INTRODUÇÃO
A vacinação é uma intervenção segura, com excelente relação custo-eficácia, configurando uma etapa indispensável nos programas de saúde pública por propiciar imunidade individual e coletiva1. É uma ação de proteção específica contra doenças que colabora com a redução das taxas de morbimortalidade infantil2.
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) brasileiro possui uma trajetória importante para o desenvolvimento nacional em termos de inovação tecnológica e, particularmente, por haver logrado atingir e manter altos níveis de cobertura populacionais em todas as regiões do país, o que levou a um efetivo controle de várias doenças imunopreveníveis com a concomitante redução nas desigualdades sociais³. O Brasil tem sido internacionalmente reconhecido como um exemplo de sucesso no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em especial no que se refere à redução da mortalidade de crianças menores de 5 anos de idade, sendo o PNI parte das várias estratégias que contribuíram para colocar o país nessa posição4.
As desigualdades sociais brasileiras em cobertura vacinal, presentes ao longo da história, já haviam sido consideravelmente reduzidas por ocasião da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 1996. Segundo dados de 2007 e 2008, o percentual de crianças de 12-23 meses de idade com todas as doses de vacinas recomendadas para o primeiro ano de vida era de 57% no quintil mais pobre da população, crescendo para 74%, 85% e 83% no segundo, terceiro e quarto quintis e caindo novamente para 74% no quintil mais rico. O percentual de crianças com vacinas completas aos 18 meses de idade variou de 79% no quintil mais rico de setores censitários a 82% no quintil mais pobre, com valores mais elevados (87%, 85% e 84%) nos três quintis intermediários. As mais baixas coberturas ocorreram entre famílias mais ricas vivendo em bairros ricos. Os motivos para a redução da cobertura vacinal em crianças de famílias ricas são complexos e passam por sua percepção da qualidade dos serviços públicos, pela noção equivocada de que doenças imunopreveníveis não representariam uma ameaça para esse grupo social e, possivelmente, por recomendações de médicos privados5,6.
A vacina tríplice bacteriana (DTP) protege contra difteria, tétano e coqueluche. O esquema de vacinação preconizado é de três doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade, com o primeiro reforço aos 15 meses (ou de seis a 12 meses após a terceira dose) e o segundo aos 4 anos. A vacina tríplice viral (SCR) confere proteção contra sarampo, caxumba e rubéola, e o esquema básico preconizado é de duas doses, sendo a primeira aos 12 meses de idade e a segunda aos 4 anos4.
A boa efetividade dos programas de imunização depende de monitoramento da cobertura vacinal, equidade no acesso dos usuários às vacinas, segurança na qualidade e administração das vacinas, além de estar condicionada as suas diretrizes e metas e também às características da população6.
Segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde7, a cobertura vacinal administrativa de Santa Maria, Distrito Federal, Brasil, para o segundo reforço de DTP e para a segunda dose de SCR, foi de 22% e 24%, respectivamente. Dessa forma, para conhecer a real cobertura vacinal e identificar os fatores que podem ter contribuído para essas taxas, realizou-se um inquérito domiciliar nessa localidade.
O presente estudo teve como objetivos estimar a cobertura vacinal do segundo reforço da vacina DTP e da segunda dose da vacina SCR, em crianças de 7 a 9 anos de idade, residentes na Região Administrativa de Santa Maria, no período de junho a julho de 2012, além de descrever o perfil das crianças entrevistadas e identificar os possíveis fatores associados à não vacinação.
MATERIAIS E MÉTODOS
Realizou-se um estudo transversal, do tipo inquérito domiciliar, com amostra probabilística por conglomerados 30x7, conforme preconizado pela Organização Mundial da Saúde8.
O local do estudo foi a Região Administrativa de Santa Maria, distante 26 km de Brasília, Distrito Federal (Figura 1). Essa Região é fruto de um programa de distribuição de lotes realizado pelo governo do Distrito Federal, ocupando uma área de 211 km², e foi oficializada em 10 de fevereiro de 1993 com a publicação do Decreto Nº 14.604. A população estimada de Santa Maria, para o ano de 2010, era de 123.956 habitantes9,10,11.
Fonte: Google Earth. A linha vermelha delimita a Região Administrativa de Santa Maria no território do Distrito Federal. A área do estudo está pintada de azul.
