SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número4Descrição de novas espécies de bactérias: o gênero Mycobacterium como exemploContribuições para o desenho de estudos epidemiológicos sobre poluição por mercúrio na Amazônia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6223versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.8 no.4 Ananindeua out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-62232017000400003 

ARTIGO DE OPINIÃO

Epidemiologia molecular da tuberculose no Brasil: uma perspectiva da pesquisa translacional*

Emilyn Costa Conceição1  , Karla Valéria Batista Lima2  , Harrison Magdinier Gomes3  , Rafael Silva Duarte1 

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

2Instituto Evandro Chagas/SVS/MS, Seção de Bacteriologia e Micologia, Ananindeua, Pará, Brasil

3Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Micobactérias, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

A tuberculose (TB), doença causada principalmente pelo Mycobacterium tuberculosis (MTB), continua a ser a principal ameaça à saúde global, apesar dos esforços para conter a epidemia. Em 2015, havia cerca de 10,4 milhões de novos casos de TB no mundo, matando mais pessoas do que o HIV e a malária. No cenário internacional, embora a taxa de incidência de TB tenha diminuído, nos últimos nove anos, de 41,5 para 33,6 casos/100.000 habitantes, no ano de 2000, o Brasil ocupava a 20ª posição na lista dos 22 países altamente atingidos pela doença, os quais são responsáveis por 80% do número total de casos novos de TB globalmente. Outra questão emergente é o aumento de TB multirresistente (MDR-TB), resistente pelo menos à isoniazida e rifampicina (RIF), os dois medicamentos anti-TB mais poderosos. Em 2015, havia uma estimativa de 480.000 novos casos de MDR-TB1.

O controle da TB requer uma coordenação complexa entre o diagnóstico precoce e a quimioterapia eficiente para interromper sua cadeia de transmissão2. É nesse aspecto que a pesquisa translacional (TR) visa melhorar a saúde do público, por meio de uma integração multidirecional e multidisciplinar de pesquisa básica, pesquisa orientada ao paciente e pesquisa de base populacional como o processo de passagem "do laboratório ao leito do doente"3,4. Assim, a TR está basicamente voltada para a inovação nas principais áreas de prevenção, diagnóstico e tratamento.

Nesta nova era de monitoramento da TB no mundo, ferramentas de biologia molecular são utilizadas para melhorar o diagnóstico precoce. A Organização Mundial da Saúde recomendou o teste rápido denominado Xpert® MTB/RIF (Cepheid; Sunnyvale, CA, EUA), realizado no GeneXpert® (Cepheid), que detecta a presença de MTB, e testes de resistência ao medicamento RIF. Um método de última geração chamado Xpert MTB/RIF Ultra e uma nova plataforma de diagnóstico chamada GeneXpert Omni estão em processo de desenvolvimento, juntamente com nove medicamentos (bedaquilina, delamanida, linezolida, PBTZ169, pretomanida, Q203, dose elevada de RIF, rifapentina e sutezolida), que estão em fases avançadas de testes clínicos para o tratamento de TB suscetível a drogas, TB resistente a drogas ou infecção latente de TB1. No entanto, a avaliação para a introdução do Xpert® no Brasil ainda está em andamento.

Existem três outros métodos de genotipagem, amplamente utilizados para diferenciar cepas de MTB: Spacer oligotyping (espoligotipagem), polimorfismo de comprimento de fragmento de restrição IS6110 e o padrão ouro, Unidades repetitivas intercaladas de micobactérias 24 loci - número variável de repetições em tandem (MIRU-VNTR); entre esses, os dois últimos são mais discriminatórios e tradicionalmente aplicados a estudos de transmissão e surto de TB. Com o avanço da tecnologia de sequenciamento de nova geração (NGS), a comunidade científica dos países desenvolvidos abraçou a Era Genômica, pois ela se tornou mais acessível e pode ser aplicada ao estudo da epidemiologia molecular de alta resolução da TB, evolução da resistência aos medicamentos, virulência e filogenômica por meio da identificação de polimorfismos de nucleotídeo único e pequenas inserções e deleções (Indels). Sequenciamento Completo do Genoma (WGS) tem rendido resultados mais confiáveis usando o NGS para entender a dinâmica de transmissão, ao invés de 24 loci MIRU-VNTR, sendo também capaz de prever (in silico) a genotipagem por espoligotipagem5. Em outras palavras, a análise de dados por WGS, utilizando ferramentas de bioinformática, é sugerida para substituir as técnicas genotípicas e, em uma perspectiva de longo prazo, também os testes fenotípicos.

