INTRODUÇÃO
As infecções pelos vírus das hepatites, causadas por agentes hepatotrópicos primários, podem evoluir de forma aguda (até mesmo fulminante) ou crônica, de forma sintomática ou assintomática, dependendo do agente viral envolvido e de fatores imunogenéticos do paciente. Atualmente, são conhecidos cinco vírus responsáveis pelas diferentes hepatites humanas: os vírus das hepatites A (VHA), B (VHB), C (VHC), D (VHD) e E (VHE), que pertencem, respectivamente, às famílias Picornaviridae, Hepadnaviridae, Flaviviridae, Deltaviridae e Hepeviridae1.
De distribuição mundial, as hepatites virais A, B, C e D variam de frequência conforme a etiologia e as regiões geográficas. A hepatite A tem incidência pouco conhecida, devido à maioria das infecções serem oligossintomáticas ou assintomáticas. De acordo com informações da Organização Mundial da Saúde2, existem aproximadamente 2 bilhões de pessoas infectadas pelo VHB mundialmente; entre elas, 350 milhões são portadoras crônicas do vírus, sendo que a infecção pelo VHB representa a décima causa de morte em todo o mundo, resultando em 1 a 2 milhões de óbitos por ano. Existindo cerca de 150 a 170 milhões de infectados no mundo pelo VHC, no Brasil estima-se a presença de 3 a 4 milhões de portadores crônicos desse vírus1,3. A infecção pelo VHD ocorre em áreas endêmicas de hepatite B; calcula-se que existam 18 milhões de pessoas infectadas também em âmbito mundial. As taxas de mortalidade das hepatites virais agudas na Região Norte são as mais altas do país (de duas a cinco vezes maiores que a média brasileira)4.
A Microrregião de Parauapebas, localizada na Mesorregião do Sudeste Paraense, no estado do Pará, formada pelos municípios de Canaã dos Carajás, Água Azul do Norte, Curionópolis, Eldorado do Carajás e Parauapebas, junto com a Microrregião de Marabá, é o primeiro grande núcleo urbano atravessado pela ferrovia que transporta os minérios de Carajás ao porto de Itaqui, no estado do Maranhão, e vem sendo submetida a intenso fluxo migratório nos últimos anos, sob a influência das suas áreas de garimpo e da implantação de projetos de exploração de minérios5.
O município de Curionópolis apresentava população estimada de 17.844 habitantes em 2014. Pela ocorrência de ouro em Serra Pelada, na década de 1980, consolidou-se como núcleo de apoio aos garimpeiros e de residência para seus familiares, que não podiam, à época, ingressar na área de garimpo, desenvolvendo-se, dessa forma, uma comunidade de comércio e setor de serviços diversificados, consolidando Curionópolis como povoação definitiva, mesmo após o escasseamento do ouro na região5.
O município de Canaã dos Carajás, com população estimada de 32.366 habitantes em 2014, é um município com expressiva indústria de extração mineral. Originou-se a partir do Projeto de Assentamento Carajás, em 1982, pelo Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins (GETAT), do Governo Federal, para abrandar os conflitos pela posse de terra na região, particularmente na área conhecida como Bico do Papagaio. Por três anos, foram assentadas 1.551 famílias em área conhecida como Centro de Desenvolvimento Regional (Cedere). Após a extinção do GETAT, o Cedere foi desmembrado do município de Parauapebas, transformando-se no município de Canaã dos Carajás, cuja economia baseia-se na extração mineral, sendo a extração decobre seu principal agente de desenvolvimento econômico. A exploração do cobre produziu grande migração populacional para Canaã dos Carajás, motivada pela busca de trabalho. Por esse motivo, houve uma explosão populacional - de aproximadamente 6.000 habitantes em 2000, a população passou para cerca de 25.000 em 20035.
Como são áreas submetidas a mudanças, inclusive as de influência dos projetos de mineração, impõe-se a necessidade de conhecimento de padrões epidemiológicos atuais de determinadas doenças endêmicas na região, como é o caso das hepatites virais, padrões esses necessários para avaliar as transformações decorrentes desse fluxo migratório.
Considerando as condições socioeconômicas e ecológicas da Amazônia, onde a escassez de recursos assistenciais adiciona-se às distâncias e à coexistência de várias doenças infecciosas na mesma área e ao mesmo tempo, a abordagem, com o auxílio de métodos laboratoriais, mais a capacidade instalada da Seção de Hepatologia (SAHEP), do Instituto Evandro Chagas (IEC), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), favoreceu que fosse traçado o perfil sorológico das infecções por VHA, VHB, VHC e VHD em Canaã dos Carajás e Curionópolis.
