INTRODUÇÃO
As hepatites virais B e C são doenças infecciosas que têm em comum o hepatotropismo e se constituem um importante problema de saúde pública em todo o mundo1.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 350 milhões de pessoas ao redor do mundo estão infectadas cronicamente pelo vírus da hepatite B (VHB). Estima-se que a hepatite B, infecção grave, transmissível e imunoprevenível, pode ocasionar o risco de desenvolver cirrose e carcinoma hepatocelular em aproximadamente 5% da população mundial2. A vacina contra o VHB apresenta altos índices de segurança, com boa resposta de anticorpos, conferindo uma imunidade duradoura e específica. Uma série de três doses da vacina contra a hepatite B confere níveis protetores de anti-HBs (acima de 10 mUI/mL) a mais de 95% das crianças e a cerca de 90% dos adultos saudáveis vacinados3.
O vírus da hepatite C (VHC) é considerado como um dos maiores responsáveis por casos de cirrose e transplante hepático no mundo ocidental4. Com o controle que vem sendo realizado por ocasião das transfusões de sangue e seus derivados - fatores de risco de grande importância para o aumento da incidência de casos novos de infecção pelo VHC - nos últimos anos, na maioria dos países, esse vírus tem se apresentado sob controle5.
Órgão subordinado ao Ministério da Justiça, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) tem como missão garantir a segurança pública dos usuários de rodovias federais, sendo sua principal atuação a fiscalização do cumprimento do Código de Trânsito Brasileiro, prevenindo e reprimindo abusos, como infrações de trânsito relacionadas ao excesso de velocidade e consumo de álcool por motoristas. Além disso, também colabora com a segurança pública em conjunto com outros órgãos, atuando, dentro das cidades e matas do Brasil, na prevenção e repressão do tráfico de armas e drogas, contrabando e pirataria, furtos e roubos a veículos de passeio e de carga, exploração sexual de menores, trabalho escravo e crimes contra o meio ambiente6.
As atividades da PRF aumentam o risco de adquirir a infecção por VHB e VHC, devido à exposição a situações envolvendo materiais biológicos e pela carência de medidas preventivas, como a vacinação contra a hepatite B, disponibilizada em todo o Brasil para todos os indivíduos desde o nascimento. Pensar sobre a saúde desses servidores públicos federais é considerar a legislação estabelecida pela Constituição de 1988 e todo o arcabouço jurídico institucional que atribui a responsabilidade pela atenção à saúde do trabalhador ao Sistema Único de Saúde (SUS), à Lei nº 8.0807, regulamentada em outubro de 1990, e à Lei Orgânica da Assistência Social8.
Em 29 de abril de 2009, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão publicou o Decreto nº 6.833, no qual instituiu o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (SIASS), integrante do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal9. O referido decreto instituiu a Portaria Normativa nº 2, em 22 de março de 2010, que criou as unidades do SIASS por meio de acordo de cooperação técnica. Essas unidades têm o objetivo de coordenar e integrar as ações e programas nas áreas de assistência à saúde, perícia oficial, promoção e prevenção, e acompanhar a saúde dos servidores públicos federais, de acordo com a política de atenção à saúde e segurança do trabalho10.
Visando o conhecimento da ocorrência de infecções por VHB e VHC entre os trabalhadores da PRF, a situação imunológica da hepatite B e a proteção a esses indivíduos - que rotineiramente se envolvem com quadros hemorrágicos em operações de resgate e em acidentes nas estradas federais - objetivou-se avaliar a soroprevalência das infecções por VHB e VHC e a resposta imune para o VHB, em servidores da PRF do estado do Pará, Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo exploratório quantitativo, utilizando dados retrospectivos e prospectivos na linha temática da vigilância em saúde do trabalhador. Foi realizado no período de novembro de 2013 a dezembro de 2014, com participação de policiais pertencentes à PRF do estado do Pará, distribuídos de acordo com delegacias e municípios de lotação.
A amostragem foi definida a partir do cálculo da amostra para uma população finita, baseado em um número de 400 servidores da PRF, durante o período estipulado, e erro amostral ou nível de precisão de 5%, resultando em um número mínimo de 200 participantes.
