INTRODUÇÃO
As feiras livres estão presentes em muitos países desde séculos passados, sendo que, no Brasil, surgiram em 1914 quando se estabeleceram pontos de vendas de diversos produtos, como alimentos, roupas e calçados, possibilitando a prestação de serviços acessíveis à população e suprindo a necessidade da grande demanda de consumidores1.
Esse mercado informal foi atingindo maiores proporções em decorrência da baixa oferta de empregos, possibilitando o trabalho alternativo para o sustento de muitas famílias. Entretanto, em relação à venda de alimentos, se não for obedecida à legislação sanitária quanto às condições de higiene, haverá comprometimento à saúde do consumidor2.
Os alimentos mal armazenados constituem uma grande fonte de contaminação, principalmente quando são comercializados em feiras, pois, nesses locais, transitam muitas pessoas e animais. Na maioria das vezes, não existem instalações e condições adequadas no local de venda, como água para a higienização das mãos e dos alimentos, além do desconhecimento dos ambulantes sobre higiene no manuseio dos produtos, o que pode levar a altos índices de contaminação alimentar e de exposição dos consumidores ao risco de infecções veiculadas por alimentos3,4,5.
As doenças transmitidas por alimentos representam um problema de saúde pública e são causadas, principalmente, por bactérias que estão presentes no ar, no solo, em objetos e em alimentos mal conservados ou processados, sendo uma das principais fontes de morbidade em nosso meio. A falta de cuidados com os alimentos pode levar à contaminação, causando um mal-estar gastrointestinal ou evoluir para complicações mais graves6,7.
Devido aos altos índices de doenças relacionadas à ingestão de alimentos contaminados, é de suma importância o estudo sobre a análise microbiológica desses produtos. Nesse contexto, a avaliação de coliformes totais e termotolerantes constitui um dos métodos mais utilizados por permitir o controle da qualidade dos alimentos quanto ao seu consumo, visto que são indicadores de contaminação por patógenos causadores de doenças infecciosas8.
Considerando o exposto, este estudo teve por objetivo avaliar o índice de contaminação bacteriana do coco ralado comercializado em feiras livres do município de Belém, no estado do Pará, por ser um produto comum e bastante utilizado na culinária paraense. Esse fruto, Cocos nucifera, pertencente à família Arecaceae e tem, como características internas, polpa branca, oleosa e com espessura variável9. Além disso, é um alimento rico em minerais e vitaminas. Assim como qualquer outro alimento, o coco ralado possui prazo de validade e requer condições adequadas de armazenamento e higiene no manuseio, sendo, portanto, um produto suscetível à contaminação.
MATERIAIS E MÉTODOS
ÁREA DE ESTUDO
Este é um estudo experimental, no qual foram analisadas, quanto à contaminação bacteriana, porções de coco ralado comercializadas em três feiras livres de Belém. Em cada feira, foram selecionados pontos de coleta de amostras, sendo quatro pontos na feira I, dois na feira II e três na feira III.
A feira I localiza-se no centro comercial de Belém e os pontos de comercialização de coco ralado ficam próximos a vendas de artesanatos e a um rio que possui terminais de embarcações com grande fluxo de pessoas que circulam pelos pontos.
A feira II está localizada em um bairro periférico da cidade, onde o coco é comercializado no interior do Mercado Municipal, juntamente com outros produtos, como macaxeira (Manihot esculenta) e coco seco, e nas proximidades de vendas de ervas, carnes, mariscos e pescados.
A feira III está localizada no centro de Belém e circundada por avenidas com grande fluxo de veículos. Os pontos de comercialização de coco também se encontram nas proximidades dos pontos de venda de pescados e refeições.
OBTENÇÃO E PROCESSAMENTO DAS AMOSTRAS
As amostras de coco ralado foram adquiridas na condição de consumidor, no período de abril a julho de 2016. Em cada ponto de coleta, foram adquiridas duas amostras de 100 g do produto, uma no início da manhã (primeiro período) e outra no final da manhã (segundo período), totalizando 18 amostras, identificadas com data e hora de coleta, acondicionadas em caixas de isopor e imediatamente transportadas nas embalagens originais para o Laboratório de Bacteriologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará.
As embalagens foram abertas assepticamente, de onde foram retiradas 25 g de cada porção atendendo às exigências da ISO 6887-110 e da Resolução RDC nº 12 de 2 de janeiro de 200111 que foram transferidas para frascos esterilizados e diluídas em 225 mL de água peptonada, homogeneizadas por 2 min e, em seguida, submetidas à diluição até 10-3.
A pesquisa para coliformes foi realizada pelo método do número mais provável (NMP)12. A partir de cada diluição, foi retirado 1 mL da solução e transferido para três tubos de ensaio com 10 mL de Caldo Lauril (HiMedia Laboratories, Mumbai, Índia), contendo tubos de Durham invertidos, sendo incubados em estufa a 36 ºC, por 24 h. Posteriormente, procedeu-se os testes para confirmação de coliformes totais e termotolerantes.
