As doenças infecciosas preocupam a humanidade desde os primórdios da civilização. Os vírus e as viroses têm monopolizado investigações no campo das Ciências Biológicas, Agricultura e Medicina há milênios, e alguns dos nossos maiores desafios e triunfos envolveram pesquisas no âmbito da Virologia. Tomemos como exemplo a varíola, uma das maiores pandemias da humanidade, que dizimou populações e hoje é a única doença erradicada do planeta. Diversas outras doenças de etiologia viral são prevenidas ou controladas em grande parte do mundo. Esses avanços ocorreram em consequências de estudos de replicação, transmissão e patogênese viral, que permitiram o desenvolvimento de metodologias diagnósticas, medicamentos antivirais, vacinas e o estabelecimento de medidas de saúde pública eficazes1.
É com o futuro, e não com o passado ou somente com o presente, que devemos nos preocupar. Atualmente, há uma enorme base de dados científicos, e os índices de aquisição de novas informações sobre doenças infecciosas são historicamente elevados, o que será relevante para as próximas gerações. Contudo, muitas doenças infecciosas têm persistido e demonstrado capacidade espantosa para ressurgir após longos períodos de estabilidade, e novas infecções continuam a emergir. Exemplos bem próximos de nós foram as recentes epidemias causadas pelos vírus Zika e Chikungunya, que causaram pavor no Brasil e chocaram o mundo. O surgimento no país de vírus que anteriormente só circulavam no continente asiático e/ou africano encontrou desprevenida toda a comunidade médico-científica, o que retardou a identificação do patógeno, assim como também o estabelecimento de medidas de controle das epidemias. O aumento no número de casos de febre amarela silvestre, com o risco de reemergência da febre amarela urbana no país é outro exemplo da contínua ameaça das doenças infecciosas. Por essa razão, é necessário um sistema de vigilância médico-epidemiológica efetivo para a detecção da emergência ou reemergência de vírus, além de infraestrutura moderna e investimentos em pesquisa básica e aplicada. Nesse sentido, é preciso preparar a futura geração de cientistas e profissionais de saúde para enfrentar os novos desafios.
O controle das doenças infecciosas e o futuro da saúde pública em todo o mundo enfrentam um sério problema. De acordo com Frederick A. Murphy2, esse problema pode ser dividido em dois aspectos: oportunidade e ameaça. A oportunidade seria representada por iniciativas que cumulativamente iriam redirecionar a atenção das autoridades governamentais para o impacto das doenças infecciosas no bem-estar da população. Por outro lado, a ameaça seria representada pela escassa distribuição de recursos e ausência de programas bem estruturados para a formação da próxima geração de possíveis cientistas. Nesse contexto, Marion Field Fass3 sugere que a emergência de doenças infecciosas, que impactam na agenda dos órgãos de saúde pública, fornece aos professores uma importante oportunidade de engajar estudantes em uma aventura de aprendizado que introduz os conceitos de Genética, Microbiologia, Virologia, Ecologia e Epidemiologia. Questões sociais envolvendo o espalhamento de doenças e os esforços para o seu controle fornecem exemplos claros da relevância da formação científica dos agentes responsáveis por tomar decisões na saúde pública, líderes comunitários e médicos.
Nesse contexto, professores que ministram cursos de Virologia, especialmente nas universidades, encontram-se diante de um grande desafio. Como os vírus, a disciplina de Virologia tem evoluído e hoje se sobrepõe e entrelaça com muitas outras disciplinas científicas, quer sejam tradicionais ou contemporâneas. À medida que novas áreas da ciência, tais como Terapia Gênica, Genética Reversa e Nanotecnologia continuam a crescer, assim também aumenta a lacuna do conhecimento transferido para estudantes que trabalham nas áreas tradicionais de Virologia e nesses campos emergentes. Os avanços científicos do futuro exigirão uma combinação de pequenos grupos focados em determinados aspectos das Ciências Biológicas e grandes equipes multidisciplinares. Equipes tradicionais formadas por pesquisadores de Virologia Básica e Clínica serão acrescidas de matemáticos, físicos, cientistas da computação e biólogos de população, entre outros.
Por outro lado, cursos direcionados ao ensino da Virologia Básica, embora adequados para preparar estudantes para uma carreira na pesquisa ou na indústria, não contemplam inteiramente as necessidades daqueles que desejam se especializar na área da saúde e que provavelmente estarão na linha de frente do combate e controle de doenças infecciosas. Esses necessitam de um conteúdo adicional, que conecte conhecimentos básicos em Virologia, com Clínica, Farmacologia, Patologia e Epidemiologia, de forma que os discentes sejam capazes de usar as informações científicas para desenvolver protocolos adequados de assistência a pacientes e de gestão em saúde pública. As aulas de Virologia Básica para alunos da área médica podem ser consideradas
"pouco interessantes" porque, em geral, o conteúdo não contém enfoque clínico. Uma abordagem que tem sido bem-sucedida na solução dessa questão é o emprego de active problem-solving (solução ativa de problemas) ou problem-based learning (aprendizado baseado em problemas)4,5. Nesse escopo, os estudantes são apresentados a cenários clínico-epidemiológicos em que precisam assumir o papel de agentes de saúde pública e são desafiados a identificar patógenos, traçando a fonte de contaminação, formas de transmissão, tratamento e controle da infecção. Eventualmente, alguns dos alunos podem não conseguir solucionar corretamente o problema; entretanto, o que realmente importa, é que os estudantes se envolvam na situação, relembrando o que aprenderam nas aulas tradicionais, tendo oportunidade de aprofundar os conhecimentos adquiridos.
Essa metodologia vem ganhando força em algumas universidades americanas, uma vez que os gestores estão sendo pressionados por estudantes e familiares que contestam o pagamento de elevadas taxas de ensino se for considerado que alguns conteúdos de aulas são disponibilizados gratuitamente na Internet. Por outro lado, nem todos os docentes estão satisfeitos com a implantação de novos métodos de ensino, considerando que isso acarreta um conhecimento mais amplo do assunto e destreza na sua aplicação, que vão além do preparo e apresentação de uma aula convencional. Como exemplo de uma nova ferramenta para o ensino da Virologia, foi desenvolvido, por uma pesquisadora brasileira, Carolina Rosadas6, do Instituto Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro, Brasil) o "Quem sou eu? Jogo dos vírus", que é um jogo de tabuleiro no qual os participantes devem adivinhar os vírus apresentados, com base em dicas fornecidas pelo mediador, o que o torna bastante atraente para o ensino da Virologia.
Com os impactos socioambientais decorrentes do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, juntamente com o surgimento de novos vírus e a reemergência de patógenos já conhecidos, a reformulação do ensino tradicional, com a introdução de práticas investigativas e interdisciplinares, ainda é um desafio que será, por certo, também superado pelos virologistas.