus Kairi, vírus Xingu e vírus Guaroa) e, após testar os vírus em estudo para todos os integrantes desse grupo antigênico, os três isolados virais apresentaram reação cruzada para VTUC e VTAI, com títulos descritos na tabela 1.

Tabela 1 - Resultados dos testes de fixação do complemento dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 com VTAI e VTUC 

No TN, os isolados virais BeAR 544767 e BeAR 701402 foram neutralizados apenas pelo soro do VTUC (AR 278) com índice logarítmico de neutralização maior ou igual a 1,8 (Tabela 2). Para o vírus BeAR 643361, não foi realizado o TN.

Tabela 2 - Resultado do TN dos isolados BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 com VTAI e VTUC 

NR: Não realizado.

CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR

A região codificante completa de cada um dos isolados virais em estudo é constituída de três segmentos de RNA fita simples: um segmento pequeno (S-RNA), um segmento médio (M-RNA) e um segmento grande (L-RNA) com tamanho semelhante entre eles (Tabela 3), flanqueada pelas regiões 5' e 3'. O segmento S-RNA codifica uma única proteína, referente ao nucleocapsídeo, a proteína N; o segmento M-RNA codifica duas proteínas estruturais, as glicoproteínas Gn e Gc, e uma proteína não estrutural, a proteína NSm; e o segmento L-RNA apresenta uma única cadeia aberta de leitura (CAL), a qual codifica a proteína L que corresponde a RNA-polimerase RNA-dependente.

Tabela 3 - Tamanho dos segmentos de RNA dos isolados BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 

CAL: Cadeia aberta de leitura; nt: Nucleotídeo; S-RNA: Segmento pequeno; M-RNA: Segmento médio; L-RNA: Segmento grande.

Filogenia

As análises filogenéticas dos isolados virais foram realizadas utilizando as sequências aminoacídicas da CAL dos três segmentos pelo método MV. Na árvore filogenética gerada para o segmento S, foi possível observar que os membros do gênero Orthobunyavirus ficaram agrupados em clados representando os diversos grupos existentes, sustentados por valores de bootstrap entre 85% a 100%.

O complexo Wyeomyia formou um clado bastante consistente, dividido em dois subclados, em que os vírus Iaco, Anhembi, Cachoeira Porteira e Sororoca formaram um desses ramos; enquanto os isolados virais em estudo e os vírus VTUC, VTAI e Wyeomyia (VWYO) formaram o outro subclado, sustentado por valor máximo de bootstrap de 100% para esse ramo (Figura 1). A análise filogenética para o segmento M (poliproteína) evidenciou um padrão de organização semelhante ao observado para o segmento S (Figura 2).

Figura 1 - Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do S-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 pelo método MV 

Figura 2 - Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do M-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 pelo método de MV 

O complexo Wyeomyia foi dividido em dois subclados, porém o segmento M parece ser o mais divergente dentre os três segmentos. Nesta análise os três isolados formaram um ramo monofilético juntamente com o VTUC e com o VWYO, apresentando valores de bootstrap igual a 100%. O mesmo padrão de agrupamento visto para os dois segmentos anteriores também é visualizado na filogenia do segmento L, mas, nesse segmento, os isolados virais são mais relacionados ao VTAI, sustentado por um valor de bootstrap de 100% (Figura 3).

Figura 3 - Árvore filogenética com base na sequência aminoacídica do L-RNA dos isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 pelo método de MV 

DISCUSSÃO

A caracterização antigênica definida pelos testes de FC e TN é uma das ferramentas utilizadas na caracterização viral de uma cepa. Os cruzamentos sorológicos compartilhados pelas três cepas estudadas com o VTUC e com o VTAI confirmam, por sorologia, o princípio de que vírus relacionados entre si apresentam cruzamento sorológico, principalmente quando se trata de vírus trisegmentados. Além disso, mesmo os isolados virais estudados sendo cepas do VTUC, é possível observar reação positiva de título igual ou muito semelhante com o VTAI.

Esse fato está relacionado à proteína determinante no teste de FC, uma vez que o teste é determinado pelo segmento S (nucleocapsídeo) que, dentre os três segmentos dos orthobunyavírus, é o que mais compartilha características genéticas entre os vírus do grupo7,19. Reações sorológicas cruzadas também foram constatadas por Shope e Causey20, onde um relacionamento antigênico foi observado entre seis vírus pertencentes ao grupo C (Bunyaviridae, Orthobunyavirus), demonstrando que esses vírus estão relacionados entre si; e, quando analisados pelos testes FC, TN e IH, verifica-se que um mesmo vírus é identificado por um, dois ou até pelos três testes sorológicos citados. Posteriormente, aquele estudo foi complementado por Nunes et al21, os quais observaram que 13 vírus do grupo C apresentavam rearranjos naturais entre eles, corroborando e complementando o estudo de Shope e Causey20. Além disso, os vírus com estreito relacionamento ao infectar uma mesma célula suscetível podem ter seus segmentos genômicos variavelmente incorporados dentro das progênies virais7, ou seja, o segmento de um vírus passa a constituir o genoma do outro vírus, podendo com isso formar um novo vírus rearranjado.