O estudo objetivou definir a frequência de marcadores das infecções por VHA, VHB, VHC e VHD em amostras de soro de indivíduos, procedentes dos municípios de Canaã dos Carajás e Curionópolis, recebidas na SAHEP/IEC; de forma específica, determinar a soroprevalência de infecções por esses vírus de amostras procedentes desses municípios; levantar a frequência de portadores das infecções por VHB, VHC e VHD; e, avaliar a resposta vacinal contra o VHB.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo descritivo exploratório quantitativo, realizado nos laboratórios de sorologia e biologia molecular da SAHEP/IEC em Belém, Pará, Brasil, no período de agosto de 2012 a setembro de 2014, utilizando dados e amostras de sangue coletados, de forma aleatória, de indivíduos dos municípios de Canaã dos Carajás e Curionópolis, os quais, sensibilizados pelo conhecimento da ocorrência da pesquisa, manifestaram vontade de participar do estudo.
Os dados epidemiológicos foram obtidos por meio de ficha de inquérito individual. Foram coletados, por meio de punção venosa, cerca de 8 mL de sangue dos adultos e 5 mL das crianças que participaram da pesquisa, para exames sorológicos das hepatites virais. O material, identificado numérica e nominalmente, foi colocado em tubo de ensaio por 1 a 3 h em repouso, em temperatura ambiente, para retração do coágulo, e centrifugado por 15 min, a 3.000 G rotações por minuto. O soro obtido foi acondicionado em criotubos e refrigerado até seu transporte à SAHEP/IEC.
Na SAHEP, foram realizados, por técnica imunoenzimática, testes dos marcadores sorológicos do VHA (anti-VHA total; e, nas amostras de menores de 10 anos de idade, foi realizado o anti-VHA IgM), VHB (HBsAg, anti-HBc total, anti-HBs), VHC (anti-VHC) e VHD (anti-HD nas amostras HBsAg positivas), utilizando-se kits comerciais dos laboratórios Symbiosys®, bioMérieux®, ORTHO® e bioMérieux®, respectivamente. O excedente das amostras foi congelado em freezer a -70 ºC, ficando sob responsabilidade do IEC. Nas amostras anti-VHC positivo, foram efetuadas pesquisas para detecção do VHC-RNA por reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa (RT-PCR). Foram obedecidas as recomendações do fabricante em todos os testes, considerando-se duvidosos os resultados quando a densidade óptica se situou entre 20% para cima ou para baixo do limite de cut-off.
Tanto os resultados sorológicos como os dados das fichas de inquérito foram armazenados em base de dados da SAHEP/IEC (Hepatoware). Foi determinada a distribuição espacial dos casos detectados, com base em medidas epidemiológicas, incluindo-se o cálculo de frequência para casos prevalentes e sua relação com as variáveis demográficas.
Os resultados dos exames foram disponibilizados aos participantes da pesquisa, permitindo a adoção de medidas preventivas e de encaminhamento ao tratamento, se necessário, de acordo com o preconizado pelo Sistema de Vigilância e o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais da SVS/MS.
Com base na Resolução CNS no 196/1996, atualmente nº 466/2012, de junho de 2013, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa6, o projeto foi aprovado em 14 de dezembro de 2010, pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do IEC, com Parecer de Aprovação nº 040/2010 (CAAE: 0002.0.072.000-09).
RESULTADOS
ESTUDO TRANSVERSAL NO MUNICÍPIO DE CANAÃ DOS CARAJÁS
Entre agosto de 2012 e setembro de 2014, foram coletadas amostras de sangue de 825 indivíduos de Canaã dos Carajás. Entre os participantes da pesquisa, observou-se uma frequência de 53,3% (440/825) para indivíduos do sexo feminino e de 46,7% (385/825) para o masculino. Foi encontrada média de idade de 28,7 ± 19,7 anos (variação de 7 meses a 86 anos) e mediana, de 25 anos. A maior concentração de participantes estava na faixa de 10 a 19 anos (24,4%; 201/825) e a menos frequente entre os menores de 1 ano de idade (0,1%; 1/825).
