INTRODUÇÃO
A hanseníase ou mal de Hansen (MH) ainda persiste como uma doença infectocontagiosa crônica de evolução lenta, causada pelo Mycobacterium leprae, um bacilo intracelular obrigatório que se aloja na célula de Schwann de nervos periféricos, e que, se não tratada precocemente, leva a sequelas dermatoneurológicas com comprometimentos sensitivos e motores, dentre outros1,2.
O contágio dessa doença ocorre por uma pessoa doente, portadora do bacilo de Hansen na forma multibacilar não tratada, que o elimina para o meio exterior em gotículas orais e nasais, contagiando pessoas suscetíveis3. Devido ao padrão de multiplicação do bacilo (12 a 14 dias), a doença progride lentamente. O período do aparecimento dos primeiros sinais pode levar, em média, de dois a cinco anos, podendo demorar até 30 anos4,5.
A hanseníase tem se mantido como uma doença de grande relevância epidemiológica. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, no ano de 2015, foram detectados 210.758 casos novos em todo o mundo, sendo que a Índia e o Brasil apresentaram as maiores notificações, com 127.326 e 26.395 casos, respectivamente6.
Nesse cenário epidemiológico, o Brasil apresenta uma distribuição espacial não homogênea da doença, que é influenciada por variáveis socioeconômicas, demográficas e de políticas públicas, nas quais se destacam as condições de vida desfavoráveis das populações humanas e as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, fatores esses que estão frequentemente presentes na Região Amazônica, sendo o Pará o quarto Estado brasileiro com maior prevalência da doença7,8,9,10.
No município paraense de Belém, como em toda a Região Amazônica, a hanseníase é mais incidente em locais com baixa qualidade de vida. Assim, a doença tem apresentado um padrão de endemicidade alto, evidenciando a necessidade de intensificação de ações de vigilância epidemiológica8,11. Nesse contexto, o 1º Distrito Administrativo - Mosqueiro (DAMOS), que faz parte da área insular do referido Município, tem passado por um processo de ocupação desordenada nas últimas décadas, o qual influenciou na mudança do seu perfil epidemiológico, relacionado a várias doenças infecciosas, como a hanseníase12. Contudo, a literatura apresenta poucos estudos sobre a distribuição espacial e temporal dessa doença nesse território.
Considerando essa problemática, a saúde coletiva tem procurado analisar a relação entre variáveis socioeconômicas, políticas públicas e epidemiológicas, por meio do índice de condições de vida (ICV), da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) e da taxa de detecção anual de casos novos da hanseníase (TDMH), respectivamente. Esses indicadores são utilizados devido a tais variáveis não ocorrerem de forma homogênea nos territórios brasileiros, expressando assim as suas diferenças e desigualdades.
Nesse contexto, o Ministério da Saúde (MS) tem preconizado ações descentralizadas de prevenção, tratamento e monitoramento para o controle da hanseníase no país, utilizando, para tal, o conceito de território presente nas diretrizes que regem a atuação da ESF13,14,15. A análise espacial de dados epidemiológicos vem sendo utilizada de forma expressiva nas últimas décadas, por possibilitar a caracterização da distribuição geográfica de doenças, seus fatores de risco e suas variáveis condicionantes, que são diferentes nos territórios16.
Dessa forma, esta pesquisa analisou a distribuição espacial da hanseníase no DAMOS e sua relação com variáveis socioeconômicas e de políticas públicas em saúde.
MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo transversal e ecológico foi realizado a partir do levantamento de 39 casos confirmados de hanseníase atendidos pelas ESF, no período de 2007 a 2013, no DAMOS. Foram excluídos os casos notificados fora do referido período e não residentes na área de estudo.
A coleta dos dados epidemiológicos e clínicos (idade, sexo, zona de residência, escolaridade, classificação operacional, avaliação do grau de incapacidade física no momento do diagnóstico, modo de entrada e modo de detecção) foi feita no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma). Os dados foram georreferenciados em campo, no período de janeiro a outubro de 2016, com coordenadas geográficas obtidas com um dispositivo de captura do Sistema de Posicionamento Global (GPS). Nesse momento, também foi realizado levantamento, de caráter observacional, de dados complementares relacionados a aspectos sociodemográficos.
