INTRODUÇÃO
A hepatite B é um grande problema de saúde pública mundial, pois estima-se que mais de 2 bilhões de pessoas possuam evidência sorológica de infecção presente ou passada pelo vírus da hepatite B (HBV)1,2, das quais 240 milhões mantêm-se como portadores de hepatite B crônica2,3, com possibilidades de desenvolver complicações como cirrose hepática ou hepatocarcinoma4,5.
Em 2010, um estudo6 de base populacional avaliou a prevalência de hepatites virais em 26 capitais e no Distrito Federal, incluindo indivíduos na faixa etária de 10 a 69 anos, o qual evidenciou soroprevalência global de 7,4% para o anti-HBc total, alcançando 10,9% no grupo das capitais da Região Norte do país. Com relação ao marcador HBsAg, a prevalência global para o conjunto das capitais foi de 0,37%, porém atingindo 0,63% nas capitais nortistas. Segundo os autores, a principal limitação desse estudo foi a exclusão de populações que residiam em áreas onde as condições econômicas e de saúde eram mais críticas, como os municípios do interior, já que estudar somente as capitais e o Distrito Federal pode ter contribuído para dados subestimados de prevalência da infecção pelo HBV.
Na década de 1970, em Lábrea, estado do Amazonas, Bensabath e Boshel7 identificaram cerca de 70% de soropositividade ao anti-HBc total e 15% ao HBsAg na população. Foi implantado, nesse município, o programa de vacinação contra o HBV, e, 19 anos depois, Braga et al.8 evidenciaram mais de 50% da população com reatividade anti-HBc total e apenas 6,2% ao HBsAg, concluindo que, apesar de ter havido redução nos índices, a infecção pelo HBV mantém-se como um grande problema de saúde pública a ser vencido nas zonas rurais da Amazônia.
No estado do Pará, Aquino et al.9, usando uma amostra de conveniência de indivíduos que buscaram o Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) do Pará, no período de 2002 a 2005, para a realização de exames, encontraram soropositividade de 3,6% para o HBsAg e 37,7% para o anti-HBc total. Em crianças de 0 a 9 anos de idade, a reatividade ao HBsAg foi de 2,2%.
Estudos realizados no estado do Acre indicaram que a prevalência do HBV na população tem variado de 40,2 a 61,5%10,11,12. Há estudos que detectaram reatividade de 3,3% ao HBsAg na população acreana10,12, havendo comprovação de transmissão intrafamiliar do vírus correlacionada ao compartilhamento de objetos de uso pessoal, como escovas de dentes13.
O carcinoma hepatocelular consiste em uma das consequências da infecção crônica pelo HBV e, segundo Nakashima et al.14, as taxas de mortalidade por neoplasia maligna do fígado e vias biliares, no período de 2002 a 2006, na capital acreana, foram de 11,7/100.000 no sexo masculino e de 6,7/100.000 no feminino.
Este estudo foi desenvolvido no intuito de estimar a prevalência do HBV na população do município acreano de Porto Acre, podendo contribuir para a detecção precoce da infecção ativa pelo HBV e para o acompanhamento especializado dos indivíduos acometidos por esse vírus.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizou-se um estudo transversal durante o ano de 2012, no município acreano de Porto Acre, o qual dista cerca de 50 km de Rio Branco, capital do Estado e, em 2009, apresentava uma população de 13.716 habitantes15.
Foram realizados atendimentos em voluntários, moradores de Porto Acre, que compareceram a três centros de saúde pertencentes ao município - Sede, Vila do Incra e Vila do "V". Visando estimar a prevalência da infecção ativa pelo HBV, calculou-se o tamanho mínimo da amostra em 494 pessoas (Epi InfoTM - Statcalc) da população municipal, com prevalência de 3,3% de casos de infecção pelo HBV, percentual detectado em outros estudos no Acre10,12; o erro admitido foi de 5%, além de ter sido feita inclusão de 20% a mais de indivíduos, devido à possibilidade de perdas durante o processo de coleta de dados.
