INTRODUÇÃO
A esporotricose é uma micose que ocorre após a implantação traumática de fungos do clado patogênico do complexo Sporothrix schenckii. Recentemente, foi proposta a existência de pelo menos seis espécies patogênicas no complexo, com especial valor ao Sporothrix brasiliensis, exclusivamente isolado em território brasileiro e principal agente do cenário epidêmico instalado no estado do Rio de Janeiro1,2. Os fungos desse complexo são dimórficos, de distribuição cosmopolita e frequentemente isolados em locais de clima quente e úmido, a partir do solo e da matéria orgânica vegetal, como cascas de árvores e espinhos, além de material em decomposição. A via clássica de transmissão está relacionada a traumas cutâneos com inoculação de matéria orgânica3,4,5.
Desde a década de 1990, a esporotricose vem sendo descrita como uma das mais importantes micoses de implantação traumática, tendo apresentado significante mudança no perfil de transmissão, assumindo o status de epidemia no Rio de Janeiro. Apesar disso, segue subnotificada nesse Estado, figurando entre as doenças negligenciadas. Nesse contexto, o felino doméstico (Felis catus) é o principal animal acometido por essa micose, bem como transmissor, representando papel central na forma de transmissão zoonótica4,6. Assim, os felinos domésticos com esporotricose promovem a implantação traumática do fungo no tecido subcutâneo humano e de outros animais e também apresentam manifestação clínica exuberante dessa micose, na maioria dos casos cutânea disseminada. Dado o hábito felino de arranhar troncos de árvores e de outras superfícies e o de enterrar suas fezes, aliados ao de lambedura de seu corpo, as unhas e a nasofaringe/cavidade oral podem abrigar estruturas desse fungo, expondo o animal à infecção, assim como os demais hospedeiros7,8. Os animais doentes, por sua vez, ampliam a contaminação ambiental, sendo preocupante o descarte inapropriado dos cadáveres, prática comumente observada9. Além disso, os Felis catus machos têm por comportamento as brigas por território e também por fêmeas, tornando, assim, os animais em idade reprodutiva ainda mais expostos5,10,11. Atualmente, essa dermatozoonose tem sido reportada em outros estados brasileiros, como Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul2,11,12,13,14; entretanto, somente no Rio de Janeiro sua notificação é compulsória.
Os procedimentos laboratoriais para o diagnóstico da esporotricose já estão bem estabelecidos, e o isolamento em cultura dos fungos do complexo S. schenckii constitui o padrão-ouro, que deve ser seguido da identificação macro e micromorfológicas e da prova de termoconversão in vitro. Na prática clínica veterinária, no entanto, o diagnóstico citopatológico é utilizado rotineiramente, elaborado a partir do imprint das lesões de gatos domésticos em lâmina de vidro, corado pelo Panótico Rápido (bateria de corantes em que há predominância de tons vermelhos, pH ácido e azulados, pH básico, que cora as células em 1 min), evidenciando estruturas leveduriformes abundantes, internalizadas ou não, nos fagócitos5,7,15. Apesar desse segundo método representar uma alternativa diagnóstica rápida, de fácil execução e de baixo custo, sendo, portanto, frequentemente empregado na rotina clínica veterinária, é considerado presuntivo. A cultura micológica, por sua vez, apresenta limitações relacionadas à impossibilidade de processamento do espécime clínico no local do atendimento ambulatorial, custo mais elevado e o maior tempo para a liberação dos resultados (cerca de 20 dias)3.
Atualmente, a esporotricose permanece acometendo ambos os hospedeiros, humanos e felinos, com números crescentes, preocupantes, em território fluminense e em outros estados do Brasil, como Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Nesse contexto, um ponto relevante reside no fato de que estratégias futuras de prevenção e controle da esporotricose zoonótica dependem do diagnóstico rápido da doença no felino doméstico, etapa tida como crucial para o tratamento eficaz. Tal importância baseia-se na interrupção da transmissão entre felinos doentes e também desses para seus tutores e familiares. Assim, o presente estudo teve por objetivo avaliar o desempenho da citopatologia como método diagnóstico da esporotricose em uma população de gatos com suspeita dessa micose, provenientes de diferentes áreas geográficas do Rio de Janeiro.
