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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6223versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.8 no.4 Ananindeua out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-62232017000400002 

ARTIGO DE OPINIÃO

Descrição de novas espécies de bactérias: o gênero Mycobacterium como exemplo*

Enrico Tortoli1 

1IRCCS Istituto Scientifico San Raffaele, Milano, Italia

A descrição de uma nova espécie bacteriana é um caminho longo e oneroso; ainda assim, continua sendo uma importante aspiração para muitos microbiologistas.

A base do processo depende de uma abordagem polifásica1, combinando uma série de investigações fenotípicas e genotípicas, realizadas pelo proponente, para apoiar a diversidade do organismo a partir dos táxons mais estreitamente conhecidos. Embora existam regras mínimas para tais identificações, nem todas são seguidas; entretanto, a determinação da sequência do rRNA 16S é praticamente o único requisito que permanece obrigatório. O International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology é o periódico oficial de registro de novos procariontes.

Devido à ausência de uma posição explícita contra a descrição formal de uma nova espécie baseada na identificação de uma única linhagem, o número de tais casos aumenta constantemente. O conceito de espécie, para procariontes em particular, dificilmente é definido, mas pode ser considerado como um 'grupo'. A descrição de uma espécie, baseada em um único isolado, na verdade é apenas uma descrição desse isolado, praticamente sendo excluída a biodiversidade. Isso é indiretamente confirmado pela alta porcentagem desses táxons, relatada na literatura, sem qualquer isolamento posterior. Para a maioria das espécies, as cepas depositadas na World Federation for Culture Collections continuam sendo a única prova de sua existência. Foi calculado que, são necessárias 25 cepas para a descrição precisa de uma espécie, e o limite mais baixo tolerável é 102, mas tais números raramente são alcançados. A espera para encontrar tantas cepas pode ser interminável e frustrante. Uma concessão razoável para a descrição confiável de uma nova espécie não pode ser inferior a dois, desde que cada um seja provado espacial e temporariamente independente.

Outro fator importante para propor uma nova espécie é a certeza de que ela não se sobrepõe a um táxon já aceito. O teste de Hibridização DNA-DNA (DDH)3 é referência para a circunscrição de espécies. Para verificar se duas cepas pertencem a espécies diferentes, a mistura de seus DNAs desnaturados é usada para reassociar moléculas híbridas (heteroduplex) em condições adequadas. O grau de similaridade é analisado comparando os resultados obtidos com os DNAs mistos àqueles com DNA puro (formando apenas homoduplex). O DDH fornece um limite numérico claro e objetivo: valores < 70% garantem a atribuição das duas cepas a espécies diferentes. O teste DDH é difícil e suscetível a erros4, portanto, limitando a implementação de poucos casos para a descrição de novas espécies. Atualmente, estão disponíveis algoritmos na bioinformática, validados por vários estudos, que podem ser usados para inferir o DDH a partir de dados genômicos; os mais conhecidos são a Identidade Média de Nucleotídeos (ANI)5 e a Genome to Genome Distance (GGD)6,7. O ANI representa um meio de identidade entre as regiões genômicas homólogas compartilhadas por dois genomas. Duas cepas caracterizadas pelo ANI com valor < 95% pertencem a espécies diferentes, quando o valor é > 96%, elas são membros de uma única espécie; uma atribuição confiável não é possível para valores entre 95% e 96%. O algoritmo do GGD é o equivalente ao DDH in silico e produz valores diretamente conversíveis em DDH%, consequentemente sujeito ao limite de 70% para demarcação de espécies.

Em um estudo recente, investigou-se todo o genoma de 144 das 180 espécies incluídas no gênero Mycobacterium. Nas análises realizadas com ANI e GGD foram detectadas 10 espécies ilegítimas, e criadas: quatro subespécies de M. intracellulare; três de M. farcinogenes e de M. abscessus; e dois de M. austroafricanum, M. marinum e de M. pyrenivorans (Tabela 1).

Tabela 1 - Espécies do gênero Mycobacterium

ANI% GGD
M. conceptionense M. farcinogenes M. senegalense 98.3-99.4 83-86
M. abscessus M. bolletii M. massiliense 97.2-97.4 85-88
M. chimaera M. intracellulare M. paraintracellulare M. yongonense 97.6-98.7 77-90
M. austroafricanum M. vanbaalenii 98.7 80
M. marinum M. pseudoshottsii 98.2 82
M. monacense M. pyrenivorans 97.5 84

* Em cada linha, o nome anterior, com base no ano de publicação, fica em negrito e passa a ser o nome da nova espécie. Os outros tornam-se nomes de subespécies e seguem o nome da nova espécie; DDH% equivalente aos valores GGD.