O estudo detectou prevalência global de 76,4% (630/825) para o anti-VHA total+, com 23,6% (195/825) suscetíveis ao VHA. Em 31,2% (43/138) de amostras de participantes na faixa etária entre menores de 1 e 9 anos, foram realizadas sorologias anti-VHA IgM onde foi encontrado 1,1% (1/89) de positividade na faixa etária de 5 a 9 anos (Tabela 1).
Faixa etária (anos) | Total examinado | Anti-VHA total+ | Anti-VHA IgM+ | ||
---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||
< 1 | 1 | − | − | − | − |
1-4 | 48 | 11 | 22,9 | − | − |
5-9 | 89 | 32 | 36,0 | 1 | 1,1 |
10-19 | 201 | 130 | 64,7 | − | − |
20-29 | 119 | 107 | 89,9 | − | − |
30-39 | 119 | 111 | 93,3 | − | − |
40-49 | 106 | 103 | 97,2 | − | − |
50-59 | 69 | 67 | 97,1 | − | − |
60 > | 72 | 69 | 95,8 | − | − |
Sem informação | 1 | − | − | − | − |
Total | 825 | 630 | 76,4 | 1 | 0,1 |
Sinal convencional utilizado: − Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Quanto à hepatite B, detectou-se prevalência total de 55,9% (461/825) para algum marcador do VHB, com 44,1% (364/825) suscetíveis; 0,2% (2/825) eram portadores do VHB; 12,1% (100/825) apresentaram perfil de infecção pregressa pelo VHB; 1,7% (14/825) tinham perfil compatível com infecção pregressa ou atual pelo VHB; 41,8% (345/825) apresentaram resposta vacinal contra o VHB; e o perfil sorológico vacinal até 10 anos de idade se mostrou em 62,3% (86/138), conforme apresentado na tabela 2.
Faixa etária (anos) | Total examinado | HBsAg+ | Anti-HBc+/anti-HBs+ | Anti-HBs+isolado | Anti-HBc+isolado | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | ||
< 1 | 1 | − | − | − | − | − | − | − | − |
1-4 | 48 | − | − | − | − | 34 | 70,8 | 1 | 2,1 |
5-9 | 89 | − | − | − | − | 52 | 58,4 | − | − |
10-19 | 201 | − | − | 3 | 1,5 | 97 | 48,3 | 2 | 1,0 |
20-29 | 119 | − | − | 8 | 6,7 | 68 | 57,1 | − | − |
30-39 | 119 | − | − | 14 | 11,8 | 44 | 37,0 | 2 | 1,7 |
40-49 | 106 | 1 | 0,9 | 30 | 28,3 | 28 | 26,4 | 5 | 4,7 |
50-59 | 69 | 1 | 1,4 | 20 | 29,0 | 12 | 17,4 | 1 | 1,4 |
60 > | 72 | − | − | 25 | 34,7 | 10 | 13,9 | 3 | 4,2 |
Sem informação | 1 | − | − | − | − | − | − | − | − |
Total | 825 | 2 | 0,2 | 100 | 12,1 | 345 | 41,8 | 14 | 1,7 |
HBsAg+: Portador do VHB; Anti-HBc+/ anti-HBs+: Perfil de infecção pregressa pelo VHB; Anti-HBs+ isolado: Perfil compatível com proteção vacinal;
Anti-HBc+ isolado: Perfil compatível com infecção pregressa ou atual pelo VHB; Sinal convencional utilizado: − Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Entre as amostras HBsAg+, a pesquisa do marcador sorológico anti-HD se mostrou negativa. O estudo detectou prevalência de anti-VHC+ de 0,1% (1/825), em indivíduo do sexo masculino, com 49 anos de idade, confirmado por RT-PCR como portador do VHC, genótipo 1.
ESTUDO TRANSVERSAL NO MUNICÍPIO DE CURIONÓPOLIS
No período de 16 a 29 de janeiro de 2013, foram coletadas amostras de sangue de 376 indivíduos de Curionópolis. Observou-se uma frequência de 51,9% (195/376) para indivíduos do sexo masculino e de 48,1% (181/376) para o feminino. A média de idade da população foi de 37,2 ± 24 anos (variação de 5 meses a 99 anos) e a mediana, de 35 anos. As maiores concentrações de participantes foram encontradas nas faixas de 10 a 19 anos (22,6%; 85/376) e de maiores de 60 anos (21,8%; 82/376). A faixa etária menos frequente foi a de menores de 1 ano (0,3%; 1/376), conforme a tabela 3.