O estudo buscou incluir todos os servidores ativos da PRF do Pará presentes na ocasião da coleta de dados e amostras. Todos os que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) após terem sido informados, em linguagem acessível, sobre os objetivos e a importância da pesquisa. Ao final, 221 participantes foram incluídos no estudo.
A coleta de dados e amostras foi realizada na Superintendência da PRF e na Seção de Hepatologia (SAHEP) do Instituto Evandro Chagas (IEC), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da saúde (MS), para os trabalhadores lotados na sede, em Belém, para os que não realizaram a coleta na data aprazada ou para os que necessitaram coletar nova amostra. Para os demais, a coleta foi realizada nas delegacias da PRF dos municípios de Benevides, Ipixuna do Pará, Marabá, Santarém e Altamira; nos postos de trabalho dos municípios de Dom Eliseu, Castanhal e Capanema; e, em Paragominas, foi realizada no domicílio do servidor. Os dados demográficos e epidemiológicos foram coletados por meio de ficha de inquérito individual. As variáveis demográficas avaliadas foram: sexo, idade, grau de escolaridade e categoria funcional. As variáveis epidemiológicas avaliadas foram: histórico de transfusão sanguínea com finalidade terapêutica; ingestão de bebida alcoólica; submissão a procedimentos injetáveis; ocorrência de lesões perfurantes e/ou cortantes; histórico de viagens nos últimos seis meses antes da entrevista; histórico sobre procedimentos cirúrgicos em qualquer época da vida; submissão a tratamento dentário; contato com indivíduos ictéricos apresentando colúria, hipo e/ou acolia fecal; histórico de hepatite (caracterizado por sinais clínicos de icterícia com colúria e hipo e/ou acolia fecal); e vacinação para hepatite B.
Foram coletados cerca de 8 mL de sangue de cada participante, por meio de punção venosa, utilizando-se agulhas e tubos do tipo Vacutainer® sem anticoagulante, com gel separador. As amostras de sangue, após permanecerem em repouso de 1 a 3 h, em temperatura ambiente, para retração do coágulo, foram centrifugadas a 3.000 rpm por 12 min para obtenção do soro. As alíquotas de soro permaneceram refrigeradas (+2 ºC a +8 ºC) até a realização dos exames sorológicos e depois foram submetidas a congelamento (-20 ºC).
Em coletas realizadas fora do município de Belém, as amostras de soro foram armazenadas à temperatura de +2 ºC a +8 ºC, para serem transportadas até a SAHEP/IEC, em Belém, em isopor contendo gelo reciclável.
As amostras foram testadas nos laboratórios de sorologia e biologia molecular da SAHEP, onde todos os soros foram examinados para a presença de HBsAg (Bioelisa HBsAg 3.0, Biokit®), anti-HBc total (Bioelisa anti-HBc, Biokit®), anti-HBs (Bioelisa anti-HBs, Biokit®) e VHC (Murex anti-HCV v4.0, Diasorin®) por método imunoenzimático (ELISA) com kits comerciais. Em todos os testes, as recomendações do fabricante foram obedecidas. Os resultados foram considerados duvidosos quando a densidade óptica ficou situada entre 20% para cima ou para baixo do limite de cut-off.
Todas as amostras anti-HBc reagente com anti-HBs não reagente foram submetidas à pesquisa do VHB-DNA quantitativo, por metodologia de reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real, utilizando equipamento automatizado para detectar o DNA do VHB. Foi usado o ensaio comercial in vitro Abbott RealTime HBV (Abbott Molecular Inc., EUA), o qual possui uma sensibilidade de 10 UI/mL e uma especificidade de 99,5%, segundo orientações do fabricante11.
As amostras positivas para anti-VHC foram submetidas à pesquisa do VHC-RNA qualitativo, por meio da técnica de PCR via transcriptase reversa (RT-PCR), empregando-se o método semiautomatizado COBAS® Amplicor HCV.
Após a realização dos testes, o excedente de amostras foi depositado no banco de espécimes da SAHEP/IEC, armazenado sob congelamento a -70 ºC, podendo ser utilizado em outras pesquisas, conforme autorizado por meio do TCLE.