A população-alvo do estudo foi de crianças de 7 a 9 anos de idade, residentes em Santa Maria no período de 26 de junho a 16 de julho de 2012. Estimou-se que 5% da população dessa Região Administrativa fosse de crianças na faixa etária do estudo, aproximadamente 6.198 habitantes11.
O cálculo amostral 30x7 pressupõe sete crianças na faixa etária estabelecida em cada conglomerado, num total de 30 conglomerados por inquérito8,9,10,11, totalizando a amostra de 210 crianças. Os parâmetros estatísticos considerados para o cálculo da amostra foram os seguintes: precisão de ± 10%; intervalo de confiança (IC) de 95%; efeito de desenho 2; cobertura esperada de 50%; erro padrão de ± 10%; e desvio padrão de 1,96.
A amostragem por conglomerados foi realizada em três etapas. Para a primeira etapa, considerou-se que cada setor censitário (SC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística9 corresponderia a um conglomerado, totalizando 228 conglomerados. Utilizando-se o sistema estatístico R v2.15.2 (Free Software Foundation, Boston, EUA), foram selecionados, aleatoriamente, 30 conglomerados, acrescidos de 12 (5%) reservas, para substituir as possíveis perdas (Figura 2). Para aumentar a precisão do estudo, estipulou-se que cada conglomerado deveria conter, pelo menos, cinco entrevistas para ser válido; caso contrário seria descartado e substituído por um reserva. No caso de obtenção de cinco ou seis crianças no conglomerado, foi feito o ajuste com peso, para compensar a não resposta, com valores obtidos por meio da fórmula P = número de crianças necessárias dividido pelo número de crianças entrevistadas. Na segunda etapa, foi selecionada, como ponto inicial, a residência mais ao norte do conglomerado, depois partiu-se para a casa vizinha até completar sete residências que apresentassem crianças na faixa etária estipulada. Na terceira etapa, as crianças do grupo etário de interesse foram listadas e selecionadas aleatoriamente por meio de uma tabela de números aleatórios.
Foram utilizadas as seguintes definições de caso:
Responsável pela criança: indivíduo maior de 18 anos de idade que, no momento da entrevista, se apresentava como seu cuidador ou responsável legal.
Criança vacinada: criança de 7 a 9 anos de idade, residente em Santa Maria que, no período de 26 de junho a 16 de julho de 2012, teve a caderneta de vacina apresentada aos entrevistadores constando o registro do segundo reforço de DTP e da segunda dose de SCR.
Criança não vacinada: criança de 7 a 9 anos de idade, residente em Santa Maria que, no período de 26 de junho a 16 de julho de 2012, teve a caderneta de vacina apresentada aos entrevistadores sem o registro do segundo reforço de DTP e da segunda dose de SCR ou que não apresentou a caderneta de vacinação.
Para a coleta de dados, foi realizada uma entrevista com o responsável pela criança selecionada, na qual se aplicou um questionário semiestruturado composto de 74 questões. Nessa entrevista, inquiriu-se sobre as seguintes variáveis:
Identificação do responsável pela criança: nome, idade, sexo, grau de parentesco, escolaridade, profissão, local de trabalho e renda.
Dados da criança: nome da criança, nome da mãe, ordem de nascimento, sexo, data de nascimento, naturalidade/UF, raça/cor e se frequentava a escola.
Dados referentes à vacinação da criança: se possuía caderneta de vacina, se apresentou a caderneta, se possuía informações vacinais para as doses de SCR e DTP.
Possíveis fatores relacionados à vacinação e não vacinação: reação à vacina, portadora de doença que impedia a vacinação, recebimento de visita domiciliar de profissionais de saúde, recebimento de bolsa família, serviços que utilizava para vacinar, dificuldades enfrentadas no atendimento de vacinação que utilizava, falta de vacina no local que habitualmente procurava, dificuldades que impediam o acesso ao local de vacinação, motivos pessoais para a não vacinação.
Os dados vacinais referidos pelo responsável da criança, mas sem a apresentação da caderneta, foram considerados como não vacinados. Para minimizar esse viés, foi realizado o agendamento para visita às residências, a fim de avaliar a caderneta física.
Os dados foram analisados no software Epi Info™ v3.5.3, módulo de estatística avançada para amostra complexa (complex sample). Foram utilizadas medidas de frequência, tendência central e dispersão, assim como a razão de prevalência para os casos associados ou não à vacinação.