MATERIAIS E MÉTODOS
A presente pesquisa é um estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética no Uso de Animais da Universidade Federal Fluminense (CEUA-UFF, protocolo número 208/2012 em 13 de dezembro de 2012). As áreas geográficas abrangidas foram as Zonas Oeste, Centro-Sul e Norte do município do Rio de Janeiro (três clínicas veterinárias e um ambulatório), a Baixada Fluminense (Região Metropolitana I, incluindo os municípios de Duque de Caxias, Nilópolis, São João de Meriti e Magé - uma clínica veterinária), a Grande Niterói (Região Metropolitana II, incluindo os municípios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí - quatro clínicas veterinárias e um ambulatório), a Região Serrana (Petrópolis, Teresópolis e Cachoeira de Macacu - uma clínica veterinária e um polo de cooperação) e a Baixada Litorânea (Arraial do Cabo, Araruama, Cabo Frio, Búzios, Maricá, São Pedro da Aldeia e Saquarema - duas clínicas veterinárias e dois polos de cooperação), como descrito pela Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ).
Durante 12 meses (janeiro de 2013 a janeiro de 2014), diferentes ambulatórios, clínicas veterinárias e polos de cooperação receberam, via demanda passiva ou após busca ativa, animais que foram atendidos e submetidos à avaliação clínica por médicos veterinários. Desse modo, um total de 196 felinos domésticos com lesões clínicas consideradas sugestivas da esporotricose foi incluído. As informações referentes aos dados clínico-epidemiológicos, tais como procedência, castração, localização e características das lesões, comorbidades, contato com outros animais com lesões de pele ou não, com o solo e plantas ou não, entre outras, foram registradas em um formulário padronizado. Todos os tutores, cuidadores, médicos veterinários, ou ainda aqueles que se responsabilizaram por animais abandonados ou que não possuíam tutor/proprietário, foram esclarecidos quanto aos objetivos e métodos do estudo anteriormente à coleta das amostras e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. O critério de inclusão foi a presença de lesões cutâneas suspeitas de esporotricose, sem limitações quanto à idade, ao sexo, à raça, ao estado geral de saúde (doenças crônicas ou infecciosas e estado nutricional), em tratamento ou não com antifúngicos, segundo atestado pelos médicos veterinários colaboradores.
Após a avaliação clínica, a citopatologia por imprint foi efetuada por meio da pressão suave de lâmina de vidro sobre a lesão suspeita, previamente limpa com solução fisiológica estéril, caso houve crostas, seguida do acondicionamento em tubo porta-lâminas para posterior coloração. Cada felino, em razão do número das lesões suspeitas, teve de uma a três lâminas coletadas. As lâminas com o material colhido foram fixadas em álcool absoluto (99,5%) e coradas pelo método do Panótico Rápido (LABORCLIN, Pinhais, Paraná, Brasil), baseado no princípio estabelecido por Romanowsky16. Após a coloração, as lâminas foram secas em temperatura ambiente e, em seguida, efetuada a análise em microscopia óptica (400X) por, pelo menos, dois pesquisadores de forma independente. Foram consideradas positivas aquelas com estruturas compatíveis com as leveduras do complexo S. schenckii, internalizadas ou não nos fagócitos, independente de sua quantidade. Foram consideradas negativas as lâminas que não apresentaram as referidas estruturas após varredura completa de todos os campos da lâmina corada.
A fim de efetuar a cultura micológica, o exsudato das lesões foi coletado com o auxílio de um swab estéril, posteriormente acondicionado em tubo contendo 1 mL de solução salina estéril (0,9%) e imediatamente encaminhado ao Laboratório de Micologia Médica e Molecular do Instituto Biomédico da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, para processamento. O swab foi então utilizado para a semeadura em dois tubos: um contendo Ágar Sabouraud Dextrose 2% (BD, New Jersey, EUA) e o outro, Mycosel® (BD, New Jersey, EUA). Foram consideradas colônias sugestivas aquelas membranosas, achatadas, pregueadas e raramente apresentando um micélio aéreo cinza nas bordas. Por fim, as provas do dimorfismo térmico, via crescimento da forma de levedura em ágar Brain Heart Infusion (BD, New Jersey, EUA), e do microcultivo em Ágar Batata Dextrose (BD, New Jersey, EUA) foram realizadas para confirmação diagnóstica.