De acordo com os resultados encontrados, todos os participantes suscetíveis à infecção pelo VHB, não vacinados ou com esquema vacinal incompleto, foram encaminhados para iniciar ou completar a vacinação, quando então receberam as três doses do esquema vacinal de zero, um e seis meses ou tiveram seus esquemas completados, segundo orientações do laboratório produtor da vacina e do PNI/SVS/MS12.
Os dados obtidos e os resultados dos testes foram armazenados em uma base de dados empregando-se o software Epi InfoTM 2007 v3.3. As análises estatísticas foram realizadas por meio do programa BioEstat v5.013, com consolidação de dados, elaboração de gráficos e tabelas, traçando o perfil epidemiológico para subsidiar as ações necessárias, conforme a situação. O teste qui-quadrado foi realizado visando avaliar a associação das variáveis. Para as variáveis quantitativas, foram feitos cálculos estatísticos da média, mediana e valor de p, sendo considerado o nível de significância de 5% e intervalo de confiança (IC) de 95% para todas as análises.
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do IEC, em 25 de outubro de 2013, conforme Resolução Nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde14, sob protocolo de aprovação Nº 436.391.
RESULTADOS
Participaram do estudo 221 dos 400 servidores da PRF cadastrados no Serviço de Recursos Humanos até 2013, sendo 94,1% (208/221) policiais e 5,9% (13/221) agentes administrativos, com idade média de 43 anos (variação de 23 a 69 anos) e mediana de 42 anos. Observou-se uma frequência de 90,0% (199/221) de indivíduos do sexo masculino; e que a população examinada constituiu-se principalmente por pessoas nas faixas etárias de 41 a 50 anos e de 31 a 40 anos, o que correspondeu a 33,5% (74/221) e 32,1% (71/221), respectivamente. A menos prevalente foi a de ≥ 61 anos, com 6,3% (14/221). A frequência de servidores, por local de trabalho, mostrou que a maior concentração, 33,5% (74/221), estava na sede da PRF, em Belém, e a menor, 5,9% (13/221), encontrava-se na 4ª Delegacia, em Altamira. Quanto ao grau de escolaridade, a maioria dos servidores, 66,1% (146/221), possuía o Ensino Superior completo (Tabela 1).
Variáveis | N = 221 | Frequência (%) |
---|---|---|
Categoria funcional | ||
Policial | 208 | 94,1 |
Agente Administrativo | 13 | 5,9 |
Sexo | ||
Masculino | 199 | 90,0 |
Feminino | 22 | 10,0 |
Idade (anos) | ||
21-30 | 26 | 11,8 |
31-40 | 71 | 32,1 |
41-50 | 74 | 33,5 |
51-60 | 36 | 16,3 |
≥ 61 | 14 | 6,3 |
Lotação | ||
Sede (Belém) | 74 | 33,5 |
1ª Delegacia (Benevides) | 57 | 25,8 |
2ª Delegacia (Ipixuna do Pará) | 23 | 10,4 |
3ª Delegacia (Marabá) | 29 | 13,1 |
4ª Delegacia (Altamira) | 13 | 5,9 |
5ª Delegacia (Santarém) | 25 | 11,3 |
Grau de escolaridade | ||
Ensino Médio incompleto | 1 | 0,4 |
Ensino Médio completo | 41 | 18,6 |
Ensino Superior incompleto | 33 | 14,9 |
Ensino Superior completo | 146 | 66,1 |
Transfusões | ||
Sim | 1 | 0,5 |
Não | 220 | 99,5 |
Cirurgias | ||
Sim | 23 | 10,4 |
Não | 198 | 89,6 |
Perfurações | ||
Sim | 12 | 5,4 |
Não | 209 | 94,6 |
Lesões cortantes | ||
Sim | 22 | 10,0 |
Não | 199 | 90,0 |
História pregressa de hepatite B | ||
Sim | 23 | 10,4 |
Não | 198 | 89,6 |
Contato com ictéricos | ||
Sim | 22 | 10,0 |
Não | 199 | 90,0 |
Uso de injeções com seringa de vidro | ||
Sim | 21 | 9,5 |
Não | 200 | 90,5 |
Tratamento dentário | ||
Sim | 78 | 35,3 |
Não | 143 | 64,7 |
Uso de bebida alcoólica | ||
Sim | 158 | 71,5 |
Não | 63 | 28,5 |
Viagens | ||
Sim | 201 | 91,0 |
Não | 20 | 9,0 |
Piercings | ||
Sim | 1 | 0,5 |
Não | 220 | 99,5 |
Tatuagens | ||
Sim | 14 | 6,3 |
Não | 207 | 93,7 |
Situação vacinal contra o VHB | ||
Nenhuma dose | 168 | 76,0 |
1ª dose | 18 | 8,1 |
2ª dose | 12 | 5,4 |
3ª dose | 23 | 10,4 |
N: População examinada.