Previamente, realizou-se, em Porto Acre, ampla divulgação sobre a pesquisa pelos agentes comunitários de saúde e pela rádio local. Os habitantes do Município foram convidados a comparecer como voluntários para serem submetidos à aplicação de um questionário clínico-epidemiológico e à realização de exames para hepatite B: teste rápido por imunocromatografia HBsAg (WAMA®, Brasil) e quimioluminescência (Architect®, Brasil) HBsAg e anti-HBc total; os reagentes ao HBsAg foram submetidos aos testes HBeAg (Architect®, Brasil), anti-HBe (Architect®, Brasil) e anti-HD (Dia Sorin®, Brasil).
Coletou-se sangue venoso de todos os voluntários, que foram testados para o marcador sorológico de contato prévio com o HBV, o anti-HBc total, e pelo teste rápido HBsAg por imunocromatografia. Os indivíduos reativos ao HBsAg por imunocromatografia foram também testados pelo teste HBsAg por quimioluminescência. Diante de amostras que resultaram em teste rápido HBsAg reagente e por quimioluminescência não reagente, houve submissão à quimioluminescência para anti-HBs; tendo o mesmo resultado não reagente, realizou-se HBV-DNA quantitativo. Os indivíduos identificados como portadores da infecção pelo HBV foram atendidos no próprio Município por profissionais especializados e referenciados ao serviço médico no Serviço de Atendimento Especializado (SAE) de Rio Branco. Usou-se o programa SPSS v20.0 para análise dos dados.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Fundação Hospital Estadual do Acre, com o título "Panorama da hepatite B no município de Porto Acre", em 28 de setembro de 2010, sob parecer no 043/2010.
RESULTADOS
Foram incluídas 646 pessoas no estudo, as quais realizaram o teste rápido para hepatite B, que resultou em 17/646 (2,6%) reagentes que foram submetidos ao HBsAg por quimioluminescência. Desses, 14 (82,3%) foram confirmados para infecção pelo HBV, evidenciando-se 2,2% (14/646) de prevalência da infecção ativa pelo HBV na população de Porto Acre (Tabela 1). Entre os três indivíduos com resultados falso-positivos ao teste imunocromatográfico, dois adquiriram imunidade ao HBV, provavelmente por contato prévio com o vírus (anti-HBc total e anti-HBs reagentes), e, em apenas um, o anti-HBs qualitativo (Architect®, Brasil) resultou não reagente; porém, realizado o HBV-DNA quantitativo, não houve detecção de partículas virais.
HBsAg | Anti-HBc total | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Reagente | Não reagente | |||||
N | % | N | % | N | % | |
Positivo | 14* | 6,8 | - | - | 14 | 2,2 |
Negativo | 192 | 93,2 | 440 | 100,0 | 632 | 97,8 |
Total | 206 | 31,9 | 440 | 68,1 | 646 | 100,0 |
* Todos HBeAg não reagentes, anti-HBe reagentes e anti-HD não reagentes; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Os 14 portadores da infecção ativa pelo HBV confirmados pela quimioluminescência foram não reagentes ao HBeAg e anti-HD total e reagentes ao anti-HBc total e anti-HBe (Tabela 1). Todos esses pacientes encontravam-se na fase de portadores inativos e foram acompanhados no SAE de Rio Branco.
Procedeu-se à quimioluminescência para anti-HBc total no soro dos 646 voluntários, dos quais 31,9% (206/646) apresentaram reatividade a esse marcador, porém apenas 2,2% (14/646) foram reativos ao HBsAg, o que pode ser considerado como percentual de cronificação do HBV nessa população (Tabela 1).