Os dados obtidos nos formulários padronizados foram armazenados em planilha no software Excel® 2010 (Microsoft, Washington, EUA). Para avaliação do grau de discordância entre os métodos laboratoriais empregados, foi aplicado o teste de McNemar. Os parâmetros sensibilidade, especificidade, acurácia, valor preditivo negativo, valor preditivo positivo e falso-negativo foram determinados pelo screening test, todos efetuados por meio do software BioEstat v5.3 (Instituto Mamirauá, Amazonas, Brasil). Foi ainda investigada a possível influência de outros fatores no desempenho diagnóstico da citopatologia e cultura, tais como: aspecto das lesões cutâneas (presença de crostas, pus ou sangue, eritema, úlceras, nódulos); sinais clínicos (dificuldade respiratória, espirros, secreção nasal, emagrecimento, apatia, epistaxe, secreção ocular, dificuldade de locomoção); e vigência, dosagem e duração do tratamento antifúngico. Para todos os testes, o nível de significância adotado foi de α < 0,05.
RESULTADOS
Dentre os animais assistidos, 102 (52,0%) apresentaram cultura micológica positiva e/ou citopatologia por imprint sugestiva do complexo S. schenckii e foram diagnosticados como portadores da doença. Nos animais com essa micose, a maioria (54; 52,9%) era da Zona Norte da capital, seguida por 17 (16,7%) da Zona Oeste, 13 (12,7%) da Grande Niterói, sete (6,9%) da Região Serrana, cinco (4,9%) da Baixada Litorânea, quatro (3,9%) da Baixada Fluminense e dois (2,0%) da Zona Centro-Sul da capital.
A população felina acometida por essa zoonose apresentou idade média de 3,75±3,1 anos e era composta, em sua maioria, por machos (62; 60,8%), não castrados (57; 55,9%), sem raça definida (90; 88,2%). Os aspectos mais frequentes das lesões foram: ulceração (76; 74,5%), presença de sangue (70; 68,6%) e crostas (60; 58,8%). A região mais acometida pelas lesões foi a cabeça (57; 55,9%), seguida pelos membros pélvicos (27; 26,5%) e torácicos (26; 25,5%). Mais de um terço deles (42; 41,2%) estava em vigência de tratamento com o itraconazol, via oral, em diferentes dosagens (25 mg a 100 mg) e vigências (um dia a cinco anos) no momento da coleta dos espécimes clínicos. Não houve diferença estatística entre os parâmetros acima descritos, quando comparados aos animais provenientes de diferentes áreas geográficas do Rio de Janeiro.
Quando comparados os resultados da citopatologia por imprint com os da cultura micológica, houve resultados discordantes: dos 56 com citopatologia positiva, 51 (91,1%) apresentaram cultura positiva e cinco (8,9%) negativa; dos 140 com citopatologia negativa, 46 (32,9%) tiveram cultura positiva e 94 (67,1%) negativa (Tabela 1).
Métodos | Cultura positiva | Cultura negativa | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Citopatologia positiva | 51 | 91,1 | 5 | 8,9 | 56 | 28,6 |
Citopatologia negativa | 46 | 32,9 | 94 | 67,1 | 140 | 71,4 |
Total | 97 | 49,5 | 99 | 50,5 | 196 | 100,0 |
Utilizando a cultura micológica do exsudato da lesão como padrão-ouro, foram efetuados os cálculos dos parâmetros de sensibilidade, especificidade, acurácia, falso-negativo e dos valores preditivos positivo e negativo frente à citopatologia por imprint (Tabela 2). O teste de maiores sensibilidade e especificidade foi a cultura micológica com (95,2% e 100,0%, respectivamente); enquanto a citopatologia por imprint alcançou sensibilidade de 52,6% e especificidade de 95,0%. A cultura micológica foi também mais acurada do que a citopatologia por imprint e a porcentagem de falso-negativos do primeiro teste foi muito inferior ao segundo (4,8% e 47,4%). A citopatologia por imprint teve valor preditivo positivo menor (91,1%) do que a cultura (100,0%), enquanto os valores preditivos negativos foram diferentes: cultura - 94,7%; citopatologia - 67,1%. Finalmente, com o objetivo de avaliar o grau de discordância entre os testes, foi calculado o p-valor para os pares discordantes entre o diagnóstico por cultura micológica e por citopatologia por imprint a partir das lesões. A cultura e a citopatologia produziram respostas discordantes (p < 0,0001; χ² = 32,96078) (Tabela 2).