Do total de entrevistados, 0,5% (1/221) afirmou ter recebido transfusão de sangue, 10,4% (23/221), 5,4% (12/221) e 10,0% (22/221) dos indivíduos já haviam sido submetidos a algum tipo de cirurgia, perfurações e lesões cortantes, respectivamente. Em relação à variável de história pregressa de hepatite B, 10,4% (23/221) informaram ter tido o agravo, 10,0% (22/221) já tinham tido contato com ictéricos, 9,5% (21/221) recebido injeções e 35,3% (78/221) submetidos a tratamento dentário. Observou-se que 71,5% (158/221) dos entrevistados tinham ingerido algum tipo de bebida alcoólica, 91,0% (201/221) referiram viagens nos últimos seis meses anteriores à entrevista, 0,5% (1/221) possuía piercing e 6,3% (14/221) tinham tatuagem. Em relação à situação vacinal contra a hepatite B, constatou-se que: 76,0% (168/221) do total de servidores relatou não ter recebido nenhuma dose da vacina; 8,1% (18/221), apenas a primeira dose; 5,4% (12/221), a segunda; e 10,4% (23/221), a terceira (Tabela 1).
A (tabela 2) apresenta a prevalência dos servidores da PRF segundo a situação vacinal e local de atuação. Entre os 10,4% (23/221) vacinados, 26,1% (6/23) não desenvolveram anticorpos protetores, sendo considerados não respondedores à vacina, e 89,6% (198/221) nunca haviam recebido qualquer dose da vacina contra a hepatite B ou receberam apenas uma ou duas doses. Observou-se que 92,3% (204/221) da amostra examinada estava suscetível ao VHB (não respondedores e não vacinados), dentre esses 35,3% (72/204) pertenciam à sede da PRF e 64,7% (132/204) às delegacias.
Local de atuação | N | Vacinados | Total não vacinado | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Total vacinado | Respondedores | Não respondedores | |||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Sede | 74 | 4 | 5,4 | 2 | 50,0 | 2 | 50,0 | 70 | 94,6 |
1ª Delegacia | 57 | - | - | - | - | - | - | 57 | 100,0 |
2ª Delegacia | 23 | 4 | 17,4 | 3 | 75,0 | 1 | 25,0 | 19 | 82,6 |
3ª Delegacia | 29 | 7 | 24,1 | 7 | 100,0 | - | - | 22 | 75,9 |
4ª Delegacia | 13 | 2 | 15,4 | 2 | 100,0 | - | - | 11 | 84,6 |
5ª Delegacia | 25 | 6 | 24,0 | 3 | 50,0 | 3 | 50,0 | 19 | 76,0 |
Total | 221 | 23 | 10,4 | 17 | 73,9 | 6 | 26,1 | 198 | 89,6 |
N: Total de servidores examinados; n: Número amostral; Vacinados: Com esquema vacinal completo (três doses); Respondedores: Indivíduos vacinados contra o VHB e que formaram anticorpos protetores (anti-HBs+ isolado); Não respondedores: Indivíduos vacinados contra o VHB e que não formaram anticorpos protetores; Não vacinados: Indivíduos que receberam apenas uma ou duas doses de vacina, ou nenhuma dose de vacina foi aplicada; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Os testes sorológicos realizados não detectaram portadores do VHB (HBsAg+); entretanto, foram encontradas prevalências de 8,1% (18/221) indivíduos com perfil de infecção pregressa pelo VHB (anti-HBc+/anti-HBs+), de 9,5% (21/221) com infecção pregressa ou atual pelo VHB (anti-HBc+ isolado) e de 42,1% (93/221) anti-HBs+ isolado, compatível com proteção vacinal (Tabela 3).