Cada entrevista foi precedida da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por parte do responsável pela criança. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretária Estadual de Saúde do Distrito Federal em 3 de abril de 2012, protocolo nº 112/2012.
RESULTADOS
Como resultado do inquérito, foram percorridos 30 setores censitários elegíveis e um reserva, totalizando 31. Foi necessário percorrer um setor censitário a mais, pois em um havia menos de seis crianças. Dessa forma, obteve-se quatro setores censitários com seis crianças, os quais foram ajustados por meio de peso no valor de 1,17, alcançando o total de 206 crianças amostradas.
Dos 206 responsáveis pelas crianças, independente do grau de parentesco, observou-se mediana de idade de 35 anos (19-73), sendo 88,3% (182/206) do sexo feminino. A respeito da escolaridade, a maioria dos mesmos, 43,7% (90/206), informaram possuir de nove a 11 anos de estudo. Quanto ao local de trabalho, 57,8% (119/206) referiram trabalhar em casa, e a mediana da renda familiar foi de R$ 850,00 (R$ 134,00-7.000,00). Sobre o número de filhos por mãe, percebeu-se que 49,0% (101/206) delas possuíam três filhos ou mais. Em relação às características sociodemográficas das crianças participantes do inquérito, a maioria era do sexo feminino (51,0%; 105/206), tinha 7 anos de idade (34,5%; 71/206), era declarada parda (53,4%; 110/206) e frequentava a escola (99,5%; 205/206). Quanto à unidade da federação de nascimento, 91,3% (188/206) referiram serem naturais do Distrito Federal e 71,9% (148/206) moravam em Santa Maria há mais de três anos (Tabela 1).
Responsáveis | Mediana | Mínima-Máxima | ||
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 35 | 19-73 | ||
Renda (N = 168) | R$ 850,00 | R$ 134,00-7.000,00 | ||
N | % | IC95% | ED | |
Sexo | ||||
Feminino | 182 | 88,3 | 83-93 | 1,2 |
Masculino | 24 | 11,7 | 6-17 | |
Anos de estudo | ||||
0-5 | 53 | 25,7 | 20-31 | 0,8 |
6-8 | 52 | 25,3 | 18-33 | |
9-11 | 90 | 43,7 | 36-51 | |
≥ 12 | 11 | 5,3 | 2-9 | |
Local de trabalho | ||||
Em casa | 119 | 57,8 | 51-64 | 0,9 |
Fora de casa | 87 | 42,2 | 35-49 | |
Número de filhos por mãe | ||||
1 | 37 | 18,0 | 13-23 | |
2 | 68 | 33,0 | 28-38 | 1,0 |
≥ 3 | 101 | 49,0 | 41-57 | |
Criança | N | % | IC95% | ED |
Sexo | ||||
Masculino | 101 | 49,0 | 42-56 | 1,0 |
Feminino | 105 | 51,0 | 44-58 | |
Idade (anos) | ||||
7 | 71 | 34,5 | 28-41 | 0,9 |
8 | 70 | 34,0 | 28-40 | |
9 | 65 | 31,5 | 25-38 | |
Criança estuda | ||||
Sim | 205 | 99,5 | 98-100 | 0,9 |
Não | 1 | 0,5 | 0,9-1 | |
Raça/cor | ||||
Branca | 71 | 34,5 | 30-39 | 0,4 |
Parda | 110 | 53,4 | 48-59 | |
Preta | 18 | 8,7 | 5-13 | |
Outras* | 7 | 3,4 | 1-6 | |
Ordem de nascimento | ||||
Primogênito | 83 | 40,3 | 32-48 | 0,7 |
Segundo ao terceiro filho | 95 | 46,1 | 40-52 | |
Quarto filho ou + | 28 | 13,6 | 7-20 | |
Naturalidade | ||||
Distrito Federal | 188 | 91,3 | 87-95 | 0,9 |
Goiás | 5 | 2,4 | 0,3-4 | |
Outros† | 13 | 6,3 | 3-10 | |
Tempo de moradia na Região Administrativa (anos) | ||||
< 1 | 26 | 12,6 | 8-18 | 0,8 |
1-2 | 32 | 15,5 | 11-20 | |
≥ 3 | 148 | 71,9 | 64-79 |
IC95%: Intervalo de confiança 95%; ED: Efeito desenho; * Indígena, amarela e ignorado; † Piauí, Tocantins, Pará, Bahia, Paraíba e Maranhão.