Para coliformes totais, foram utilizados tubos com caldo verde brilhante (HiMedia Laboratories, Mumbai, Índia), incubados a 36 ºC, por 24 h. Para coliformes termotolerantes, foram utilizados tubos com caldo Escherichia coli (HiMedia Laboratories, Mumbai,
Índia) em banho-maria, a 45,5 ºC, por 24 h, sendo, em seguida, inoculado com o auxílio de uma alça bacteriológica em placas de ágar eosina azul de metileno (EMB) (HiMedia Laboratories, Mumbai, Índia), as quais foram incubadas a 36 ºC, por 24 h.
Para a pesquisa de Salmonella sp., utilizou-se 25 g de cada amostra de coco ralado, diluídas em 225 mL de água peptonada tamponada em frasco esterilizado, incubadas a 36 ºC, por 18 h. Após esse período, 0,1 mL da amostra foi transferido para tubos contendo 10 mL de caldo Rappaport-Vassiliadis Soya (HiMedia Laboratories, Mumbai, Índia), para enriquecimento, e mantidos em banho-maria, a 42 ºC, por 24 h. Em seguida, foram inoculadas com o auxílio de uma alça bacteriológica em placas de ágar SS (Salmonella-Shigella) (HiMedia Laboratories, Mumbai, Índia) e incubadas a 36 ºC, por 24 h.
As colônias que cresceram nos meios EMB e ágar SS foram transferidas para ágar nutriente (HiMedia Laboratories, Mumbai, Índia) e identificadas pela série bioquímica: tríplice açúcar ferro, indol, vermelho de metila, motilidade, fenilalanina, descarboxilação de aminoácidos (L-lisina) e citrato de Simmons.
RESULTADOS
As amostras de coco ralado obtidas nas três feiras, no primeiro período, foram consideradas dentro dos padrões aceitáveis para consumo, segundo os critérios estabelecidos pela Resolução RDC nº 12, que considera aceitável a presença de coliformes termotolerantes até o limite de 5x102 NMP/g em amostras de coco in natura. Como todas as amostras
do primeiro período apresentaram NMP/g de coliformes termotolerantes abaixo do estabelecido, foram consideradas aceitáveis para consumo. Porém, no segundo período, todas as amostras das feiras I e II foram consideradas impróprias para consumo, uma vez que atingiram índices de coliformes termotolerantes acima do estabelecido pela Resolução (>11x102 NMP/g), ficando somente as amostras da feira III dentro dos padrões aceitáveis para consumo nos dois períodos analisados (Tabela 1).
Feiras | Amostras | Primeiro período | Segundo período | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
NMP/g | Contaminação | AIC | NMP/g | Contaminação | AIC | ||
I | 1 | 0,43x102 | 100,0% | 0% | >11x102 | 100,0% | 100% |
2 | 0,03x102 | >11x102 | |||||
3 | 0,23x102 | >11x102 | |||||
4 | 4,60x102 | >11x102 | |||||
II | 1 | 0,07x102 | 100,0% | 0% | >11x102 | 100,0% | 100% |
2 | 4,60x102 | >11x102 | |||||
III | 1 | 0,03x102 | 66,7% | 0% | - | 66,7% | 0% |
2 | 0,93x102 | 4,60x102 | |||||
3 | - | 0,03x102 |
NMP: Número mais provável; AIC: Amostra imprópria para consumo; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
A análise comparativa das porções de coco ralado mostrou que aquelas adquiridas nas feiras I e II apresentaram 100% de contaminação, tanto no primeiro como no segundo períodos; porém, nenhuma amostra do primeiro período foi considerada imprópria para consumo, resultado diferente ao apresentado no segundo período, quando 100% das amostras dessas feiras foram consideradas impróprias para consumo. Já as porções adquiridas na feira III apresentaram menor índice de contaminação e nenhuma amostra imprópria para consumo, inclusive duas amostras apresentaram-se totalmente isentas de contaminação, as amostras 1 e 3, do primeiro e segundo períodos, respectivamente (Tabela 1).
Foram identificados cinco patógenos contaminantes: E. coli, Citrobacter sp., Edwardsiella sp., Enterobacter sp. e Klebsiella sp., sendo E. coli, Enterobacter sp. e Klebsiella sp. pertencentes ao grupo de coliformes termotolerantes. A pesquisa para Salmonella sp. foi negativa em todas as amostras de coco. O quadro 1 apresenta a diversidade bacteriana em cada feira analisada.
DISCUSSÃO
Os resultados mostraram a presença de coliformes nas amostras de coco ralado in natura, o que já era esperado, uma vez que foram observadas condições higiênico-sanitárias inadequadas nos pontos de coleta das feiras estudadas. Essas condições, somadas a outros fatores, como ausência de utensílios adequados de trabalho e armazenamento inadequado dos produtos, foram considerados como fatores responsáveis pelo alto índice de contaminação observado neste estudo. Viana et al.13 e Holanda et al.14 constataram que os alimentos comercializados em feiras livres geralmente são mantidos sob baixas condições de higiene, incluindo as barracas e utensílios.
Silva et al.15, analisando a qualidade microbiana de saladas de frutas manipuladas em feiras livres, evidenciaram a presença de coliformes a 35 ºC e 45 ºC, sugerindo péssimas condições higiênico-sanitárias e presença de E. coli, comprovando riscos à saúde do consumidor em razão dessa bactéria ser um indicador de coliformes fecais em alimentos in natura.
Conforme estudos realizados, a falta de controle sanitário e a longa exposição do alimento ao ar são as principais causas de contaminação de alimentos em feiras livres, por favorecerem maior proliferação microbiana16,17, o que foi observado nas feiras I e II.
Essas feiras, por venderem o produto previamente ralado, possibilitaram a contaminação cruzada pela grande demanda de consumidores, trânsito de animais e proliferação de insetos no local, o que contribuiu para a disseminação microbiana.
Outro agravante observado nessas feiras foi a utilização de utensílios inadequados para a manipulação, como o uso de garrafa de polietileno tereftalato para a retirada do coco no momento da comercialização, demonstrando a falta de higiene ao manipular alimentos. Farias et al.18 relataram que a comercialização de alimentos perecíveis está sujeita à grande contaminação, quando realizada em condições precárias de higiene e de infraestrutura dos locais de trabalho.
Na feira III, as amostras de coco eram raladas no momento da comercialização e, nesse caso, apresentaram os menores níveis de contaminação, apesar dos vendedores não usarem luvas, máscaras, toucas ou avental durante a manipulação do produto, além de serem os mesmos que recebiam o pagamento. Dessa forma, a prática de ralar o coco na hora da venda pode ter contribuído para a redução dos índices de contaminação por microrganismos.
Um fato interessante observado na feira III foi que duas amostras ficaram ausentes de contaminação microbiana, uma no primeiro e outra no segundo períodos, quando se esperava um índice de contaminação maior, levando-se em consideração o tempo de exposição do produto. Porém, nessa feira, o coco era ralado na hora da compra, não ficando exposto ao ar livre, excluindo-se, portanto, esse fator de interferência.
A contaminação pode ter ocorrido de forma indiscriminada em qualquer período analisado e estar relacionada a praticas incorretas quanto ao manuseio, produção, armazenamento e comercialização do
produto, o que já foi demonstrado em estudos como o de Gomes et al.19
A grande preocupação com alimentos comercializados em feiras livres é que esses podem representar riscos para a saúde dos consumidores. A maior indicadora de contaminação de alimentos e água é a bactéria E. coli, a qual é responsável por cerca de 95% dos casos de doenças transmitidas por alimentos20,21. Essa bactéria foi encontrada na maioria das amostras de coco ralado analisadas neste estudo.
A pesquisa para Salmonella sp. foi negativa em todas as amostras, resultado também encontrado em estudos realizados por Santos et al.22, Souza et al.23 e Soares24 em frutas na forma in natura, congeladas e processadas.
Um dos dados mais marcantes observado no presente estudo foi que, nas feiras I e II, o coco era previamente ralado e mantido em recipientes abertos, o que pode ter contribuído para a ocorrência de amostras impróprias para consumo no segundo período. Já na feira III, como o coco era ralado no momento da venda, houve menor percentual de contaminação e nenhuma amostra imprópria para consumo. Assim, verifica-se que uma forma de minimizar a contaminação de produtos in natura vendidos em feiras livres é manuseá-los no momento da venda.
As bactérias detectadas neste estudo mostram a importância desse tipo de análise microbiológica, pois a presença de coliformes nos alimentos pode trazer sérios riscos à saúde. Segundo o Ministério da Saúde25, alimentos contaminados por E. coli e outras bactérias de importância em infecções veiculadas por alimentos causam desde infecções simples a quadros graves, em decorrência da intensa proliferação de
microrganismos patogênicos presentes no alimento, o que é um agravante para a saúde da população.
CONCLUSÃO
Todas as feiras avaliadas comercializavam coco ralado com algum grau de contaminação e a maioria das amostras foram consideradas impróprias para consumo.
Por isso, faz-se necessária a fiscalização e intervenção dos órgãos responsáveis, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Secretaria Municipal de Saúde, no sentido de estabelecer ações que promovam melhorias nos locais de trabalho e conscientização dos feirantes, principalmente daqueles que trabalham com alimentos in natura, para que possam cumprir as normas de higiene e manipulação estabelecidas, reduzindo os riscos de contaminação alimentar.