Faixa etária (anos) | N | HBsAg | anti-HBc+/anti-HBs+ | anti-HBs+ isolado | anti-HBc+ isolado | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | n | % | IC 95% | n | % | IC 95% | n | % | IC 95% | ||
21-30 | 26 | − | − | − | 14 | 15,1 | 4,6−32,6 | − | − | − | |
31-40 | 71 | − | 4 | 5,6 | 0,5−8,5 | 40 | 56,3 | 21,4−58,6 | 4 | 5,6 | 1,3−9,3 |
41-50 | 74 | − | 6 | 8,1 | 1,5-10,5 | 29 | 39,2 | 10,4-47,6 | 6 | 8,1 | 0,7−11,3 |
51-60 | 36 | − | 5 | 13,9 | 2,5-25,6 | 7 | 19,4 | 11,6-25,6 | 6 | 16,7 | 0,5−18,3 |
≥ 61 | 14 | − | 3 | 21,4 | 15,6-21,6 | 3 | 21,4 | 15,6-21,6 | 5 | 35,7 | 15,3−40,6 |
Total | 221 | − | 18 | 8,1 | 7,6−18,5 | 93 | 42,1 | 32,5−46,8 | 21 | 9,5 | 6,5−11,7 |
N: Total de servidores examinados; n: Número amostral; IC: Intervalo de confiança; HBsAg+: Portador do VHB; anti-HBc+/anti-HBs+: Perfil de infecção pregressa pelo VHB; anti-HBs+ isolado: Perfil compatível com proteção vacinal; anti-HBc+ isolado: Perfil compatível com infecção pregressa ou atual pelo VHB; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
A (tabela 4) apresenta a resposta sorológica para os marcadores anti-HBc+/anti-HBs+, anti-HBs+ isolado e anti-HBc+ isolado, avaliados segundo o sexo. Foi encontrada uma maior prevalência desses marcadores em indivíduos do sexo feminino. Observou-se significância estatística em relação ao perfil sorológico de infecção pregressa pelo VHB (anti-HBc+/anti-HBs+) (p = 0,0022) pelo teste qui-quadrado.
Sexo | N | anti-HBc+/ anti-HBs+ | anti-HBs+ isolado | anti-HBc+ isolado | p | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |||
Masculino | 199 | 16 | 8,0 | 82 | 41,2 | 18 | 9,0 | 0,0022 |
Feminino | 22 | 2 | 9,1 | 11 | 50,0 | 3 | 13,6 | |
Total | 221 | 18 | 8,1 | 93 | 42,1 | 21 | 9,5 |
N: Total de examinados; n: Número de amostras positivas; anti-HBc+/anti-HBs+: Perfil de infecção pregressa pelo VHB; anti-HBs+ isolado: Perfil compatível com proteção vacinal; anti-HBc+ isolado: Perfil compatível com infecção pregressa ou atual pelo VHB.
Foram detectados 9,5% (21/221) amostras com perfil sorológico de hepatite B oculta (presença de anti-HBc+ isolado com ausência de HBsAg+ e anti-HBs+), e, para esses participantes, foram solicitadas novas coletas de material para repetição dos testes sorológicos e para pesquisa do VHB-DNA quantitativo, por técnica de PCR em tempo real. Somente em 19,0% (4/21) desses indivíduos foi possível realizar o PCR VHB-DNA, com resultados negativos.
Não foram detectados indivíduos infectados pelo VHC entre as 221 amostras examinadas.