Parâmetros | Citopatologia por imprint (%) |
---|---|
Sensibilidade | 52,6 |
Especificidade | 95,0 |
Acurácia | 74,0 |
Falso-negativo | 47,4 |
VPP | 91,1 |
VPN | 67,1 |
Teste de McNemar Índice de Kappa | p < 0,0001; χ ² = 31,3725 0,48 |
VPP: Valor preditivo positivo; VPN: Valor preditivo negativo.
Foram investigadas a possível influência dos aspectos clínicos e da gravidade das lesões cutâneas, bem como a presença de sinais coadjuvantes no desempenho diagnóstico da citopatologia e da cultura, e, dentre essas variáveis, nenhuma interferiu no desempenho de ambos os métodos (p > 0,05). Por outro lado, o tratamento prévio com antifúngicos mostrou interferência na citopatologia, visto que, para os animais tratados com itraconazol em dosagens iguais ou superiores a 100 mg/dia, foi observada significante redução na sensibilidade diagnóstica da citopatologia (p = 0,0136). Contudo, o mesmo não foi verificado em relação ao tempo de tratamento (p > 0,05).
DISCUSSÃO
Clinicamente, as manifestações da esporotricose felina podem ser confundidas com outras doenças infectoparasitárias, tais como a criptococose, a leishmaniose e outras afecções cutâneas, como atopia e, até mesmo, neoplasias, enfatizando a necessidade do diagnóstico laboratorial. Apesar das técnicas diagnósticas para a esporotricose felina estarem bem estabelecidas, pouco se sabe sobre a possível interferência de fatores externos ao método, como características da lesão, ocorrência de comorbidades ou mesmo a vigência de tratamento no desempenho da citopatologia por imprint e da cultura micológica3,11.
No presente estudo, a idade média dos felinos com esporotricose foi de 3,71 anos e a maioria foi composta por machos não castrados e sem raça definida. Realmente, nessa idade, os gatos já atingiram a maturidade sexual, quando ocorre o cio, aumentando a chance de brigas pelas fêmeas e a consequente exposição aos animais portadores da doença. Esses achados corroboram relatos anteriores que descrevem que gatos machos e não castrados apresentam maior risco de exposição ao agente da esporotricose e, em consequência, adoecem mais7,11,14,17.
Os aspectos clínicos macroscópicos das lesões, mais frequentemente observados nos animais com esporotricose, foram crostas, ulcerações e a presença de pus e sangue. Nos felinos com essa micose, estudados por Madrid et al.11, as lesões apresentavam nódulos fistulados que drenavam exsudato acastanhado e que eventualmente formavam crostas. Em estudo anterior realizado pelo mesmo grupo de autores, as lesões nos felinos com esporotricose disseminada mostravam predominantemente nódulos com úlceras e crostas14. Quanto à localização das lesões, os animais com esporotricose foram mais frequentemente afetados em sua cabeça, seguido de membros torácicos e pélvicos. Outros autores também referiram o predomínio do acometimento das lesões esporotricóticas na cabeça e nos membros dos felinos domésticos11,14,17. A localização das lesões pode refletir as áreas que estão mais expostas durante as brigas ou até mesmo que entram em contato com solo ou plantas5,11.
Em relação às populações de felinos domésticos, provenientes das diferentes áreas geográficas estudadas, não foram observadas diferenças clínico-epidemiológicas, o que aponta para a existência de um curso uniforme dessa epidemia no Estado. Entretanto, essa diferença era esperada, devido às possíveis características divergentes entre os nichos ambientais e a distribuição do fungo em função da urbanização, do nível socioeconômico, dos aspectos climáticos e demográficos entre as regiões pesquisadas. Observou-se que os fatores aqui pesquisados não influenciaram na infecção pelo Sporothrix e no consequente desenvolvimento das lesões cutâneas nos gatos domésticos assistidos.
A cultura micológica é o padrão-ouro para o diagnóstico da esporotricose, pois somente por meio dela é possível o isolamento do agente causador da doença3. Cerca de metade dos animais atendidos tiveram a cultura micológica positiva (49,5%), enquanto Schubach et al.5,7 obtiveram percentuais maiores (100,0%). Tal diferença pode ser atribuída ao fato do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) representar centro de referência em esporotricose felina na capital do Rio de Janeiro, no qual são assistidos animais previamente diagnosticados pelos médicos veterinários. De fato, a presente pesquisa foi realizada via inclusão de animais por profissionais em diferentes locais de atendimento no Estado, e, portanto, os dados aqui obtidos refletem a rotina clínica de consultórios e clínicas veterinárias. Dessa forma, considera-se o presente desenho de estudo como representativo da rotina diagnóstica da esporotricose felina em áreas endêmicas. Como o esperado, a cultura micológica teve alta sensibilidade, corroborando achados previamente publicados7,5,11,14.