Dos 206 responsáveis entrevistados, 202 (98,1%) (IC95%: 97-100) referiram que as crianças encontravam-se vacinadas, e 200 (97,1%) (IC95%: 93-100) informaram que as crianças possuíam caderneta de vacinação; entretanto, apenas 177 (85,9%) (IC95%: 73-86) apresentaram a referida caderneta para comprovação das doses. Contudo, na análise geral, 141 crianças possuíam o registro de segundo reforço de DTP e de segunda dose de SCR. Dessa forma, a cobertura vacinal para as duas vacinas foi de 68,5% (IC95%: 61-76 / ED: 1,1) na Região Administrativa de Santa Maria.
Quando analisado separadamente por vacina, verificou-se que 72,3% (149/206; IC95%: 66-78) tinham o segundo reforço de DTP; e, para a segunda dose da vacina SCR, a cobertura encontrada foi de 76,7% (158/206; IC95%: 71-83) (Tabela 2). Na análise de cobertura vacinal por idade das crianças, para o segundo reforço de DTP e segunda dose da SCR, verificou-se uma diferença entre as duas vacinas, resultando em 67,6% (48/71) para DTP e 78,9% (56/71) para SCR aos 7 anos de idade; e de 75,4% (49/65) para DTP e 76,9% (50/65) para SCR aos 9 anos de idade. Já para a idade de 8 anos, houve uma equivalência entre as coberturas, com 74,3% (52/70) para DTP e SCR.
Cobertura vacinal | Vacinado | IC95% | ED | |
---|---|---|---|---|
N | % | |||
DTP | ||||
Terceira dose | 175 | 85,0 | 80-89 | 0,8 |
Primeiro reforço | 171 | 83,0 | 78-87 | 0,7 |
Segundo reforço | 149 | 72,3 | 66-78 | 0,8 |
SCR | ||||
Primeira dose | 176 | 85,4 | 81-90 | 0,7 |
Segunda dose | 158 | 76,7 | 71-83 | 0,9 |
IC95%: Intervalo de confiança; ED: Efeito desenho.
Para os fatores relacionados à não vacinação, foi verificada associação estatística nas variáveis onde os cuidadores da criança eram os avós, tios e irmãos mais velhos, resultando na prevalência de não ser vacinado de 1,9 vezes maior [RP = 1,9 (IC95%: 1,2-3,0)] que quando os pais eram seus cuidadores. Ter três ou mais filhos teve a prevalência de não ser vacinado duas vezes maior [RP = 2,0; (IC95%: 1,3-3,2)] em relação às mães que possuíam menos filhos; e, quanto à ordem de nascimento, ser a partir do quarto filho da família teve a prevalência de não ser vacinado 1,5 vezes maior [RP = 1,5; (IC95%: 1,1-2,4)] em relação a ser o primeiro ao terceiro filho. As pessoas que receberam visita domiciliar de profissionais de saúde apresentaram a razão de prevalência de ser vacinado 1,2 vezes maior [RP = 1,2; (IC95%: 1,0-1,4)] em relação aos que não receberam visita (Tabela 3).
Vacinada | RP | IC95% | ED | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | Total | |||||||
N | % | N | % | N | % | ||||
Grau de parentesco do responsável | |||||||||
Pais | 45 | 26,8 | 123 | 73,2 | 168 | 81,6 | 1,9 | 1,2-3,0 | 1,2 |
Outros | 20 | 52,6 | 18 | 47,4 | 38 | 18,4 | |||
Quantidade de filhos por mãe | |||||||||
1 a 2 | 22 | 21,0 | 83 | 79,0 | 105 | 51,0 | 2,0 | 1,3-3,2 | 1,2 |
3 ou + | 43 | 42,6 | 58 | 57,4 | 101 | 49,0 | |||
Ordem de nascimento | |||||||||
Primeiro ao terceiro | 52 | 29,2 | 126 | 70,8 | 178 | 86,4 | 1,5 | 1,1-2,4 | 1,2 |
Quarto ou + | 13 | 46,4 | 15 | 53,6 | 28 | 13,6 | |||
Recebeu visita de profissional de saúde | |||||||||
Sim | 15 | 21,4 | 55 | 78,6 | 70 | 34,0 | 1,2 | 1,04-1,4 | 1,2 |
Não | 50 | 36,8 | 86 | 63,2 | 136 | 66,0 |
RP: Razão de prevalência; IC95%: Intervalo de confiança; ED: Efeito desenho.