O indicador da variável socioeconômica foi o ICV, cujos dados dos setores censitários do DAMOS foram obtidos no Censo de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No âmbito deste estudo, a variável FAVELA foi denominada AGLOMERADO.
Para o cálculo do ICV, adaptado dos estudos de Paim et al.17 e Queiroga et al.18, os indicadores socioeconômicos utilizados foram: RENDA (proporção de chefes de família em domicílios particulares permanentes, com rendimento médio mensal igual ou inferior a dois salários mínimos); EDUCAÇÃO (proporção de pessoas de 10 a 14 anos de idade alfabetizadas); AGLOMERADO (proporção de casas em aglomerado subnormal, em relação ao total de domicílios); RM/Q (razão entre o número médio de moradores por domicílio e o número médio de cômodos servindo de dormitório) e SANEAMENTO (percentagem de domicílios com canalização interna ligada à rede global de abastecimento de água).
O ICV foi calculado para cada setor censitário do DAMOS, sendo considerados os valores médios de RENDA, AGLOMERADO e RM/Q, que foram dispostos em ordem crescente, e os de EDUCAÇÃO e SANEAMENTO, em ordem decrescente. Em seguida, cada um recebeu uma pontuação, crescente, relativa ao valor de cada indicador. Para a obtenção dos valores de ICV (menor valor de 11 e maior de 72), foi realizada a soma da pontuação dos cinco indicadores de cada setor censitário. Os valores de ICV de cada setor foram agrupados em quartis, para que os mesmos pudessem ser classificados em estratos de condições de vida: alto (de 11 a 25), médio (de 26 a 41), baixo (de 42 a 58) e muito baixo (de 59 a 72). Os menores valores de ICV correspondem a melhores condições de vida.
O indicador relacionado à variável POLÍTICA PÚBLICA foi a área de cobertura das ESF. Para calcular esse indicador, foi realizado o georreferenciamento em campo, e os limites das áreas de abrangência de cada ESF foram calculados posteriormente pela técnica calculate geometry, na zona do fuso 22S, da projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), utilizando-se o software ArcGIS v10.2.
A TDMH, para cada área de cobertura da ESF, foi calculada pela equação: TDMH = (nº de casos novos residentes/população residente) X 100.000 habitantes. O indicador foi classificado de acordo com parâmetros do MS em: hiperendêmico (> 40,0); muito alto (20,0 a 39,99); alto (10,00 a 19,99); médio (2,00 a 9,99); e baixo (< 2,00)18.
A análise da distribuição espacial de densidade dos casos foi realizada com a técnica de interpolação kernel. A relação entre o ICV e a TDMH foi analisada pelas técnicas de álgebra de mapas e unique values, que geraram mapas temáticos e coropléticos, com a utilização do software TerraView v4.0.
O perfil epidemiológico foi analisado devido à necessidade de descrever a ocorrência da doença relacionada às características dos indivíduos da área de estudo. A análise foi realizada de forma descritiva e inferencial, utilizando o teste estatístico qui-quadrado de proporção, que possibilitou mensurar as diferenças de proporções entre as diversas variáveis. A interpretação dos testes foi feita de acordo com a convenção científica, com p < 0,05. Nessas análises, foram utilizados os programas Epi Info™ v7 e BioEstat v5.0.
No presente estudo, foram adotados os preceitos da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisa com seres humanos, sendo aprovado em 15 de janeiro de 2016, conforme parecer nº 1389215, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará.
RESULTADOS
Foram georreferenciados os 39 casos de hanseníase no DAMOS, notificados no Sinan da Sesma no período de 2007 a 2013. Considerando a distribuição temporal da ocorrência dos casos por ESF, foi possível observar que o quadro endêmico da doença manteve-se, de forma geral, estável, sem oscilações expressivas (Tabela 1).