O WGS é a abordagem mais refinada e precisa para estudar a epidemiologia da TB. Apesar da maior acessibilidade6,7, ainda não é introduzido na comunidade brasileira como uma ferramenta importante para melhorar a vigilância da TB no Programa Nacional de Controle da TB (PNCT). Na verdade, o Brasil ainda não abraçou a Era Genômica, e os estudos genotípicos ainda se restringem principalmente à pesquisa. Além disso, entre as cinco Regiões do Brasil, estudos genéticos detalhados do MTB foram realizados nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, enquanto muito pouco se sabe sobre a estrutura genética do MTB nas Regiões Norte e Nordeste, que registram alta incidência de TB.

Ferramentas moleculares devem ser aplicadas no diagnóstico de rotina e investigação epidemiológica de casos de TB, como observado em Cingapura, uma cidade-estado do Sudeste Asiático com Índice de Desenvolvimento Humano muito alto (0,925) em comparação com o Brasil (0,754), ocupando a 5ª posição e 79º respectivamente8, com um sistema de saúde de primeiro mundo e crescente população de imigrantes e turistas. Um estudo conduzido pelo Laboratório Central de Tuberculose (LCT) do Hospital Geral de Cingapura, que processa pelo menos 75% de todas as culturas de TB no país, usando espoligotipagem e 24 loci MIRU-VNTR, demonstrou que Cingapura tem uma distribuição grande e heterogênea de cepas de MTB, com possível transmissão cruzada nos últimos anos9. Com base nesses resultados, um programa universal de tipagem do complexo MTB, juntamente com investigações de contato avançado foram criados para uma maior compreensão da dinâmica de transmissão de TB localmente. Em 2016, foi realizado um treinamento no CTL sobre "tipagem molecular de Tuberculose-espoligo-rifampicina-isoniazida" (TB-SPRINT)10, genotipagem baseada em espoligotipagem automática e detecção MDR com aparelho Luminex, simultaneamente, foram observados os benefícios da TR tendo o LCT como modelo para estratégia de controle da TB. Existem resultados de testes fenotípicos e genotípicos para todos os pacientes com TB. Nesse momento, a pergunta pertinente é "O que falta para que isso seja aplicável no Brasil?".

A mesma questão surgiu em um curso colaborativo organizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Harvard TH Chan Escola de Saúde Pública em 2015. Após mapear os possíveis problemas de TB enfrentados pela população do Rio de Janeiro, o grupo de TB indicou a necessidade de mudanças nos aspectos estruturais e organizacionais do cuidado, e também forneceu suporte prático para seu aprimoramento. Observou-se que uma técnica essencial para o diagnóstico de rotina da TB envolve a cultura de MTB de crescimento lento, com duração superior a duas semanas, a partir da qual o diagnóstico da TB geralmente é realizado por indicações clínicas como esfregaço (baciloscopia) ou exames de radiografia. Embora, a cultura ainda seja o método de referência para testes de suscetibilidade a medicamentos e detecção de casos de TB pulmonar paucibacilar, concordou-se com o ditado popular prevalente no meio acadêmico, destacando os problemas relacionados ao diagnóstico de TB no Brasil: "O Brasil não tem cultura para solicitar Cultura de TB ". Além disso, o problema de casos subnotificados sugere que também é necessário mudar os cuidados básicos de saúde para o diagnóstico precoce.

Apesar da crise econômica e política no Brasil desde o passado recente, há uma razoável disponibilidade de mão de obra qualificada e equipamentos para realizar análises genéticas e baseadas em WGS. Do Norte ao Sul do Brasil, existem instituições tradicionais atuando em áreas que podem servir de apoio ao PNCT. Assim, pela abordagem da TR, a união entre a pesquisa básica da TB e a sua rotina pode desencadear o controle da doença com sucesso no Brasil. Além de sugerir estratégias e atualizar continuamente os profissionais das unidades básicas de saúde para prevenção da TB, há a necessidade de iniciar a implantação da genotipagem (e posteriormente WGS) como exames de rotina para diagnóstico e vigilância da TB, e de criar grupos capazes de rastrear a transmissão em cadeia e surtos, ou para buscar de maneira rápida de qualquer genótipo particular no sistema de controle epidemiológico.