A maioria dos indivíduos do total da amostra pertencia ao gênero feminino 372/646 (57,6%), e 184/646 (28,5%) eram crianças ou adolescentes. Em decorrência de certos comportamentos de risco - relação sexual desprotegida, realização de cirurgias, presença de tatuagens, uso abusivo de álcool ou drogas ilícitas - serem muito mais frequentes em pessoas a partir da adolescência, optou-se por excluir todas as crianças (101 no total) para análise relacionada à presença de HBsAg. O uso abusivo de álcool foi a única variável relacionada à presença do HBsAg entre os 545 indivíduos avaliados (Tabela 2).
Variáveis | HBsAg | Total | p* | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Reagente | Não reagente | ||||||
N | % | N | % | N | % | ||
Faixa etária (anos) | |||||||
12-19 | - | - | 83 | 15,6 | 83 | 15,2 | 0,234 |
20-29 | 1 | 7,1 | 80 | 15,1 | 81 | 14,8 | |
30-39 | 2 | 14,3 | 109 | 20,5 | 111 | 20,4 | |
40-49 | 5 | 35,7 | 100 | 18,8 | 105 | 19,3 | |
≥ 50 | 6 | 42,9 | 159 | 30,0 | 165 | 30,3 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 531 | 100,0 | 545 | 100,0 | |
Gênero | |||||||
Masculino | 5 | 35,7 | 218 | 41,0 | 223 | 40,9 | 0,353 |
Feminino | 9 | 64,3 | 313 | 59,0 | 322 | 59,1 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 531 | 100,0 | 545 | 100,0 | |
Cirurgias prévias | |||||||
Não | 6 | 42,9 | 312 | 58,8 | 318 | 58,3 | 0,395 |
Sim | 8 | 57,1 | 219 | 41,2 | 227 | 41,7 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 531 | 100,0 | 545 | 100,0 | |
Presença de tatuagens | |||||||
Não | 14 | 100,0 | 478 | 91,0 | 492 | 91,3 | 0,411 |
Sim | - | - | 47 | 9,0 | 47 | 8,7 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 525 | 100,0 | 539† | 100,0 | |
Compartilhamento de objetos de uso pessoal | |||||||
Nunca | 6 | 42,9 | 196 | 36,9 | 202 | 37,1 | 0,528 |
Sempre | 5 | 35,7 | 216 | 40,8 | 221 | 40,7 | |
Às vezes | 3 | 21,4 | 118 | 22,3 | 121 | 22,2 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 530 | 100,0 | 544‡ | 100,0 | |
Relação sexual desprotegida com portador do HBV | |||||||
Não | 10 | 90,9 | 380 | 93,4 | 390 | 93,3 | 0,854 |
Sim | 1 | 9,1 | 27 | 6,6 | 28 | 6,7 | |
Subtotal | 11 | 100,0 | 407 | 100,0 | 418§ | 100,0 | |
Uso de drogas ilícitas | |||||||
Não | 14 | 100,0 | 499 | 94,2 | 513 | 94,3 | 0,570 |
Sim | - | - | 31 | 5,8 | 31 | 5,7 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 530 | 100,0 | 544‡ | 100,0 | |
Uso abusivo de bebidas alcoólicas | |||||||
Não | 7 | 50,0 | 402 | 75,7 | 409 | 75,0 | 0,006 |
Sim | 7 | 50,0 | 129 | 24,3 | 136 | 25,0 | |
Subtotal | 14 | 100,0 | 531 | 100,0 | 545 | 100,0 |
* Teste qui-quadrado de Pearson; † Dado ausente na ficha de seis indivíduos; ‡ Dado ausente na ficha de um indivíduo; § Dado ausente na ficha de 127 indivíduos; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Apesar do contato prévio com o HBV ter sido maior em indivíduos nas faixas etárias mais avançadas, 9,2% (17/184) das crianças e adolescentes incluídos na pesquisa mostraram-se reagentes ao anti-HBc total. O contato prévio com HBV também foi maior entre pessoas do gênero masculino, naquelas que relataram procedimentos cirúrgicos prévios, nas que possuíam tatuagens e nas que referiram uso abusivo de bebidas alcoólicas. Variáveis como compartilhamento de objetos de uso pessoal, relação sexual desprotegida com portador do HBV e uso de drogas ilícitas não foram relacionadas à maior reatividade ao anti-HBc total (Tabela 3).