DISCUSSÃO
No Brasil são poucos os estudos epidemiológicos sobre as hepatites B e C voltados à população de policiais. A maioria dos mesmos é realizada entre trabalhadores da saúde, pessoas que atuam no âmbito hospitalar, como médicos, odontólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, entre outros. Por isso um estudo voltado para a categoria profissional de policiais, levando em consideração o tipo de atividade desenvolvida, quando da ocorrência de acidentes com vítimas, poderá proporcionar uma discussão sobre a prevalência da infecção por VHB e VHC nessa população, comparando com a que ocorre entre profissionais da área da saúde. Ressalta-se, portanto, o pioneirismo em realizar esse tipo de pesquisa entre os servidores da PRF do estado do Pará.
Vieira et al15 constataram que os principais grupos de risco para a transmissão do VHB eram policiais, devido ao seu envolvimento em atividades que poderiam ter contato com sangue. O achado indicou que ações de educação e a divulgação do problema são fundamentais na prevenção tanto do VHB quanto de outras infecções sexualmente transmissíveis (IST), além da interrupção da cadeia de transmissão, que poderia ser feita por meio do controle efetivo de bancos de sangue, vacinação contra a hepatite B, incluindo os policiais rodoviários envolvidos em atividades de resgate.
A presente investigação atingiu 221 servidores da PRF, com predominância de 90,0% para o sexo masculino, pela própria característica da população, a qual foi composta, em sua maioria, por policiais concentrados principalmente na Sede da PRF. Um estudo entre trabalhadores de uma unidade de emergência, na cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, encontrou uma frequência de 85,5% para o sexo masculino em todas as áreas de atuação, exceto dos profissionais da equipe de enfermagem, na qual predominou o sexo feminino (75,2%)16. Outro estudo entre trabalhadores de unidades de saúde de Florianópolis, estado de Santa Catarina, também observou o predomínio de trabalhadores do sexo feminino (83,5%)17.
A cobertura vacinal contra a hepatite B, nesta investigação, identificou uma taxa de 10,4% de vacinados; resultado inferior quando comparado a outros estudos, como: o realizado entre trabalhadores da atenção básica das unidades de saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, que apresentou uma prevalência vacinal de 64,6%17; o entre trabalhadores de um laboratório de pesquisas na Amazônia Oriental brasileira, que encontrou 31,6% indivíduos com esquema vacinal completo e prevalência de vacinação contra a hepatite B de 56%18; e outro estudo desenvolvido na Base Aérea de Florianópolis, com taxa de 70% de imunização e/ou vacinação contra o VHB entre indivíduos do sexo masculino de 18 a 19 anos de idade19.
De acordo com a preconização do MS, a cobertura vacinal contra a hepatite B entre adultos deve ser de 90%12. Nesse sentido, a presença de um grande número de indivíduos suscetíveis pode vir a determinar a ocorrência de novos casos de infecção ou de portadores do VHB.
A prevalência de 13,5% (30/221), encontrada entre os policiais da PRF do Pará com esquema vacinal incompleto, os quais receberam apenas uma ou duas doses da vacina, foi inferior a encontrada entre odontólogos de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, onde 15,9% dos indivíduos apresentaram vacinação contra a hepatite B incompleta, valor atribuído ao fato da vacina ser injetável e realizada em três doses, ocasionando a baixa adesão dos dentistas20; também foi inferior ao índice encontrado pelo estudo realizado em adultos jovens da Base Aérea de Florianópolis, onde 15,8% já haviam realizado a primeira ou a segunda dose da vacina contra a hepatite B19.
A ausência de vacinação detectada em 76,0% dos policiais da PRF mostrou a necessidade de um incremento nas atividades voltadas à prevenção e controle das hepatites nessa população. A sensibilização dos servidores da Instituição, principalmente dos policiais, sobre medidas preventivas, é fundamental para mostrar a importância da vacinação contra o VHB, considerando que a vacina confere 90% a 95% de eficácia aos indivíduos imunocompetentes, com esquema de vacinação apropriado3,18.
Não houve diferença estatística significante em relação às variáveis cirurgia, perfuração, lesões cortantes, história pregressa de hepatite B, contato com ictéricos, injeções, tratamento dentário e viagens a trabalho. Com relação às tatuagens (6,3%) ou piercings (0,5%), os resultados foram inferiores aos encontrados no estudo realizado em Florianópolis, no qual 25,4% já haviam feito tatuagem e/ou colocado piercing19.
