INTRODUÇÃO
Escherichia coli habita normalmente o intestino da maioria dos animais, incluindo seres humanos. Algumas cepas de E. coli podem provocar uma ampla variedade de doenças intestinais e extraintestinais, tais como diarreia, infecções do trato urinário, septicemia e meningite neonatal1. Apresenta fácil manuseio em laboratório com alta facilidade em seu cultivo, é bastante conhecida em relação ao quesito genético, e pode ser empregada como indicador de contaminação fecal da água2.
As β-lactamases de amplo espectro (extended-spectrum β-lactamase - ESBL) são enzimas capazes de hidrolisar o grupo farmacofórico (anel betalactâmico) dos antibióticos betalactâmicos, como cefalosporinas, penicilinas e monobactâmicos, sendo consideradas uma forma terapêutica primária para o controle de infecções. Essas enzimas são codificadas em genes presentes principalmente nos plasmídeos, transpósons e integrons, elementos esses que apresentam capacidade de carregar outros tipos de genes de resistência, conferindo assim a esse microrganismo resistência às demais classes de fármacos3.
Por muito tempo, as bactérias Gram negativas eram controladas por meio do tratamento com cefalosporinas; entretanto, essa realidade vem mudando, uma vez que têm surgido cepas que expressam a ESBL, sendo essa um dos principais mecanismos de resistência na família Enterobacteriaceae4,5,6.
Devido ao constante aumento dos meios de resistência bacterianos, sendo uma considerável parte oriunda da automedicação, o combate à resistência microbiana acaba se tornando uma grande preocupação da Organização Mundial da Saúde. São necessários investimentos não só na área da saúde, mas também, de suma importância, na área da educação para o desenvolvimento de diferentes formas de controle e prevenção da multirresistência bacteriana7.
O surgimento da resistência por parte dos microrganismos é derivado de mutações genéticas espontâneas ou oriundas de estímulos e recombinação de genes, resultando em uma ampla variedade genética, adequando-os à sobrevida em ocasiões adversas; dessas, as mais comumente enfrentadas por eles são a ação de antimicrobianos ou a resistência adquirida pelo contato com organismos já resistentes. Essas alterações são possíveis pelo genoma bacteriano ser bem dinâmico, com as atividades de defesa e transferência gênica sendo desempenhadas por estruturas móveis, como integrons e plasmídios, que possibilitam, então, a ampla troca e modificação de dados genéticos8,9.
A detecção de espécies portadoras das ESBL se faz necessária para identificar essas cepas e definir a terapêutica apropriada para um tratamento eficaz10. Entretanto, há falhas na terapêutica medicamentosa e os programas de pesquisa têm propiciado a descoberta e a viabilidade de alternativas terapêuticas frente aos mecanismos de resistência. Dessa forma, produtos naturais têm demonstrado grande eficiência nas infecções bacterianas; sendo assim, não é surpresa o fato de existir uma grande variedade de drogas oriundas de tais produtos11. Nessa perspectiva, pesquisas têm sido desenvolvidas no intuito de investigar novos fármacos com ação antimicrobiana ou, ainda, moléculas que modulam a atividade de antibióticos11,12.
Os óleos essenciais e os terpenos têm apresentado diversas atividades biológicas, dentre elas ações antimicrobianas, quando testados na presença de bactérias como E. coli. O carvacrol e o timol são isômeros e têm sido apontados por alguns autores como moléculas promissoras no estudo de alternativas terapêuticas para o tratamento de infecções12,13,14.
Os terpenos correspondem a uma classe de substâncias químicas derivadas do metabolismo secundário dos vegetais, cuja origem biossintética deriva de unidades de isopreno (C5H8), existindo, em sua maior parte, na forma de estrutura cíclica, sendo formado a partir do ácido mevalônico15. Estudos têm mostrado que os óleos essenciais do orégano e do tomilho apresentam atividade antimicrobiana e possuem carvacrol, timol e eugenol como constituintes majoritários, sendo que a concentração desses fitoconstituintes pode variar de região para região16.
O timol, também conhecido por 2-isopropil-5-metilfenol, é um monoterpeno, sendo isomérico com carvacrol; é extraído como uma substância aromática, de coloração cristalina branca e de odor agradável, pouco solúvel em água, mas sendo extremamente solúvel em alguns solventes orgânicos; apresenta pH neutro. O timol também apresenta características alcalinas em soluções aquosas devido à desprotonação do fenol17.
O carvacrol, ou 2-metil-5-1-metiletilfenol, é também um monoterpeno e apresenta característica picante e cheiro brando de orégano. Devido a essas características e ao cheiro agradável, ele é utilizado como aditivo alimentar18. Acredita-se ser a ruptura da membrana das bactérias a causa das propriedades antimicrobianas do carvacrol19.
Diante dessas premissas, o objetivo deste trabalho foi investigar a ação antibacteriana do timol e do carvacrol contra cepas de E. coli ESBL.