Variáveis | Anti-HBc total | Total | p* | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Reagente | Não reagente | ||||||
N | % | N | % | N | % | ||
Faixa etária (anos) | |||||||
1-10 | 7 | 3,3 | 80 | 18,2 | 87 | 13,5 | 0,000 |
11-19 | 10 | 4,9 | 87 | 19,8 | 97 | 15,0 | |
20-29 | 16 | 7,8 | 65 | 14,8 | 81 | 12,5 | |
30-39 | 44 | 21,4 | 67 | 15,2 | 111 | 17,2 | |
40-49 | 48 | 23,3 | 57 | 12,9 | 105 | 16,3 | |
≥ 50 | 81 | 39,3 | 84 | 19,1 | 165 | 25,5 | |
Subtotal | 206 | 100,0 | 440 | 100,0 | 646 | 100,0 | |
Gênero | |||||||
Masculino | 108 | 52,4 | 166 | 37,7 | 274 | 42,4 | 0,000 |
Feminino | 98 | 47,6 | 274 | 62,3 | 372 | 57,6 | |
Subtotal | 206 | 100,0 | 440 | 100,0 | 646 | 100,0 | |
Cirurgias prévias | |||||||
Não | 117 | 56,8 | 298 | 67,7 | 415 | 64,2 | 0,007 |
Sim | 89 | 43,2 | 142 | 32,3 | 231 | 35,8 | |
Subtotal | 206 | 100,0 | 440 | 100,0 | 646 | 100,0 | |
Presença de tatuagens | |||||||
Não | 188 | 94,5 | 304 | 89,4 | 492 | 91,3 | 0,044 |
Sim | 11 | 5,5 | 36 | 10,6 | 47 | 8,7 | |
Subtotal | 199 | 100,0 | 340 | 100,0 | 539† | 100,0 | |
Compartilhamento de objetos de uso pessoal | |||||||
Nunca | 80 | 38,8 | 158 | 36,1 | 238 | 37,0 | 0,400 |
Sempre | 77 | 37,4 | 188 | 42,9 | 265 | 41,1 | |
Às vezes | 49 | 23,8 | 92 | 21,0 | 141 | 21,9 | |
Subtotal | 206 | 100,0 | 438 | 100,0 | 644‡ | 100,0 | |
Relação sexual desprotegida com portador do HBV | |||||||
Não | 150 | 93,2 | 340 | 95,2 | 490 | 94,6 | 0,335 |
Sim | 11 | 6,8 | 17 | 4,8 | 28 | 5,4 | |
Subtotal | 161 | 100,0 | 357 | 100,0 | 518§ | 100,0 | |
Uso de drogas ilícitas | |||||||
Não | 198 | 96,1 | 416 | 94,8 | 614 | 95,2 | 0,453 |
Sim | 8 | 3,9 | 23 | 5,2 | 31 | 4,8 | |
Subtotal | 206 | 100,0 | 439 | 100,0 | 645|| | 100,0 | |
Uso abusivo de bebidas alcoólicas | |||||||
Não | 138 | 67,0 | 372 | 84,5 | 510 | 78,9 | 0,000 |
Sim | 68 | 33,0 | 68 | 15,5 | 136 | 21,1 | |
Subtotal | 206 | 100,0 | 440 | 100,0 | 646 | 100,0 |
* Teste qui-quadrado de Pearson; † Dado ausente na ficha de seis indivíduos; ‡ Dado ausente na ficha de dois indivíduos; § Dado ausente na ficha de 127 indivíduos; || Dado ausente na ficha de um indivíduo.