Para tanto, a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose (REDE-TB) vem abrindo possibilidades "do laboratório ao leito do doente" da TR na TB. A REDE-TB é uma organização não governamental sem fins lucrativos, preocupada não apenas com o desenvolvimento de novos medicamentos, novas vacinas, novos testes diagnósticos e nova TB, mas também com a validação dessas inovações tecnológicas, de sua comercialização no Brasil e/ou sua implementação na PNCT. É com esse lema de compartilhamento de conhecimento e colaboração entre instituições sobre a epidemiologia molecular da TB, que se almeja avançar em uma direção que beneficiará o PNCT brasileiro.

REFERÊNCIAS

1 World Health Organization. Global tuberculosis report 2016 [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2017 Sep 28]. Available from: Available from: http://www.who.int/tb/publications/global_report/en/ . [ Links ]

2 Dalcolmo MP, Andrade MKN, Picon PD. Multiresistant tuberculosis in Brazil: history and control. Rev Saude Publica. 2007 Sep;41 Suppl 1:34-42. Doi: 10.1590/S0034-89102007000800006 [Link] [ Links ]

3 Rubio DM, Schoenbaum EE, Lee LS, Schteingart DE, Marantz PR, Anderson KE, et al. Defining translational research: implications for training. Acad Med. 2010 Mar;85(3):470-5. Doi: 10.1097/ACM.0b013e3181ccd618 [Link] [ Links ]

4 Guimarães R. Pesquisa translacional: uma interpretação. Cienc Saude Coletiva. 2013 jun;18(6):1731-44. Doi: 10.1590/S1413-81232013000600024 [Link] [ Links ]

5 Mokrousov I, Chernyaeva E, Vyazovaya A, Sinkov V, Zhuravlev V, Narvskaya O. Next-generation sequencing of Mycobacterium tuberculosis. Emerg Infect Dis. 2016 Jun;22(6):1127-9. Doi: 10.3201/eid2206.152051 [Link] [ Links ]

6 Cirillo DM, Cabibbe AM, De Filippo MR, Trovato A, Simonetti T, Rossolini GM, et al. Use of WGS in Mycobacterium tuberculosis routine diagnosis. Int J Mycobacteriol. 2016 Dec;5 Suppl 1:S252-3. Doi: 10.1016/j.ijmyco.2016.09.053 [Link] [ Links ]

7 Votintseva AA, Bradley P, Pankhurst L, Elias CO, Loose M, Nilgiriwala K, et al. Same-day diagnostic and surveillance data for tuberculosis via whole-genome sequencing of direct respiratory samples. J Clin Microbiol. 2017 May;55(5): 1285-98. Doi: 10.1128/JCM.02483-16 [Link] [ Links ]

8 United Nations Development Programme. Human Development Report 2016: human development for everyone [Internet]. New York: UNPD; 2016 [cited 2017 Oct 29]. Available from: Available from: http://hdr.undp.org/sites/default/files/2016_human_development_report.pdf . [ Links ]

9 Lim LKY, Sng LH, Win W, Chee CBE, Hsu LY, Mak E, et al. Molecular epidemiology of Mycobacterium tuberculosis complex in Singapore, 2006-2012. PLoS One. 2013 Dec;8(12):e84487. Doi: 10.1371/journal.pone.0084487 [Link] [ Links ]

10 Gomgnimbou MK, Hernández-Neuta I, Panaiotov S, Bachiyska E, Palomino JC, Martin A, et al. Tuberculosis-spoligo-rifampin-isoniazid typing: an all-in-one assay technique for surveillance and control of multidrug-resistant tuberculosis on Luminex devices. J Clin Microbiol. 2013 Nov;51(11):3527-34. Doi: 10.1128/JCM.01523-13 [Link] [ Links ]

Se refere ao doi: 10.5123/S2176-62232017000400003, publicado originalmente em inglês. Traduzido por: Patrícia Campelo Haick

*Artigo de opinião de Palestrante para o II Encontro Científico Internacional do Instituto Evandro Chagas, realizado de 25 a 27 de outubro de 2017, em Ananindeua, Pará, Brasil. Todos os artigos desta modalidade foram analisados pela Comissão Científica do Evento e, posteriormente, pelos Editores da RPAS

Recebido: 28 de Setembro de 2017; Aceito: 11 de Outubro de 2017

Correspondência / Correspondence: Emilyn Costa Conceição Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes AC Ilha do Fundão. Bairro: Cidade Universitária - CEP: 21941-972 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil - Tel.: +55 (21) 2560-8344 E-mail: emilyncosta@gmail.com

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License