A necessidade de dados genômicos reunidos tem dificultado, até o momento, a exploração de ANI e GGD na descrição de novas espécies. Nos últimos anos, no entanto, a disponibilidade de dados genômicos confiáveis tornou-se cada vez mais fácil e econômica e, a taxonomia moderna deve seu crescimento à importante contribuição da informação genômica. Portanto, a determinação de todo o genoma, de cada espécie recém-descrita, é um requisito primário. Se ainda não estiver disponível em repositório público, a sequência 16S rRNA, mais próxima em semelhança com a espécie proposta, deve ser determinada. O ANI ou do GGD mais intimamente relacionado ao genoma deve ser calculado para evitar o risco de duplicação de uma espécie já existente. A disponibilidade de uma exaustiva caracterização genômica reduzirá a necessidade de caracterização detalhada das limitadas propriedades informativas, como características fenotípicas. A disponibilidade de genomas da maioria das espécies de Mycobacterium no GenBank poderia estabelecer, potencialmente, uma árvore baseada em genomas inteiros8, além das árvores filogenéticas tradicionais, baseadas em rRNA 16S ou em genes de manutenção concatenados.

REFERÊNCIAS

1 Vandamme P, Pot B, Gillis M, De Vos P, Kersters K, Swings J. Polyphasic taxonomy, a consensus approach to bacterial systematics. Microbiol Rev. 1996 Jun;60(2):407-38. [Link] [ Links ]

2 Sneath PHA. The maintenance of large numbers of strains of microorganisms, and the implications for culture collections. FEMS Microbiol Lett. 1977 Jun;1(6):333-4. Doi: 10.1111/j.1574-6968.1977.tb00645.x [Link] [ Links ]

3 Wayne LG, Brenner DJ, Colwell RR, Grimont PAD, Kandler O, Krichevsky MI, et al. Report of the Ad Hoc committee on reconciliation of approaches to bacterial systematics. Int J Syst Bacteriol. 1987 Oct;37(4):463-4. [Link] [ Links ]

4 Rosselló-Mora R, Amann R. The species concept for prokaryotes. FEMS Microbiol Rev. 2001 Jan;25(1):39-67. Doi: 10.1111/j.1574-6976.2001.tb00571.x [Link] [ Links ]

5 Kim M, Oh HS, Park SC, Chun J. Towards a taxonomic coherence between average nucleotide identity and 16S rRNA gene sequence similarity for species demarcation of prokaryotes. Int J Syst Evol Microbiol. 2014 Feb;64(Pt 2):346-51. Doi: 10.1099/ijs.0.059774-0 [Link] [ Links ]

6 Auch AF, von Jan M, Klenk HP, Goker M. Digital DNA-DNA hybridization for microbial species delineation by means of genome-to-genome sequence comparison. Stand Genomic Sci. 2010 Jan;2(1):117-34. Doi: 10.4056/sigs.531120 [Link] [ Links ]

7 Meier-Kolthoff JP, Auch AF, Klenk HP, Göker M. Genome sequence-based species delimitation with confidence intervals and improved distance functions. BMC Bioinformatics. 2013 Feb;14:60. Doi: 10.1186/1471-2105-14-60 [Link] [ Links ]

8 Fedrizzi T, Meehan CJ, Grottola A, Giacobazzi E, Serpini GF, Tagliazucchi S, et al. Genomic characterization of nontuberculous mycobacteria. Sci Rep. 2017 Mar;7:45258. Doi: 10.1038/srep45258 [Link] [ Links ]

Se refere ao doi: 10.5123/S2176-62232017000400002, publicado originalmente em inglês. Traduzido por: Patrícia Campelo Haick

*Artigo de opinião escrito por Palestrante do II Encontro Científico Internacional do Instituto Evandro Chagas, com realização no período de 25 a 27 de outubro de 2017, em Ananindeua, Pará, Brasil. Todos os artigos dessa modalidade foram analisados pela Comissão Científica do Evento e, posteriormente, pelos Editores da RPAS

Recebido: 20 de Setembro de 2017; Aceito: 11 de Outubro de 2017

Correspondência / Correspondence: Enrico Tortoli San Raffaele Scientific Institute San Michele Building, via Olgettina 60, 20132 - Milan, Italy - Phone #: +39 02 26435684 E-mail: tortoli.enrico@hsr.it

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