Faixa etária (anos) | Total examinado | Anti-VHA total+ | |
---|---|---|---|
N | % | ||
< 1 | 1 | 1 | 100,0 |
1-4 | 23 | 10 | 43,5 |
5-9 | 23 | 10 | 43,5 |
10-19 | 85 | 64 | 75,3 |
20-29 | 33 | 29 | 87,9 |
30-39 | 37 | 36 | 97,3 |
40-49 | 35 | 33 | 94,3 |
50-59 | 57 | 56 | 98,2 |
60 > | 82 | 80 | 97,6 |
Total | 376 | 319 | 84,8 |
O estudo detectou prevalência global de 84,8% (319/376) para o anti-VHA total+, com 15,2% (57/376) suscetíveis ao VHA. Em 44,7% (21/47) das amostras de participantes, na faixa etária entre menores de 1 e 9 anos, foram realizadas sorologias anti-VHA IgM, com resultados negativos em todas as amostras examinadas (Tabela 3).
Em relação à hepatite B, detectou-se prevalência total de 63,6% (239/376) para algum marcador do VHB, com 36,4% (137/376) suscetíveis ao vírus; 0,5% (2/376) apresentaram HBsAg+; 20,2% (76/376) anti-HBc total+/anti-HBs+; e 3,5% (13/376) anti-HBc+ isolado. Entre os examinados, 39,4% (148/376) demonstraram resposta vacinal contra o VHB (anti-HBs+ isolado), e o perfil sorológico vacinal, até os 10 anos de idade, mostrou-se em 68,1% (32/47), conforme apresentado na tabela 4.
Faixa etária (anos) | Total examinado | HBsAg+ | Anti-HBc+/anti-HBs+ | Anti-HBc+isolado | Anti-HBs+isolado | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | ||
< 1 | 1 | − | − | − | − | − | − | − | − |
1-4 | 23 | − | − | − | − | − | 16 | 69,6 | |
5-9 | 23 | − | − | − | − | − | 16 | 69,6 | |
10-19 | 85 | − | − | − | 1 | 1,2 | 51 | 60,0 | |
20-29 | 33 | − | 2 | 6,1 | 1 | 3,0 | 18 | 54,5 | |
30-39 | 37 | − | 7 | 18,9 | − | − | 17 | 45,9 | |
40-49 | 35 | − | 4 | 11,4 | 1 | 2,9 | 7 | 20,0 | |
50 - 59 | 57 | 2 | 3,5 | 23 | 40,4 | 4 | 7,0 | 8 | 14,0 |
60 > | 82 | − | − | 40 | 48,8 | 6 | 7,3 | 15 | 18,3 |
Total | 376 | 2 | 0,5 | 76 | 20,2 | 13 | 3,5 | 148 | 39,4 |
HBsAg+: Portador do VHB; Anti-HBc+/ anti-HBs+: Perfil de infecção pregressa pelo VHB; Anti-HBs+ isolado: Perfil compatível com proteção vacinal;
Anti-HBc+ isolado: Perfil compatível com infecção pregressa ou atual pelo VHB; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Entre as amostras HBsAg+, a pesquisa do marcador sorológico anti-HD se mostrou negativa. Nesse município, detectou-se prevalência de anti-VHC+ de 0,5% (2/376). Entre os anti-VHC+, houve a confirmação por RT-PCR de portadores do VHC, genótipo 1, de dois indivíduos: um do sexo masculino, com 57 anos de idade; e outro do feminino, com 48 anos.
DISCUSSÃO
Segundo Hadler e Margolis7, existem cinco padrões soroepidemiológicos de infecção pelo VHA em todo o mundo: áreas de muito alta, alta, intermediária, baixa e muito baixa endemicidade. Um estudo realizado a respeito da hepatite A na Amazônia brasileira encontrou soroprevalência de 92,8%, maior que a média nacional encontrada em 2000, que era de 64,7%, classificando a Região Norte como área de alta endemicidade para o VHA4.
Um estudo que incluiu 26 capitais de cinco macrorregiões do Brasil e o Distrito Federal, realizado entre 2004 e 2009, com indivíduos na faixa etária de 5 a 19 anos, identificou prevalência para a exposição à infecção pelo VHA de 39,5%, colocando o conjunto das capitais do Brasil, inclusive as capitais da Região Norte, como de endemicidade intermediária para o VHA. Esse estudo identificou associação direta entre idade e soropositividade para o anti-VHA e uma associação inversa entre soropositividade para o anti-VHA e as condições socioeconômicas dos indivíduos8,9.