MATERIAIS E MÉTODOS
LOCAL DE TRABALHO
Os experimentos foram realizados no Laboratório de Microbiologia (J11) do Centro de Educação e Saúde da Universidade Federal de Campina Grande, estado da Paraíba, Brasil.
CEPAS BACTERIANAS
Foram utilizadas cepas bacterianas de E. coli ESBL (C-18, C-21, C-20, C-24, C-25, 24, 65), cedidas pela farmacêutica Bernadete Helena Cavalcanti Santos (Laboratório de Microbiologia Clínica, Departamento de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal da Paraíba), oriundas de pacientes ambulatoriais.
DETERMINAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA
A determinação da concentração inibitória mínima (CIM) dos fitoconstituintes selecionados foi realizada pela técnica da microdiluição em placa de 96 orifícios e fundo em "U" para cada uma das cepas. Por meio da diluição seriada a uma razão de 2, foram obtidas as concentrações de 1.024 a 1 μg/mL, efetuadas na própria placa, da coluna 1 à 11. A última coluna (12) foi reservada para o controle de crescimento do microrganismo (Caldo Mueller-Hinton, sem o produto testado). Ainda foram realizados os seguintes controles: para avaliar a toxicidade do veículo, a esterilidade do meio e a viabilidade do inóculo bacteriano20,21,22.
Em seguida, adicionou-se 10 μL do inóculo (bactéria a 0,5 McFarland) em cada uma das cavidades. O ensaio foi realizado em triplicata e incubado a 37 ºC no período de 24 h para E. coli ESBL. Após o tempo de incubação adequado, foram adicionados 20 μL de resazurina a 1% (SIGMA), indicador colorimétrico de óxido-redução para bactérias; procedeu-se a leitura, visualmente, pela ausência ou presença de crescimento do microrganismo, observando-se a mudança da coloração da solução de azul para rosa/vermelho, resultante do crescimento do microrganismo.
Portanto, foi determinada como CIM a menor concentração do produto capaz de inibir o crescimento do microrganismo ensaiado, verificado por uma não mudança da coloração do corante indicador20,21,22.
RESULTADOS
Os resultados referentes à ação bacteriostática do carvacrol e timol contra cepas de E. coli ESBL encontram-se na tabela 1, em que se determinou a CIM do carvacrol como sendo 64 µg/mL para a cepa 65 e 128 µg/mL para as cepas C-18, C-20, C-21, C-24, C-25 e 24. Já para o timol, a CIM foi determinada como 1.024 µg/mL para a cepa C-25; 512 µg/mL para as cepas C-18, C-21, 24 e 65; 256 µg/mL para a cepa C-24; e 128 µg/mL para a cepa C-20.
E. coli C-18 | E. coli C-20 | E. coli C-21 | E. coli C-24 | E. coli C-25 | E. coli 24 | E. coli 65 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
2.048 µg/mL | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) |
1.024 µg/mL | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) |
512 µg/mL | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(-) | C(-)T(+) | C(-)T(-) | C(-)T(-) |
256 µg/mL | C(-)T(+) | C(-)T(-) | C(-)T(+) | C(-)T(-) | C(-)T(+) | C(-)T(+) | C(-)T(+) |
128 µg/mL | C(-)T(+) | C(-)T(-) | C(-)T(+) | C(-)T(+) | C(-)T(+) | C(-)T(+) | C(-)T(+) |
64 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(-)T(+) |
32 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) |
16 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) |
8 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) |
4 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) |
2 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) |
1 µg/mL | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) | C(+)T(+) |
(+): Crescimento bacteriano visível; (-): Não houve crescimento bacteriano visível; C: Carvacrol; T: Timol.
DISCUSSÃO
Óleos essenciais que contêm constituintes como o carvacrol e o timol vêm sendo observados como agentes antibacterianos, antivirais, antidiabéticos e antioxidantes em doenças cardiovasculares. Tais fitoconstituintes são relatados como potenciais agentes antimicrobianos, principalmente frente às bactérias Gram positivas23. Entretanto, eles se mostraram ativos contra a maioria das cepas testadas, em especial o carvacrol.
Estudos realizados a partir de extratos produzidos de folhas adultas de Ficus benjamina confirmaram a atividade antibacteriana dos constituintes dessa planta e obtiveram uma CIM de 1.024 µg/mL contra cepas de E. coli24, corroborando o resultado obtido na cepa E. coli 25, quando testada a atividade do timol no presente trabalho.
De acordo com a literatura, a ação biológica de ambos os fitoconstituintes pode ser atribuída à indução nas deformações da membrana celular que ambos causam, alterando a sua permeabilidade. Além disso, é possível que núcleos aromáticos presentes em sua estrutura e que contêm um grupo polar possam estabelecer ligações de hidrogênio com enzimas microbianas, o que provavelmente favoreceria a atividade antimicrobiana25,26. Também se pode atribuir a atividade antimicrobiana desses fitoconstituintes à sua suposta atividade pró-oxidante, dessa forma podendo torná-los excelentes agentes antimicrobianos quando em pequenas concentrações13.