A periodicidade de recebimento de visita domiciliar feita pela equipe de saúde foi referida pelos entrevistados, sendo que 22,9% (16/70) deles relataram visitas no mês anterior ao estudo, 37,1% (26/70), há aproximadamente um ano, e 40,0% (28/70), há mais de um ano.
A tabela 4 mostra os fatores que não apresentaram significância estatística para serem associados à não vacinação das crianças do estudo. Em 16,9% (11/65) das crianças consideradas como não vacinadas, foram relatadas reações adversas pós-vacinais. Quanto aos motivos relatados para a não vacinação, 7,7% (5/65) dos entrevistados referiram doenças ou doenças graves na criança; entre essas, foram citadas bronquite, convulsão, epilepsia de difícil controle, meningite e cardiopatia. Observou-se que 69,2% (45/65) das crianças não vacinadas estavam cobertas pelo programa assistencial Bolsa Família. A respeito do serviço de vacinação, 98,1% (202/206) faziam uso exclusivo do serviço público e 1,9% (4/206), dos serviços público e particular. Contudo, 31,2% (63/202) das que afirmaram utilizar o serviço público não estavam vacinadas. Dos usuários do serviço público, 1,9% (4/202) referiram que o horário de funcionamento da sala de vacina dificultava a vacinação, 31,7% (64/202) que houve falta de vacina e 32,2% (65/202) que encontraram dificuldades no acesso ao posto de vacinação.
Fatores | n/N | % | RP | IC95% | ED |
---|---|---|---|---|---|
Apresentação de evento adverso à vacina | 11/65 | 16,9 | 0,5 | 0,2-1,6 | 1,2 |
Doença que impediu a vacinação | 5/65 | 7,7 | 1,9 | 0,9-4,1 | 1,2 |
Recebe auxílio do Bolsa Família | 45/65 | 69,2 | 0,8 | 0,5-1,2 | 1,2 |
Utiliza serviço público para vacinação | 63/202 | 31,2 | 0,9 | 0,2-5,2 | 1,2 |
Fatores de dificultaram a vacinação no serviço público | |||||
Horário de funcionamento da sala de vacina | 4/202 | 1,9 | 0,7 | 0,4-1,2 | 1,2 |
Vacina em falta | 64/202 | 31,7 | 1,2 | 0,7-2,0 | 1,1 |
Dificuldade de acesso | 65/202 | 32,2 | 1,2 | 0,8-1,9 | 1,2 |
n: Número de ocorrências; N: Total de crianças; RP: Razão de prevalência; IC95%: Intervalo de confiança; ED: Efeito desenho.
DISCUSSÃO
O inquérito de cobertura vacinal de segundo reforço de DTP e segunda dose de SCR, em crianças de 7 a 9 anos de idade, conseguiu averiguar a situação vacinal do público-alvo, atingindo uniformemente diversas realidades que compõem a região.
A metodologia utilizada no estudo de inquérito por amostragem por conglomerados 30x7, proposta pela OMS, foi desenvolvida para ser aplicada em regiões com poucos recursos humanos e financeiros; é de fácil aplicação, facilitando e agilizando os trabalhos de campo, mas necessita de rigor na execução dos procedimentos metodológicos, a fim de evitar vieses na seleção das crianças incluídas8,12,13.
Durante o levantamento de dados, foi observado que apenas 85,9% dos entrevistados apresentaram a caderneta de vacinação. Pereira et al.14, durante avaliação do registro da vacina BCG, observaram situação semelhante quanto à falta do cartão vacinal e de registros completos. No presente estudo, a apresentação da caderneta de vacinação foi maior do que o relatado na literatura.
Verificou-se que as coberturas vacinais apresentaram valores inferiores aos de outros estudos (> 89%)2,15,16. Foi observada uma diferença de 4,3% na cobertura da segunda dose de SCR e do segundo reforço de DTP, sugerindo problemas na averiguação dos dados das cadernetas vacinais pelos profissionais de saúde. A maior vacinação de SCR sugere ter sido motivada pelas campanhas de erradicação da rubéola e sarampo ou pela antecipação equivocada da dose para menores de 4 anos de idade, visto que pode ser administrada, no mínimo, 30 dias após a primeira dose. Segundo o Ministério da Saúde15, as coberturas das vacinas, quando aplicadas concomitantemente, são bem maiores do que quando aplicadas em momentos diferentes.