Contrariando o senso comum de que o uso de antifúngicos seria decisivo para o insucesso do isolamento do agente em cultura, observou-se, no presente estudo, que, para o expressivo percentual de animais em vigência de tratamento específico, foi possível recuperar fungos do complexo S. schenckii a partir das lesões. Alguns fatores podem ter influenciado nesse resultado, como a apresentação do medicamento, a dose prescrita, a possível resistência da cepa ao antifúngico preconizado e, até mesmo, os tratamentos com interrupção devido à fuga, à rejeição do animal à administração do fármaco por via oral e à desistência do proprietário pela dificuldade na administração ou custo do tratamento. Tais fatores poderiam diminuir a eficácia do tratamento, facilitando a proliferação do fungo e sua posterior recuperação18,19.
Conforme esperado, a sensibilidade da citopatologia por imprint detectada foi menor (52,6%) do que a encontrada na cultura micológica (95,2%); mas essa sensibilidade, pela citopatologia, foi maior (81,6%)15 para um grupo de felinos assistido pelo centro de referência do Rio de Janeiro para o diagnóstico da esporotricose (INI/Fiocruz), validando a técnica como recurso seguro, rápido e de baixo custo para o diagnóstico presuntivo da esporotricose em gatos domésticos15,20. Assim como referido para a cultura micológica, os dados aqui obtidos são provenientes de diferentes centros de assistência animal. A confecção da lâmina durante o atendimento clínico e sua análise laboratorial são determinantes para o sucesso da técnica. Quando o material se encontra em excesso (espesso), escasso ou ainda pobremente corado, o resultado pode ser comprometido. Além disso, a baixa carga fúngica nas lesões requer busca criteriosa em todos os campos da lâmina que, por sua vez, exige treinamento e experiência prévios para a identificação fidedigna das leveduras compatíveis com o Sporothrix15.
Curiosamente, ao contrário do que foi observado na cultura micológica, o tratamento prévio com antifúngico interfere na positividade da citopatologia por imprint. Neste estudo, foi possível verificar que a dose diária ≥ 100 mg/dia de itraconazol reduz a confiabilidade da citopatologia negativa. Esse achado preocupa, já que, em áreas endêmicas, não é rara a instituição do tratamento anterior à confirmação laboratorial da esporotricose felina18,19,21. Atualmente, o livre acesso às redes sociais e sites de buscas, contendo informações referentes ao tratamento e manejo do animal, nem sempre confiáveis, favorece o tratamento empírico antes mesmo da consulta ao médico veterinário.
Importante ressaltar que, segundo a Nota Técnica nº 3/2011 SVS-SESRJ-FIOCRUZ de 201122, que tornou a esporotricose felina e humana uma doença de notificação compulsória no estado do Rio de Janeiro, o diagnóstico laboratorial baseia-se exclusivamente no isolamento do Sporothrix. Devido ao número elevado de casos refratários ao tratamento19,23,24, é imprescindível a realização da cultura para investigação do agente etiológico visando à definição da espécie e, principalmente, de seu perfil de susceptibilidade aos antifúngicos.
CONCLUSÃO
Os achados obtidos neste estudo mostram que o diagnóstico por cultura micológica e pela citopatologia por imprint produzem resultados discordantes. Logo, há diferenças entre os testes que devem ser consideradas para a conclusão do diagnóstico na rotina clínica veterinária. A dosagem de itraconazol ≥ 100 mg/dia, independente da duração do tratamento, reduz a sensibilidade da citopatologia por imprint para o diagnóstico da esporotricose felina. Portanto, tal método deve ser considerado presuntivo e não exclui o isolamento fúngico em cultivo, o padrão-ouro. O resultado representa um alerta para o uso dessa ferramenta como recurso único para a confirmação diagnóstica da esporotricose felina na rotina clínica veterinária. Por fim, ainda que, em minoria, resultados falso-negativos pelo método presuntivo adiam medidas preventivas e terapêuticas dessa importante zoonose, com impacto deletério no controle da epidemia.