DISCUSSÃO
Na Amazônia brasileira, é frequente a infecção pelo HBV, havendo acentuadas diferenças de prevalência entre as localidades6,8,10,12,16. No Brasil, a obrigatoriedade da realização de triagem sorológica para o HBV nos hemocentros, a partir de 198817, e a incorporação de testes rápidos para hepatite B na atenção básica de saúde18 vêm contribuindo para o diagnóstico precoce da infecção e, consequentemente, oportunizando o acompanhamento médico especializado aos acometidos. No entanto, raramente os testes rápidos estão disponíveis às populações moradoras nos municípios do interior dos Estados brasileiros. Devido a essa restrição, e sendo a infecção pelo HBV, na maioria das vezes, totalmente assintomática ou oligossintomática, o diagnóstico é postergado e realizado quase que exclusivamente quando os portadores do HBV já desenvolveram cirrose hepática e/ou o hepatocarcinoma4,5, o que dificulta o manejo e o prognóstico desses enfermos.
Apesar das autoridades de saúde e da própria população do Acre reconhecerem que a hepatite B é um grande problema de saúde pública, os dados existentes sobre a infecção pelo HBV no Estado são escassos e obtidos por meio de estudos pontuais, mostrando percentuais variáveis entre as localidades/populações estudadas10,11,12. Devido à inexistência de estudos prévios que tenham avaliado a situação da infecção pelo HBV na população do município de Porto Acre, tornou-se impossível o comparativo temporal da situação de saúde no que tange à infecção por esse vírus naquela localidade.
Em 2012, durante a realização do estudo em Porto Acre, não havia qualquer posto de saúde ou laboratório que coletasse o soro, realizasse teste rápido ou fizesse sorologia para o HBV. Tal fato fez com que a população de Porto Acre fosse extremamente receptiva ao estudo. A busca pelo atendimento foi maior por parte das mulheres, que trouxeram os filhos, sendo de 28,5% a proporção total de crianças e adolescentes nessa amostra. Tal circunstância poderá ter levado a um viés de amostragem, resultando em uma prevalência do HBV aquém da esperada, pois outros estudos evidenciaram que o HBV é mais prevalente no gênero masculino e em faixas etárias maiores11,12,19.
Em Porto Acre, os dados mostraram a existência de infecção passada pelo HBV em 29,7% (192/646), havendo infecção atual pelo vírus em 2,2% (14/646), o que caracteriza uma endemicidade intermediária baixa (2-4%) em relação a outras regiões do mundo3; e ainda menor que a verificada em estudos prévios efetivados em outros municípios acreanos, que obtiveram em média 3,3% de soropositividade ao HBsAg10,12. Esse fato pode estar relacionado ao viés de amostragem ou, ainda, ao fato de que Porto Acre nunca teve hospitais, portanto nesse município não houve possíveis transmissões do HBV por transfusão de sangue braço a braço (ausência de exames sorológicos); sendo que, nos municípios do interior do estado do Acre, essa prática foi comum até o ano de 1998, quando foram implantadas as unidades hemoterápicas.
No estado do Pará, a infecção ativa pelo HBV foi encontrada em 3,6%, porém não houve referência quanto aos municípios avaliados, sendo esta a média geral das amostras analisadas pelo Lacen do Pará9. Pereira et al.19 conduziram um estudo multicêntrico incluindo pessoas entre 13 e 69 anos de idade em nove capitais da Região Nordeste brasileira, três capitais da Região Centro-Oeste, além do Distrito Federal, e detectaram infecção ativa pelo HBV em menos de 1% nos indivíduos não vacinados. Aparentemente, apesar de haver um número maior de vacinados na Região Norte do país, o índice de infecção ativa ou prévia demonstra a maior transmissão viral nessa população6.