Para complementar os resultados do teste de FC, foi realizado o TN, que detecta as glicoproteínas (Gn e Gc) localizadas no segmento M, as quais apresentam maior especificidade genética para cada vírus, uma vez que a região conservada da glicoproteína Gn possui determinantes antigênicos de tipo específico para anticorpos neutralizantes e hemaglutinantes22. Por outro lado, acredita-se que a glicoproteína Gc seja a principal determinante para a realização da etapa de adsorção durante o ciclo de replicação dos vírus nas células de mamíferos23. Dessa forma, o TN apresenta maior especificidade para a pesquisa de anticorpos neutralizantes, sendo assim o padrão ouro das provas sorológicas24.

Devido à organização genômica, essas cepas claramente referem-se a vírus pertencentes à família Bunyaviridae, obedecendo às características moleculares descritas por Elliott e Blakqori25 para incluir um vírus na referida família. A única exceção foi a ausência da proteína não estrutural NSs codificada pelo segmento S, presente em outros orthobunyavírus. Os tamanhos dos segmentos também corroboram os descritos por King et al4 e Chowdhary et al26, que observaram tamanhos semelhantes para outros orthobunyavírus.

A ausência da proteína NSs, descrita por Mohamed et al27, demonstra que alguns vírus do gênero Orthobunyavirus, como os vírus do sorogrupo Tete, Anopheles A e Anopheles B, não codificam essa proteína. Chowdhary et al26 também evidenciaram a ausência da NSs nos vírus do complexo Wyeomyia, no qual o VTUC está incluído.

A partir das análises filogenéticas é possível observar a formação do sorogrupo Wyeomyia, composto por VTAI, VTUC, VWYO, vírus Macauã, vírus Sororoca, vírus Anhembi, vírus Cachoeira Porteira e vírus Iaco, tal como descrito por Chowdhary et al26. O sequenciamento das três cepas do VTUC no presente estudo representa, ainda, mais um fortalecimento a esse clado, pois agrega representatividade à árvore filogenética. Ademais, a forma como os três segmentos desse vírus se agrupa também corrobora o que Chowdhary et al26 propuseram: o VTUC como um rearranjo de VTAI e VWYO (Darien), justificando o estreito relacionamento do VTUC ora no segmento S e L com o VTAI ora no segmento M com o VWYO.

Tendo como base as informações expostas, caracterizaram-se, sorológica e molecularmente, os isolados virais BeAR 544767, BeAR 643361 e BeAR 701402 como cepas do VTUC, vírus descrito pela primeira vez a partir de sucessivos isolamentos de mosquitos na Colômbia, Panamá, Trinidad e Guiana Francesa, além de um isolamento a partir de uma pessoa febril no Panamá1. No Pará, o VTUC foi isolado a partir de um lote de mosquitos capturados na floresta de Oriboca, região próxima à Belém, em 19553. Os hospedeiros vertebrados desse vírus ainda são desconhecidos, sendo relatado apenas um único caso humano descrito em Belém, onde a criança apresentou um quadro clínico típico de uma arbovirose com complicações neurológicas, diagnosticado como encefalite28.

CONCLUSÃO

No presente estudo, foram descritas três cepas do VTUC, ressaltando a diversidade dos vetores fontes desses isolados virais, uma vez que consistem em três espécies diferentes de mosquitos, demonstrando que esse vírus está adaptado ao meio em que circula. Outro achado importante desta pesquisa foram os anos de captura de cada lote de mosquito, visto que a cepa BeAR 544767 foi isolada em Caxiuanã, em 1996, e as cepas BeAR 643361 e BeAR 701402 foram isoladas a partir de lotes de mosquitos capturados em Altamira, nos anos de 2001 e 2006, respectivamente, demonstrando que, mesmo silenciosamente, o VTUC permanece circulando e que merece atenção, uma vez que se trata de um rearranjo viral com potencial para causar doenças em humanos.