Dados do MS informaram que, entre 2005 e 2014, houve um decréscimo no número de casos diagnosticados anualmente de hepatite A, que a maior concentração de casos encontrava-se na faixa de 5 a 6 anos de idade, e que as Regiões Norte e Nordeste foram as responsáveis pelo maior número de casos10.
No estado do Pará, foram notificados e confirmados, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), em 2015, 806 casos de hepatites virais, dos quais 43,9% foram classificados etiologicamente como hepatite A, sendo que, entre os casos notificados de hepatite A no Pará, 2,4% estavam na Região de Saúde de Carajás11.
As soroprevalências de 76,4% e de 84,8% para anti-VHA total+ encontradas em Canaã dos Carajás e Curionópolis, respectivamente, classificaram esses municípios como de alta endemicidade para o VHA.
O estudo que envolveu as capitais brasileiras, incluindo o Distrito Federal, realizado entre 2004 e 2009, apresentou resultado global da prevalência para o marcador de infecção do VHB (anti-HBc) de 7,4% e prevalência de HBsAg de 0,4%, classificando o conjunto das capitais brasileiras como de baixa endemicidade para o VHB. A prevalência de anti-HBc, referente ao conjunto das capitais da Região Norte, foi de 10,9% e de 0,6% para o HBsAg, classificando o conjunto das capitais do Norte como de baixa endemicidade para o VHB8,9.
Segundo o Boletim Epidemiológico do MS10, entre 2005 e 2014, observou-se que não houve mudanças significativas quanto à notificação de casos de hepatite B, que a faixa etária mais acometida encontrava-se entre 20 e 40 anos, e que as regiões Sul e Sudeste apresentaram o maior número de casos diagnosticados, provavelmente devido a um melhor sistema de vigilância epidemiológica.
Entre os 806 casos de hepatites virais notificados e confirmados no Sinan, em 2015, no Pará, 33,5% foram classificados como hepatite B; entre esses, 4,5% estavam na Região de Saúde de Carajás11.
Um estudo de revisão da literatura sobre a distribuição da infecção pelo VHB no Brasil, realizado por Souto12, indicou uma tendente redução da prevalência da hepatite B em âmbito nacional, classificando o Brasil como sendo de baixa endemicidade para o VHB. Essa revisão também mostrou a necessidade de intensificar estratégias de vacinação para jovens e adultos em regiões mais isoladas, como a Região Amazônica, e em grupos específicos, a exemplo dos sem-teto em grandes cidades e das comunidades afrodescendentes.
Neste estudo, em Canaã dos Carajás, foi encontrada prevalência total de 55,9% de infecção pelo VHB na população pesquisada, mostrando padrão de endemicidade intermediária2,13,14. A presença de 0,2% de portadores do VHB na faixa etária entre 40 e 59 anos, a existência de 44,1% suscetíveis ao vírus, a resposta vacinal de 41,8%, com perfil imunológico vacinal até 10 anos de idade de 62,3%. Em Curionópolis, houve prevalência total de 63,6% de infecção pelo VHB, mostrando padrão de alta endemicidade2,13,14, a presença de 0,5% portadores do VHB, com HBsAg+ na faixa etária entre 50 a 59 anos, a existência de 36,4% de suscetíveis ao vírus, resposta vacinal de 39,4%, com perfil imunológico vacinal até 10 anos de idade de 68,1%. Esses resultados revelaram que medidas de controle da infecção vêm sendo desenvolvidas, mas que é preciso intensificar a vacinação contra a hepatite B nos municípios. A vacina está disponível para todos os indivíduos, nas salas de vacinação do Sistema Único de Saúde, independentemente de idade ou de condições de vulnerabilidade, conforme Nota Informativa no 149/2015/CGPNI/DEVIT/SVS/MS15.
O resultado global da prevalência para o marcador anti-VHC das capitais brasileiras foi de 1,38%, classificando o conjunto de capitais do Brasil como de baixa endemicidade para o VHC. O conjunto das capitais da Região Norte mostrou prevalência de 2,1%, mais elevada que a de outras regiões do país8,9.
Do total de casos de hepatite C notificados ao Sinan, entre 2004 e 2014, não houve alterações significativas, à exceção do ano de 2013, quando foi detectada uma elevação de 49,0% em relação à média do período. A faixa etária mais acometida encontrava-se entre 40 e 65 anos, e as Regiões Sul e Sudeste responderam por cerca de 86,0% dos casos, sendo que somente a Região Sudeste foi responsável pela notificação de aproximadamente 60,0% dos casos no Brasil10.