As viagens a serviço foram relacionadas à transmissão do VHB, uma vez que 91,0% dos indivíduos relataram histórico de viagens a trabalho nos seis meses anteriores à entrevista, fator que pode estar relacionado a uma maior exposição dos trabalhadores, levando em consideração tratar-se de uma IST, que somada à rotina de trabalho que exercem, afastados do ambiente familiar, torna-os vulneráveis à atividades sexuais com múltiplos parceiros, além das ações desenvolvidas pelos mesmos, quando pode acontecer a manipulação de fluidos biológicos sem o uso de equipamento de proteção individual (dados não apresentados).
Este estudo não detectou portadores do VHB (HBsAg+) entre os examinados, configurando baixa endemicidade para o vírus nessa população; resultado abaixo do encontrado pelo estudo de prevalência de base populacional, realizado entre 2004 e 2005 em duas Regiões do Brasil e Distrito Federal, que classificou essas áreas como de baixa endemicidade ao detectar prevalências sorológicas para o HBsAg, em população não vacinada, de 0,19%, 0,47% e 0,60% para as Regiões Nordeste e Centro-Oeste e para o Distrito Federal, respectivamente21.
A prevalência de 8,1% de anti-HBc+/anti-HBs+, correspondente à infecção passada com possível cura a partir do desenvolvimento de imunidade natural, foi maior que os 4,3% encontrados nos trabalhadores de um hospital universitário de Natal, estado do Rio Grande do Norte22.
Quanto ao anti-HBc+ isolado, a prevalência de 9,5% foi superior ao observado em amostras de militares do Exército brasileiro, em Belém, que foi de 1,6%, refletindo a presença da infecção na população estudada19,23.
O anti-HBs, quando encontrado associado ao anti-HBc, confirma a presença de infecção prévia com resolução ou, quando se apresenta isolado, indica resposta à vacinação, o que caracteriza imunidade. O perfil de resposta vacinal para o VHB (anti-HBs+ isolado) de 42,1%, encontrado neste estudo, apresentou-se muito inferior ao relatado por Lopes et al24, que encontraram o índice de 90% entre profissionais de saúde imunizados em Goiânia, estado de Goiás; também entre essa categoria profissional, em São José do Rio Preto, estado de São Paulo, Ciorlia e Zanetta25 verificaram 86,4% de resultado positivo. Mas esse perfil foi superior ao encontrado por Azevedo23 (37,6%) e Passos19 (40,7%) entre militares do Exército de Belém e jovens adultos alistados na Base Aérea de Florianópolis, respectivamente. Os indivíduos que receberam três doses da vacina contra o VHB podem apresentar resposta sorológica com títulos baixos ou indetectáveis, podendo acontecer com o passar dos anos, porém não interfere na persistência de memória imunológica1.
A ausência de detecção de anti-VHC classifica a população deste estudo como de baixa endemicidade para esse vírus.
CONCLUSÃO
A ausência dos marcadores HBsAg e anti-VHC na amostra examinada sinalizou baixa prevalência de VHB e VHC entre os participantes do estudo. A pesquisa identificou expressivo número de indivíduos suscetíveis, o que pode levar ao aumento de infectados e de portadores do VHB entre os trabalhadores da PRF no Pará.
Os resultados encontrados permitiram inferir a necessidade de maior atenção para a categoria profissional avaliada, com ações de prevenção e promoção da saúde, com um maior controle do esquema vacinal e emprego de medidas imediatas para vacinação dos indivíduos, priorizando aqueles que estão expostos a situações envolvendo materiais biológicos em suas atividades de rotina. Deve-se ainda buscar meios para sensibilização dos servidores sobre a importância da vacina contra a hepatite B como medida primordial para reduzir a morbidade pelo VHB na população, e incrementar programas de educação continuada em serviço, não esquecendo da necessidade do uso dos equipamentos de proteção individual por ocasião da ocorrência de acidentes.
A vacinação contra a hepatite B deve ser incrementada na população de servidores da PRF, acompanhada de estudos para confirmação da imunidade adquirida.