AGRADECIMENTOS

À equipe profissional da SAARB/IEC (Eliana Vieira Pinto da Silva, Lívia Carício Martins, Raimunda do Socorro da Silva Azevedo, Joaquim Pinto Nunes Neto, Luis Fábio dos Santos Gomes, Wallace Oliveira Rosário, Franko de Arruda e Silva, Liliane Leal das Chagas, Basílio Silva Buna, Milene Silveira Ferreira, Pedro Cardoso Monteiro e José Ovídio Sousa da Silva), pela ajuda em todas as etapas desta pesquisa, desde a captura dos mosquitos até as inoculações em camundongos e cultivos celulares; à equipe do Centro de Inovações Tecnológicas (Márcio Roberto Teixeira Nunes, João Lídio da Silva Gonçalves Vianez Júnior e Clayton Pereira Silva de Lima), pelo auxílio e colaboração no processamento e análises moleculares das cepas estudadas; e a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a execução deste trabalho.

APOIO FINANCEIRO

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Febres Hemorrágicas Virais e IEC/SVS/MS.

REFERÊNCIAS

1 Karabatsos N. International catalogue of arboviruses: including certain other viruses of vertebrates. 3rd ed. San Antonio: American Society of Tropical Medicine and Hygiene; 1985. p. 1041. [ Links ]

2 Travassos da Rosa APA, Travassos da Rosa JFS, Pinheiro FP, Vasconcelos PFC. Arboviroses. In: Leão RNQ, organizador. Doenças infecciosas e parasitárias: enfoque amazônico. Belém: CEJUP, UEPA, Instituto Evandro Chagas; 1997. p. 207-25. [ Links ]

3 Vasconcelos PFC, Azevedo RSS, Rodrigues SG, Martins LC, Chiang JO, Travassos da Rosa APA. Arboviroses. In: Leão RNQ, Bichara CNC, Fraiha Neto H, Vasconcelos PFC, editores. Medicina tropical e infectologia na Amazônia. Vol. 1. Belém: Samauma; 2013. p. 481-503. [ Links ]

4 King AMQ, Adams MJ, Carstens EB, Lefkowitz EJ, editors. Virus taxonomy: classification and nomenclature of viruses. Ninth report of the International Committee on Taxonomy of Viruses. 9th ed. San Diego: Elsevier; 2012. 1327 p. [ Links ]

5 Vasconcelos PFC, Travassos da Rosa APA, Dégallier N, Travassos da Rosa JFS, Pinheiro FP. Clinical and ecoepidemiological situation of human arboviruses in Brazilian Amazonia. Cienc Cult. 1992 mai-jun;44(2/3):117-24. [Link] [ Links ]

6 Elliott RM. Nucleotide sequence analysis of the large (L) genomic RNA segment of Bunyamwera virus, the prototype of the family Bunyaviridae. Virology. 1989 Dec;173(2):426-36. Doi: 10.1016/0042-6822(89)90555-2 [Link] [ Links ]

7 Briese T, Calisher CH, Higgs S. Viruses of the family Bunyaviridae: are all available isolates reassortants? Virology. 2013 Nov;446(1-2):207-16. Doi: 10.1016/j.virol.2013.07.030 [Link] [ Links ]

8 Nichol ST, Beaty BJ, Elliott RM, Goldbach R, Phyusnin A, Schmaljonh CS, et al. Family Bunyaviridae. In: Fauquet CM, Mayo MA, Desselberger J, Ball LA, editors. Virus Taxonomy. Eighth report of the International Committee on Taxonomy of Viruses. 8th ed. San Diego: Elsevier ; 2005. p. 695-716. [ Links ]

9 Calisher CH. History, classification and taxonomy of viruses in the family Bunyaviridae. In: Elliott RM, editor. The Bunyaviridae. New York: Plenum Press; 1996. p. 1-17. [ Links ]

10 Elliott RM. Orthobunyaviruses: recent genetic and structural insights. Nat Rev Microbiol. 2014 Oct;12(10):673-85. Doi: 10.1038/nrmicro3332 [Link] [ Links ]

11 Dégallier N, Travassos da Rosa APA, Vasconcelos PFC. O impacto das atividades humanas na transmissão dos arbovírus silvestres na Amazônia brasileira. Contacto. 1994 ago;6 no esp:31-4. [Link] [ Links ]

12 Lennette DA. General principles of laboratory diagnostic methods for viral, rickettsial and chlamydial infections. In: Lennette EH, Lennette DA, Lennette ET, editors. Diagnostic procedures for viral, rickettsial and chlamydial infections. 7th ed. Washington: American Public Health Association; 1995. p. 3-25. [ Links ]

13 Fulton F, Dumbell KR. The serological comparison of strains of influenza virus. J Gen Microbiol. 1949 Jan;3(1):97-111. Doi: 10.1099/00221287-3-1-97 [Link] [ Links ]