Neste estudo, 31,5% (65/206) das crianças não foram consideradas adequadamente vacinadas, em virtude de não se enquadrarem na definição utilizada pelo Ministério da Saúde, que preconiza o esquema vacinal de três doses da vacina DTP ou tetravalente (DTP+Hib), seguido do reforço administrado de seis a 12 meses após a terceira dose e um segundo reforço entre 4 e 6 anos de idade. Estudos evidenciaram que a imunidade conferida pelas vacinas disponíveis no mercado não é permanente e decresce, em média, de cinco a 10 anos após a última dose; isso confere pouca ou nenhuma proteção e colabora para o risco de adoecimento por essas doenças, tornando importante a vacinação de reforço para prolongar a imunidade16,17.
Experiências de mudanças na estratégia de vacinação para DTP têm sido relatadas em todo o mundo, englobando outras faixas etárias, tanto em adolescentes como em adultos, assim como a necessidade de incremento de doses de reforço em crianças de 4 a 6 anos de idade18, a fim de garantir maior adesão à vacinação de DTP.
O Ministério da Saúde17 indica a primeira dose de SCR aos 12 meses de idade e a segunda entre 4 e 6 anos de idade, a fim de corrigir possíveis falhas vacinais primárias e vacinar aqueles que, porventura, não tenham sido vacinados anteriormente, mantendo alta a imunidade de grupo, ou seja, coberturas iguais ou superiores a 95%. Este estudo apontou coberturas abaixo do preconizado tanto para SCR como DTP.
Condições sociodemográficas, como renda familiar, baixa escolaridade dos responsáveis, número elevado de filhos por mãe e a ordem de nascimento das crianças, foram relacionadas com a não vacinação devido ao cuidador estar centrado nas atividades de geração de renda para garantir a subsistência familiar, preocupando-se pouco com ações de prevenção ou de promoção da saúde, buscando os serviços de saúde apenas para tratamento de problemas instalados16,19.
A visita domiciliar foi relacionada como ação importante para a vacinação das crianças, pois a equipe de saúde consegue contribuir ativamente para a vacinação, aproveitando a oportunidade para verificar as cadernetas, identificar os suscetíveis e orientar quanto à imunização19.
Para Mascaretti et al.20, as ações de vacinação de uma população são responsabilidade de múltiplos parceiros desse processo, englobando os cuidadores/familiares da criança, a escola e os serviços de saúde. A rede de atenção à saúde deve garantir: acesso da população aos imunobiológicos e equipamentos para conservação de sua qualidade; capacitação de seus profissionais quanto à adequada administração de vacinas e às orientações de cuidados pós-vacinais e à observância ao cumprimento do plano de vacinação; além da oferta de oportunidades para a atualização vacinal dos suscetíveis, promovendo a proteção coletiva contra as doenças imunopreveníveis.
Por fim, constatou-se, como limitações deste estudo, os vieses de memória e de informação, devido aos dados incompletos nas cadernetas, o que pode ter subestimado as coberturas vacinais.
CONCLUSÃO
As condições socioeconômicas das famílias e a baixa adesão à vacinação das crianças levam a baixas coberturas vacinais e à maior suscetibilidade ao adoecimento.
Os dados apresentados neste estudo enfatizam a importância da guarda e apresentação da caderneta vacinal pelos responsáveis, bem como a necessidade de aprimorar as estratégias do programa de imunização de Santa Maria, visando melhorar os indicadores vacinais para DTP e SCR, principalmente com relação ao segundo reforço e segunda dose, respectivamente. Percebe-se ainda a necessidade de atividades da atenção básica no intuito de fortalecer as estratégias do programa, fundamentais para que as ações de imunização tenham um impacto coletivo de prevenção das doenças imunopreveníveis, diminuindo a ocorrência de casos graves e de sequelas, assegurando redução dos custos de internações/tratamentos; assim como orientar a oferta de serviço pela necessidade da população, corrigir distorções e superar barreiras em relação ao acesso aos serviços públicos de saúde e, principalmente, melhorar a qualidade de vida das crianças dessa população.