Entre os 806 casos de hepatites virais notificados e confirmados no Sinan, em 2015, no Pará, 17,4% foram classificados como hepatite C; entre esses, apenas 0,6% estava na Região de Saúde de Carajás11.
As soroprevalências de 0,1% e de 0,5% de anti-VHC+, encontradas em Canaã dos Carajás e em Curionópolis, respectivamente, classificaram esses municípios como de baixa endemicidade para o VHC. Nas amostras anti-VHC+, foram confirmados por RT-PCR indivíduos portadores do VHC, todos genótipo 1, reforçando que é preciso estar atento para o controle da infecção, sendo necessário desenvolver, nesses municípios, atividades visando ampliar as medidas de controle e prevenção.
A não detecção de portadores do VHD, nas amostras HBsAg+ nos estudos, indicou, por se tratar de um vírus defectivo, a necessidade também da presença do VHB para se tornar infectante. A vacinação em massa contra a hepatite B constitui-se na maneira mais eficaz de redução da prevalência e incidência da infecção pelo VHD nos casos de coinfecção VHB e VHD, o mesmo não se aplicando aos casos de superinfecção1.
CONCLUSÃO
O estudo realizado em Canaã dos Carajás caracterizou laboratorialmente alta prevalência de infecção pelo VHA; indicou a presença de portadores crônicos e de suscetíveis para o VHB e insuficiente cobertura vacinal contra o VHB; identificou um portador do VHC, genótipo 1; e não constatou a ocorrência de indivíduos portadores do VHD. Além disso, foi possível classificar o Município como de alta endemicidade para o VHA; de intermediária endemicidade para o VHB; e de baixa endemicidade para VHC e VHD.
Em Curionópolis, a caracterização laboratorial mostrou alta prevalência de infecção pelo VHA; detecção de portadores crônicos e de suscetíveis ao VHB e ainda baixa cobertura vacinal contra esse vírus; presença de portadores do VHC, com genótipo 1; e ausência de infectados pelo VHD. Concluiu-se que esse Município era de alta endemicidade para VHA e VHB e de baixa endemicidade para VHC e VHD.
Os resultados encontrados para a infecção pelo VHA, em ambos os municípios, são um reflexo das condições sanitárias e de higiene desfavoráveis, evidenciando a necessidade de desenvolver ou aprimorar atividades de saneamento básico e de controle de dejetos e do lixo, disponibilizar água potável à população, implementar ações educativas e de esclarecimentos à comunidade sobre a doença e formas de prevenção, assim como ampliar as atividades da vigilância epidemiológica, melhorando as ações de notificação, investigação de casos/surtos e encerramento de casos. Propõe-se que a Vacina Adsorvida Hepatite A (inativada) purificada, disponibilizada pelo Programa Nacional de Imunização do MS, a partir de 2014, seja implantada, levando-se em consideração o elevado número de suscetíveis entre os menores de 4 anos de idade detectado nos municípios.
Em relação ao VHB, o grande número de suscetíveis revelado pelo estudo apontou a necessidade de intensificar a vacinação contra a hepatite B nos municípios, considerando o intenso fluxo migratório para a área de mineração, o que poderia proporcionar um aumento da transmissão do VHB. Reitera-se, portanto, a importância da vacinação contra o VHB como medida de controle e prevenção mais confiável, efetiva e de maior impacto contra o vírus.
Em virtude da detecção de infectados e portadores do VHC nos municípios estudados, associada à inexistência de medidas de prevenção, como a vacina ou a imunoglobulina, os meios mais adequados de proteção seriam: envolver atividades relacionadas à análise de sangue e hemoderivados, órgãos, tecidos e sêmen; medidas adequadas de esterilização de materiais de reuso; instituição de programas de aconselhamento para redução de riscos e danos; testagem de indivíduos em situação de risco; tratamento dos infectados; atividades educativas; e aprimoramento de medidas de prevenção da propagação da infecção.
A ausência de portadores do VHD e a presença de indivíduos infectados pelo VHB poderão propiciar, se medidas de vigilância epidemiológica não forem efetivadas nesses municípios, o surgimento da infecção pelo VHD, contribuindo para isso o elevado número de trabalhadores e de suas famílias que se deslocam para esses municípios, atraídos pelas ofertas de trabalho e de melhores condições de vida.