14 Beaty BJ, Calisher CH, Shope RE. Arboviruses. In: Schmidt NJ, Emmons RW, editors. Diagnostic procedures for viral, rickettsial and chlamydial infections. 6th ed. Washington: American Public Health Association ; 1989. p. 797-855. [ Links ]

15 Casals J. Immunological techniques for animal viruses. In: Maramorosh K, Koprowski H, editors. Methods in virology. Vol. 3. New York: Academic Press; 1967. p. 175-81. [ Links ]

16 Reed LS, Muench H. A simple method of estimating fifty percent endpoints. Am J Hyg. 1938 May;27(3): 493-7. [Link] [ Links ]

17 Goldman N, Anderson JP, Rodrigo AG. Likelihood-based tests of topologies in phylogenetics. Syst Biol. 2000 Dec;49(4):652-70. Doi: 10.1080/106351500750049752 [Link] [ Links ]

18 Felsenstein J. Confidence limits on phylogenies: an approach using the bootstrap. Evolution. 1985 Jul;39(4):783-91. [Link] [ Links ]

19 Elliott RM, Schmaljohn CS. BunyaviridaeIn: Knipe DM, Howley PM, editors. Fields virology. Vol. 1. 6th ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 2013. p. 1244-82. [ Links ]

20 Shope RE, Causey OR. Further studies on the serological relationships of group C arthropod-borne viruses and the application of these relationships to rapid identification of types. Am J Trop Med Hyg. 1962 Mar;11(2):283-90. [Link] [ Links ]

21 Nunes MRT, Travassos da Rosa APA, Weaver SC, Tesh RB, Vasconcelos PFC. Molecular epidemiology of group C viruses (Bunyaviridae, Orthobunyavirus) isolated in the Americas. J Vir. 2005 Aug;79(16):10561-70. Doi: 10.1128/JVI.79.16.10561-10570.2005 [Link] [ Links ]

22 Cheng LL, Schultz KT, Yuill TM, Israel BA. Identification and localization of conserved antigenic epitopes on the G2 proteins of California serogroup Bunyaviruses. Viral Immunol. 2000 Jun;13(2): 201-13. Doi: 10.1089/vim.2000.13.201 [Link] [ Links ]

23 Pekosz A, Griot C, Nathanson N, Gonzalez-Scarano F. Tropism of bunyaviruses: evidence for a G1 glycoprotein-mediated entry pathway common to the California serogroup. Virology. 1995 Dec;214(2):339-48. Doi: 10.1006/viro.1995.0043 [Link] [ Links ]

24 Romano-Lieber NS, Iversson LB. Inquérito soroepidemiológico para pesquisa de infecções para arbovírus em moradores de reserva ecológica. Rev Saude Publica. 2000 jun;34(3):236-42. Doi: 10.1590/S0034-89102000000300005 [Link] [ Links ]

25 Elliott RM, Blakqori G. Molecular biology of orthobunyaviruses. In: Plyusnin A, Elliott RM, editors. Bunyaviridae: molecular and cellular biology. Norfolk (UK): Caister Academic Press; 2011. p. 1-39. Doi: 10.1099/vir.0.039479-0 [Link] [ Links ]

26 Chowdhary R, Street C, Travassos da Rosa A, Nunes MRT, Tee KK, Hutchison SK, et al. Genetic characterization of the Wyeomyia group of orthobunyaviruses and their phylogenetic relationships. J Gen Virol. 2012 May;93(Pt 5): 1023-34. [ Links ]

27 Mohamed M, McLees A, Elliott RM. Viruses in the Anopheles A, Anopheles B, and Tete serogroups in the Orthobunyavirus genus (family Bunyaviridae) do not encode an NSs protein. J Virol. 2009 Aug;83(15):7612-8. Doi: 10.1128/JVI.02080-08 [Link] [ Links ]

28 Pinheiro FP, Travassos da Rosa APA, Freitas RB, Travassos da Rosa JFS, Vasconcelos PFC. Arboviroses: aspectos clínico-epidemiológicos. In: Fundação Serviços de Saúde Pública. Instituto Evandro Chagas: 50 anos de contribuição às ciências biológicas e à medicina tropical. Vol. 1. Belém: FSESP; 1986. p. 375-408. [ Links ]

Recebido: 05 de Julho de 2016; Aceito: 08 de Agosto de 2016

Correspondência / Correspondence: Alana Watanabe de Sousa. Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas, Rodovia BR-360 km 7, s/n. Bairro: Levilândia - CEP: 67030-000 - Ananindeua, Pará, Brasil - Tel.: +55 (91) 3214-2296. E-mail: alanasousa@iec.pa.gov.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons