INTRODUÇÃO
Uma das principais causas de morte e de incapacidade sofridas pela população mundial é a violência em suas mais variadas formas, a qual causa mais de 1,6 milhões de mortes por ano e pelo menos 16 milhões de lesões graves, gerando sofrimento incalculável1.
Segundo dados do Saúde Brasil 20142, os homens, principalmente entre 15 e 59 anos de idade, têm maior risco de morrer do que as mulheres na mesma faixa etária, com grande prevalência das causas externas (acidentes e violências) como causa da morte. O perfil de mortalidade mostra que mulheres morrem mais devido a doenças crônicas não transmissíveis e homens, predominantemente, devido a duas causas externas: homicídios e acidentes de transporte terrestre. Na Região Norte, os homicídios foram a segunda maior causa de morte em 2013, e as causas externas foram responsáveis por cerca de 9.000 internações em Belém no ano de 2010, gerando um custo de quase R$ 8 milhões para o Sistema Único de Saúde2,3.
Nesse sentido, as causas externas continuam representando um imenso desafio para a sociedade brasileira, por estarem associadas à grande mortalidade e morbidade, além dos consideráveis prejuízos financeiros e sociais delas advindos4. Em 2010, no conjunto das capitais brasileiras, foram hospitalizados 217.451 pacientes em decorrência de causas externas, correspondendo a um montante de R$ 247,5 milhões e um custo médio de R$ 1.138,13 por paciente4.
Dentre as lesões ocorridas em grandes centros de atendimento a pacientes vítimas de trauma, o trauma facial é um dos mais prevalentes5. No Brasil, a principal localização das lesões causadas por violência, no ano de 2010, foi a região da cabeça e face, correspondendo a 21,8% das lesões2. Isso ocorre porque a face é a região mais exposta do corpo, a menos protegida e está relacionada a uma variedade de traumatismos ocorridos de forma isolada ou também associada a outros sistemas5.
Dados epidemiológicos dos traumas faciais variam de acordo com a etiologia, a gravidade da lesão e os grupos populacionais. Embora os acidentes com veículos automotores ainda sejam a principal causa de traumatismos maxilofaciais em alguns países desenvolvidos, estudos, nesses mesmos países, têm mostrado que a violência interpessoal tornou-se outra etiologia comum6,7,8.
Dentro da Odontologia, fazem-se necessários estudos que analisem o impacto da violência à saúde bucal das populações com a fundamentação e o olhar da saúde coletiva9. Destaca-se que o trauma facial é limitante, estigmatizante e considerado uma das agressões mais devastadoras à saúde humana. Isso se deve às consequências psicológicas e à possibilidade de deformidade permanente geradas, além do impacto econômico que causam em um sistema de assistência
à saúde9,10. Dessa forma, o objetivo da presente pesquisa foi identificar as lesões faciais e verificar a magnitude dos agravos da violência em indivíduos com traumas faciais ocorridos na cidade de Belém, estado do Pará, Brasil, no período de 2006 a 2010.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo transversal, aprovado em 25 de setembro de 2009 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (Protocolo n° 081/09), cuja coleta de dados foi realizada no Instituto Médico Legal, Centro de Perícias Criminais (CPC) Renato Chaves, em Belém.
A amostra foi composta por todos os laudos de indivíduos envolvidos em violência, com consequente trauma facial, no período de janeiro de 2006 a dezembro de 2010, perfazendo um total de 1.123 laudos. Foram incluídos, no estudo, laudos completos e finalizados pelo CPC, com perícia odontológica de indivíduos de ambos os gêneros e idade superior a 14 anos.
Os dados foram armazenados em formulário padronizado contendo: dados do indivíduo (idade, gênero, cor da pele, profissão, estado civil), da etiologia (agressões, acidentes de trânsito, outro), da gravidade da lesão (leve, grave ou gravíssima) e a descrição da lesão (erosão, edema, fratura, outros).
A lesão corporal foi classificada como leve, grave ou gravíssima, conforme o Código Penal Brasileiro11. A lesão leve geralmente não causa grande dano à integridade corporal, embora possa causar transtornos de caráter psicológico. A lesão grave resulta em incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias, perigo de vida, debilidade permanente de membro, sentido ou função e aceleração de parto. A lesão gravíssima pode gerar incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou inutilização de membro, sentido ou função, deformidade permanente ou aborto11.
Os dados foram analisados no software BioEstat v5.0 por estatística descritiva e pelos testes de Kruskal-Wallis, para análise da gravidade das lesões em relação ao ano de ocorrência, e de correlação de Spearman (rs), para análise da relação entre a etiologia e a gravidade das lesões. Foi adotado nível de significância p < 0,05.
RESULTADOS
A amostra analisada foi composta por 1.123 laudos, com média de 224,6/ano. Os laudos eram referentes a 687 indivíduos do gênero masculino e a 436 do feminino, com idade média de 31 anos para ambos os gêneros (desvio padrão de ±11,91 anos para homens e de ±10,98 anos para mulheres). As faixas etárias mais acometidas foram 14 a 24 anos e 25 a 35 anos em ambos os gêneros, representando 68,83% dos laudos (Tabela 1).
Variável | Gênero masculino | Gênero feminino | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N = 687 | % | N = 436 | % | N = 1.123 | % | |
Idade (anos) | ||||||
14-24 | 254 | 36,97 | 133 | 30,50 | 387 | 34,46 |
25-35 | 213 | 31,00 | 173 | 39,68 | 386 | 34,37 |
36-46 | 129 | 18,78 | 92 | 21,10 | 221 | 19,68 |
>46 | 91 | 13,25 | 38 | 8,72 | 129 | 11,49 |
Cor | ||||||
Parda | 664 | 96,65 | 416 | 95,41 | 1.080 | 96,17 |
Branca | 23 | 3,35 | 20 | 4,59 | 43 | 3,83 |
Negra | - | - | - | - | - | - |
Estado civil | ||||||
Solteiro | 478 | 69,58 | 332 | 76,15 | 810 | 72,13 |
Casado | 110 | 16,01 | 43 | 9,86 | 153 | 13,62 |
União estável | 99 | 14,41 | 61 | 13,99 | 160 | 14,25 |
Profissão | ||||||
Estudante | 122 | 17,76 | 79 | 18,12 | 201 | 17,90 |
Comerciário | 27 | 3,93 | 11 | 2,52 | 38 | 3,38 |
Pedagogo | 4 | 0,58 | 13 | 2,98 | 17 | 1,51 |
Autônomo | 52 | 7,57 | 44 | 10,09 | 96 | 8,55 |
Funcionário público | 9 | 1,31 | 8 | 1,83 | 17 | 1,51 |
Advogado | 2 | 0,29 | 2 | 0,46 | 4 | 0,36 |
Policial/Militar | 28 | 4,08 | 2 | 0,46 | 30 | 2,67 |
Aposentado | 10 | 1,45 | 6 | 1,38 | 16 | 1,43 |
Sem ocupação | 16 | 2,33 | 36 | 8,26 | 52 | 4,63 |
Doméstica | - | - | 119 | 27,29 | 119 | 10,60 |
Motorista | 40 | 5,82 | - | - | 40 | 3,56 |
Outra/Não declarado | 377 | 54,88 | 116 | 26,61 | 493 | 43,90 |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
A cor parda foi a mais declarada entre 96,65% (664/687) dos homens e 95,41% (416/436) das mulheres. Quanto ao estado civil e a profissão, 69,58% (478/687) dos homens declararam-se solteiros e 17,76% (122/687), estudantes; enquanto que, entre as mulheres, 76,15% (332/436) declararam-se solteiras e 27,29% (119/436) trabalhavam como doméstica (Tabela 1).
Quanto à gravidade da lesão, observou-se oscilação da gravidade entre os números de laudos, em ambos os gêneros, no período analisado. No gênero masculino, por exemplo, verificou-se que, em 2006, houve 94 laudos de lesões leves, número que decresceu para 45 até 2009 e voltou a subir para 57 em 2010; além do número de laudos de lesões gravíssimas, que eram cinco em 2006 e passou a 43 em 2010, o que representa 760% de aumento no número de notificações de lesões gravíssimas após um período de cinco anos (Figura 1). Não houve, porém, diferença estatisticamente significante pelo teste de Kruskal-Wallis (p = 0,6310) entre o número total de lesões analisadas em 2006 (205 lesões) em relação às de 2010 (188 lesões), nem entre o número de lesões leves, graves e gravíssimas de ambos os sexos durante o período de cinco anos (p = 0,1489, p = 0,5233, p = 0,2745, respectivamente).
Quando verificada a frequência de traumas e suas variáveis, observou-se que indivíduos do gênero masculino foram responsáveis por mais da metade das agressões (56,77%), seguidos por veículo automotivo (25,51%), conforme tabela 2. A partir dos dados dessa tabela, é possível observar que alguns indivíduos foram vítimas de mais de um agressor, que mais de um lado da face foi afetado pela agressão e que mais de uma região foi traumatizada em alguns indivíduos. Além disso, alguns indivíduos foram vítimas apenas de avulsão dentária, por exemplo; e, para eles, não há dados de região da face afetada. Porém, essas especificidades não foram apresentadas.
Variável | Gênero masculino | Gênero feminino | Total | |
---|---|---|---|---|
N | N | N | % | |
Agressor (N = 1.270) | ||||
Masculino | 399 | 322 | 721 | 56,77 |
Feminino | 15 | 58 | 73 | 5,75 |
Não declarado | 72 | 34 | 106 | 8,35 |
Veículo automotivo | 176 | 148 | 324 | 25,51 |
Outros | 26 | 20 | 46 | 3,62 |
Porção da face afetada pela agressão (N = 1.233) | ||||
Direita | 268 | 221 | 489 | 39,66 |
Esquerda | 175 | 168 | 343 | 27,82 |
Medial | 219 | 182 | 401 | 32,52 |
Região do trauma (N = 2.042) | ||||
Lábio superior | 156 | 116 | 272 | 13,32 |
Lábio inferior | 125 | 98 | 223 | 10,92 |
Dentes | 516 | 347 | 863 | 42,26 |
Mucosa jugal | 36 | 43 | 79 | 3,87 |
Gengiva | 31 | 18 | 49 | 2,40 |
Maxila | 79 | 60 | 139 | 6,81 |
Mandíbula | 118 | 88 | 206 | 10,09 |
Língua | 35 | 7 | 42 | 2,05 |
Outros ossos e tecidos moles da face | 100 | 59 | 159 | 7,79 |
Articulação temporomandibular | - | 10 | 10 | 0,49 |
Dentes afetados (N = 863) | ||||
Anteriores superiores | 343 | 227 | 570 | 66,05 |
Posteriores superiores | 32 | 17 | 49 | 5,68 |
Anteriores inferiores | 112 | 75 | 187 | 21,67 |
Posteriores inferiores | 29 | 28 | 57 | 6,60 |
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
As lesões mais encontradas envolviam tecidos moles (lábios, mucosa jugal, língua, outros) com características de erosão, equimose, edema, ulcerações e lesões corto-contusas, seguidas por fraturas dentárias (Figura 2). Essas lesões ocorreram isoladamente ou em combinação, ou seja, foram identificadas duas ou mais lesões em alguns indivíduos, porém essa combinação de lesões específicas não foi contabilizada. Dentre os 863 dentes traumatizados, os anteriores superiores representaram 66,05% (570/863) dos casos, seguidos dos anteriores inferiores, com 21,67% (187/863). As regiões da face mais afetadas foram o lado direito (39,66) e a porção medial (32,52) (Tabela 2).
Outro dado relevante observado foi o número de fraturas em ossos da face, tendo ocorrido 127 casos, 70,86% (90/127) no gênero masculino e 29,13% (37/127) no feminino durante o período analisado; além dos casos de avulsão dentária (234), considerada lesão gravíssima, que resultaram na perda de um total de 330 dentes, uma média de 66 dentes perdidos ao ano devido às várias formas de violência (Figura 2).
Ao se verificar a correlação entre a gravidade da lesão e a etiologia, ou seja, se dependendo da causa (arma branca, arma de fogo, outros) a gravidade da lesão tende mais a ser leve, grave ou gravíssima, o coeficiente de Spearman (rs = 0,2027) mostrou uma relação aleatória ou inexistente.
DISCUSSÃO
A prevenção de acidentes e de violências é o método mais importante e eficaz para evitar a morbidade e a mortalidade advindas das causas externas12. A prevenção primária, como principal mecanismo de ação, torna-se o meio mais eficaz de romper essa cadeia no seu momento inicial13.
O perfil da morbimortalidade por causas externas no Brasil segue a tendência mundial, ou seja, com maior incidência sobre o gênero masculino, em faixas etárias jovens e mais concentrada em regiões metropolitanas10,14.
A prevalência e as causas dos traumas faciais variam em diferentes regiões do mundo e conforme o grau de desenvolvimento dos países, porém a violência é uma das principais etiologias, mesmo em países europeus, como mostrou o estudo de Siber et al.15, no qual a violência foi a principal causa dos traumas maxilofaciais na faixa etária até 28 anos, a segunda maior causa na faixa de 28 a 50 anos e, junto com quedas, provocou a maioria das lesões ósseas encontradas no estudo. A violência interpessoal também foi a causa mais comum (48,8%) em ambos os gêneros em outro estudo10.
O local da coleta de dados e a qualidade das informações obtidas são fatores que podem fornecer
um conhecimento mais preciso sobre a situação da violência e se tornam fundamentais para o planejamento das ações de saúde de base geográfica, visto que refletem particularidades da população pesquisada16. Nesse âmbito, a prevalência do gênero masculino, encontrada neste estudo, corresponde a mais da metade dos casos, sendo corroborada por outros, como o estudo realizado no município de São Paulo, no qual 94% dos agressores foram homens10,17,18,19. Bernardino et al.19 elaboraram dois perfis de vítimas de trauma facial por meio de análise multivariada. O primeiro refere-se a homens, entre 30 e 59 anos de idade, moradores de subúrbios ou áreas rurais, casados ou em união estável, com nível de escolaridade heterogênea, vítimas da violência ocorrida geralmente em noites de finais de semana, cujo autor também era homem e cujas consequências estavam associadas a traumas severos, como fraturas dentoalveolares ou de ossos faciais, principalmente dos terços médio e superior. O segundo é caracterizado por mulheres, menores de 29 anos de idade, moradoras de área urbana, solteiras, com nível educacional baixo ou intermediário, sem profissão, vítimas de agressão física, cujo agressor era geralmente do sexo feminino19.
É relevante observar que alguns tipos de lesões que acometem o sistema estomatognático e a face resultam em danos estéticos, em sintomatologia dolorosa e requerem atendimento odontológico imediato. Em cada classe de lesões, há aquelas consideradas mais complexas e que, portanto, necessitam de atendimento dos serviços de saúde de média e de alta complexidade, sendo, consequentemente, de maior custo. Dentre essas lesões, podem ser citadas as lacerações em tecido mole, as fraturas complicadas de coroa e de raiz, as avulsões e todas as fraturas ósseas20, que representaram grande parcela das lesões encontradas neste estudo.
A pesquisa de Ribeiro et al.21 apresentou dados semelhantes aos do presente estudo, porém sob uma perspectiva hospitalar especializada, o que teria comprovado o impacto dos traumas faciais nos serviços públicos de saúde. Essa pesquisa observou que a maioria (64%) dos traumas faciais, ocorridos nos três anos analisados, gerou a necessidade de hospitalização imediata, sendo as fraturas do complexo zigomático as mais encontradas, seguidas pelas fraturas de mandíbula e de maxila, causadas principalmente por acidentes associados ao trânsito e a veículos (52%), como também a violência interpessoal (34%). A cirurgia de redução aberta com fixação interna foi o tratamento mais empregado em 869 casos, o que representa uma cirurgia dessa natureza a cada 28 h apenas no hospital em questão, um procedimento com alto custo ao Estado e longo período de internação ao paciente. Além disso, houve 37 casos de morte associada à fratura facial, tendo a maioria ocorrido devido à violência interpessoal, incluindo casos de agressões a facadas e com armas de fogo21.
Entretanto, a grande porção de lesões em tecidos moles também é um dado importante, sobre o qual
se fazem necessários mais estudos específicos, tendo em vista que os traumas em tecido mole geram lesões dolorosas, estigmatizantes e, em grande parte dos casos, podem gerar dano estético transitório ou permanente às vítimas.
Em um estudo similar, quanto ao trauma facial em indivíduos vítimas de acidentes, realizado no Hospital Maria Amélia Lins da Fundação Hospitalar, no estado de Minas Gerais, foi observada prevalência em perdas dentárias de 23,5% e mobilidade dentária de 9,8%22. Neste estudo, a mobilidade dentária encontrada foi semelhante (6,36%). No mesmo Estado, Silva et al.17 verificaram a predominância da faixa etária jovem em indivíduos que sofreram trauma facial por violência interpessoal, o que, segundo os autores, forma um quadro preocupante e exige reflexão da sociedade, pois, além dos fatores relacionados à morbidade e à mortalidade das vítimas e suas famílias, é, geralmente, a fase da vida mais produtiva econômica e socialmente. Os autores ainda frisam que isso deve ser interpretado como um sinal de que a população jovem está se envolvendo mais em casos de violência, o que sugere medidas políticas urgentes para reduzi-la17.
A violência no trânsito (acidentes, atropelamentos) também se mostrou relevante neste estudo, pois veículos automotivos foram a causa (agressores) de 25,51% dos casos de violência. Indivíduos jovens, do gênero masculino, tendem a ser maioria devido a uma maior exposição, uma vez que, frequentemente, são condutores de carro, possuem carteira de habilitação e, muitas vezes, aprenderam a dirigir ainda menores de idade23. Em outra pesquisa24, os acidentes de trânsito foram considerados a principal causa das lesões de traumatismos faciais, atingindo valores de até 61%, o que implica a necessidade de medidas socioeducativas, a fim de se estimular o uso rotineiro de cintos de segurança, capacetes em ciclistas e motociclistas, bem como o respeito às normas de trânsito.
O aumento do número e a severidade dos traumatismos faciais, em relação ao início do século, são atribuídos principalmente ao desenvolvimento dos transportes motorizados e à maior facilidade de acesso aos mesmos pela população25. Segundo Araújo e Valera26, o estresse frequente dos indivíduos leva-os a se locomoverem com maior velocidade e, até mesmo, a prática de esportes mostra-se mais violenta, sendo a cabeça o primeiro ponto de choque frente às adversidades, tornando-se alvo de impacto. Além dos acidentes, a violência pode ser considerada um problema de saúde pública, devido ao dano físico que provoca e que repercute na procura de assistência médica, incapacidade ou morte27.
Neste estudo e nos achados de Secchi et al.28, em relação à região facial afetada pela agressão, o lado direito da face foi onde ocorreu maior incidência, porém não há explicação específica para esse fato até o momento. Em contrapartida, a oscilação entre o número de lesões leves, graves e gravíssimas, que foi clara no período estudado, apesar da ausência
de diferença estatisticamente significante, pode ser decorrente da variação de ocorrência dos casos de violência que tiveram como consequência um trauma em região bucal ou facial, ou devido à procura por parte das vítimas pelo atendimento nos Institutos Médico Legais, o que nem sempre ocorre, principalmente nos casos em que a lesão é de menor gravidade, um parente está envolvido ou não há processos judiciais atrelados.
A morte representa a mais séria consequência das causas externas, mas as lesões não fatais são mais comuns e afetam o bem-estar das comunidades19. Por causa da dificuldade de obtenção de dados de morbidade provocada por lesões de menor gravidade, que não têm como consequência a morte ou internações, mas que provocam aumento na demanda por atendimentos de urgência, o Ministério da Saúde implantou, em 2006, o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA)29. Um traumatismo bucal pode frequentemente levar a lesões dentárias, que afetam tanto os tecidos de suporte do dente, quanto os tecidos duros. Nesta pesquisa, nas avaliações dos traumas bucomaxilofaciais, a região mais acometida foi a dos dentes superiores, seguida pela região dos lábios. Marcenes et al.30 e Traebert et al.31 avaliaram a prevalência de lesões orais em traumas e encontraram incidência de 58,6% e de 18,9% de lesões dentárias, respectivamente. Em outro estudo, realizado em um hospital da periferia de São Paulo, a incidência de traumatismo labial foi de 12%, enquanto que o lábio superior representou 13,32% dos casos neste estudo18.
Segundo Prata et al.32, os incisivos centrais são os dentes mais atingidos nos traumas, provavelmente em decorrência de maior exposição, principalmente nos pacientes com overjet acentuado, protrusão maxilar e incompetência labial, da mesma maneira que grande parte dos traumas ocorre na região facial, devido à posição proeminente da estrutura anatômica e à falta de proteção da mesma, de modo que geralmente se apresenta descoberta15.
Outro estudo, realizado em São José dos Campos, interior de São Paulo, entre janeiro de 1998 e abril de 2002, também apresentou dados semelhantes aos da presente pesquisa no que se refere à prevalência dos anteriores superiores e inferiores afetados, pois mostrou que os dentes permanentes anteriores foram os mais atingidos (69,39%)25. Esses dados são dignos de reflexão, visto que quando os traumas envolvem os dentes anteriores, podem afetar a função, a estética e a autoestima da vítima, interferindo no comportamento, no relacionamento social e, algumas vezes, no sucesso profissional26. Além disso, há o impacto que essas lesões provocam nos serviços de saúde odontológicos ambulatoriais públicos e privados, uma vez que o maior número de fraturas e avulsões dentárias aumenta a demanda por tratamentos curativos restauradores e reabilitadores, além de trazer à tona a necessidade de capacitação dos profissionais, não apenas em tratar o trauma, mas também em fazer o acolhimento
adequado das vítimas e orientá-las sobre as formas de denúncia de violência17.
Assim, o conhecimento das causas desses traumatismos é de fundamental importância para que se instaurem medidas preventivas, de segurança e protocolos de atendimento eficientes19. Devido ao saber já construído em saúde pública mundial, o primeiro passo para propor programas e serviços de saúde e suscitar o desenvolvimento de tecnologias aplicadas à saúde é identificar quais as necessidades da população em questão. Compreender como o processo saúde-doença avança e retrocede no indivíduo e na sociedade é mais do que uma representação em dados numéricos, significa dar corpo e voz a uma população estigmatizada pelo trauma.
CONCLUSÃO
A morbidade da violência, o acompanhamento das sequelas do trauma facial, a avaliação e a reabilitação do pleno funcionamento do sistema estomatognático e seus reflexos na vida do traumatizado ainda precisam ser mais investigados. Os resultados do presente estudo permitiram concluir que a ocorrência de traumatismos faciais foi mais prevalente em homens, solteiros e com idade entre 14 e 35 anos. A maioria das lesões foi classificada como leve em 2006, porém observou-se oscilação nesse dado com o passar nos anos. Não houve correlação entre o agente causador e a gravidade da lesão. As lesões mais encontradas envolviam tecidos moles com características de erosão, equimose e edema no lado direito da face, seguidas pelas lesões em elementos dentários, principalmente os anteriores superiores, dado esse preocupante por se tratar de dentes importantes na alimentação, na fala e na estética facial.