A frequência do marcador de contato para HBV também foi bastante elevada (31,9%) em Porto Acre, muito semelhante à de outros estados da Região Norte, como o Pará, onde foi detectada reatividade em 37,7% dos entrevistados9, e em localidades ribeirinhas de Porto Velho, Rondônia, onde se detectou 32,1%20. Entretanto, neste estudo, os percentuais de reatividade ao anti-HBc total foram menores que os resultantes de estudos anteriores realizados no Acre10,11,12, que obtiveram prevalência de 40,210 e 61,5%12. Talvez tal fato possa ser explicado pela ampliação da cobertura vacinal no Acre a partir de 1999. Sedimentando essa possibilidade, Lindenberg et al.21 mostraram que houve um decréscimo na prevalência de hepatite B nos últimos 10 anos em doadores de sangue em Campo Grande, estado do Mato Grosso do Sul, e apontaram as campanhas de vacinação como a principal causa para se explicar o achado.
Na Região Amazônica brasileira, alguns pesquisadores mostraram a importância da transmissão familiar ou horizontal do HBV13,22. O risco da transmissão horizontal e vertical do HBV é maior em recém-nascidos de mães com HBeAg positivo e varia de 70% a 90% aos 6 meses de idade. Cerca de 90% dessas crianças permanecerão cronicamente infectadas. Nos casos de mães HBeAg negativas, o risco da infecção perinatal entre os recém-nascidos varia de 10% a 40%, com risco de 40% a 70% dessas crianças tornarem-se cronicamente infectadas23.
O contato com o HBV aumenta conforme a faixa etária, o que é plenamente evidenciado na literatura médica6,14,24,25. Em Porto Acre, um dado de extrema relevância foi a detecção do anti-HBc total em 9,2% (17/184) das crianças e adolescentes incluídos no estudo, evidenciando o contato precoce com o HBV, fato antes comprovado por Lobato et al.13, que evidenciaram a presença do HBV em menores de 1 ano de idade nascidos de mães portadoras do vírus. No Pará, Aquino et al.9 detectaram 6,9% de reatividade ao marcador de contato para HBV em menores de 19 anos. As pessoas que se submeteram previamente à cirurgia apresentaram maior reatividade ao marcador de contato do HBV, pois, durante as cirurgias, a transmissão do HBV pode ser feita por meio de materiais não esterilizados e ainda pelas hemotransfusões a que os pacientes podem ser submetidos. Diversos estudos com anti-HBc total isolado evidenciaram infecção pós-transfusão de hemoderivados, com taxas de infectividade alcançando 17%26,27.
Em relação ao gênero, foi verificado maior percentual de anti-HBc total reagente em indivíduos masculinos, fato bastante sedimentado por outros pesquisadores25,28. Essa associação pode ser decorrente da maior exposição em virtude de relações sexuais desprotegidas, hipótese que é reforçada pela maior prevalência de outras doenças sexualmente transmissíveis nesse gênero29.
O uso de bebidas alcoólicas de forma abusiva se relacionou tanto ao marcador de exposição ao vírus quanto aos portadores de infecção ativa pelo HBV. Esse hábito, na verdade, é considerado de risco também para a aquisição de outras doenças consideradas sexualmente transmissíveis29. O etilismo é mais comum entre os indivíduos do gênero masculino e contribui para acelerar o processo de cirrose hepática e hepatocarcinoma em portadores de hepatite B crônica30,31.
CONCLUSÃO
A prevalência da infecção pelo HBV em Porto Acre evidencia a gravidade da situação, visto que um terço da amostra do estudo já entrou em contato com o vírus, valor provavelmente subestimado, dado que 28,5% foi composta por crianças e adolescentes que, normalmente, são grupos menos acometidos.
Levando-se em consideração que a amostra deste estudo foi de conveniência, havendo grande participação feminina e ainda de crianças e adolescentes, e que trabalhos anteriores mostraram que a infecção por HBV ocorre com maior frequência em indivíduos adultos do gênero masculino, acredita-se que um estudo de base populacional poderia detectar uma prevalência de infecção pelo HBV ainda maior nessa população.
Essa situação reforça a ideia de que há necessidade de avaliação dos programas de vacinação contra o HBV no Município, assim como da implementação de políticas que sirvam para reduzir a transmissão desse vírus nessa população.