ESF | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | Total | ||||||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |||||||||
Aeroporto | 2 | 5,13 | 4 | 10,26 | 1 | 2,56 | 1 | 2,56 | - | - | 2 | 5,13 | 2 | 5,13 | 12 | 30,77 | ||||||||
Carananduba | 1 | 2,56 | 1 | 2,56 | 3 | 7,69 | - | - | 4 | 10,26 | 2 | 5,13 | 1 | 2,56 | 12 | 30,77 | ||||||||
Maracajá | 1 | 2,56 | - | - | 5 | 12,82 | 2 | 5,13 | - | - | 1 | 2,56 | 1 | 2,56 | 10 | 25,64 | ||||||||
Sucurijuquara | 1 | 2,56 | - | - | 1 | 2,56 | - | - | - | - | 1 | 2,56 | - | - | 3 | 7,69 | ||||||||
Baia do Sol | - | - | 1 | 2,56 | 1 | 2,56 | - | - | - | - | - | - | - | - | 2 | 5,13 | ||||||||
Total | 5 | 12,81 | 6 | 15,38 | 11 | 28,19 | 3 | 7,69 | 4 | 10,26 | 6 | 15,38 | 4 | 10,25 | 39 | 100,00 |
Fonte: Sesma, 2013.
Teste qui-quadrado para associação (p = 0,2237). Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
Quanto à TDMH, foi verificada uma tendência decrescente no período do estudo, embora essa não tenha apresentado forte correlação estatística.
Foi observado também um decréscimo da TDMH a partir de 2011 e a ocorrência de um surto da doença em 2009, com um grande aumento do número de casos novos acima da média do período. No DAMOS, de acordo com os parâmetros do MS19, a endemicidade média (11,97 casos/100.000 habitantes) foi considerada alta (10,00 a 19,99 casos/100.000 habitantes) (Figura 1).
Na análise da distribuição dos casos, segundo o perfil sociodemográfico, foi possível observar que os maiores percentuais de casos notificados eram de indivíduos do sexo masculino (66,67%), de escolaridade de nível fundamental (66,67%), da faixa etária de 16 a 59 anos (82,05%) e da zona de residência urbana (74,36%) (Tabela 2).
Variável | Frequência (N = 39) | % | p* |
---|---|---|---|
Gênero | |||
Feminino | 13 | 33,33 | 0,0374† |
Masculino | 26 | 66,67 | |
Escolaridade | |||
Analfabeto | 2 | 5,13 | 0,0001† |
Ensino fundamental | 26 | 66,67 | |
Ensino médio | 5 | 12,82 | |
Ensino superior | 6 | 15,38 | |
Faixa etária (anos) | |||
≤ 15 | 1 | 2,56 | 0,0001† |
16-59 | 32 | 82,05 | |
≥ 60 | 6 | 15,39 | |
Zona de residência | |||
Urbana | 29 | 74,36 | < 0,0001† |
Periurbana | 8 | 20,52 | |
Rural | 1 | 2,56 | |
Sem informação | 1 | 2,56 |
Fonte: Sesma, 2013.
* Teste qui-quadrado de Pearson para proporções (p < 0,05); † Proporções diferem significativamente ao nível de 0,05.
As variáveis que apresentaram significância estatística (p < 0,05) foram sexo masculino (p = 0,0374), escolaridade de ensino fundamental (p < 0,0001), zona de residência urbana (p < 0,0001) e faixa etária de 16 a 59 anos (p = 0,0001).
Ao analisar a distribuição das variáveis clínicas dos casos notificados, foi observado que os dados de grau de incapacidade física, classificação operacional, modo de entrada e modo de detecção apresentaram significância estatística (p < 0,05), com maior destaque para: detecção de grau zero, com 53,84%; multibacilar, com 76,92%; casos novos, com 64,10%; e modo de entrada por encaminhamento, com 38,46% (Tabela 3).
Variável | Frequência (N = 39) | % | p* |
---|---|---|---|
Grau de incapacidade física | |||
Grau zero | 21 | 53,84 | 0,0002† |
Grau I | 9 | 23,08 | |
Grau II | 2 | 5,13 | |
Não avaliado | 7 | 17,95 | |
Classificação operacional | |||
Multibacilar | 30 | 76,92 | 0,0008† |
Paucibacilar | 9 | 23,08 | |
Modo de entrada | |||
Caso novo | 25 | 64,10 | < 0,0001† |
Transferência | 12 | 30,77 | |
Recidiva | 2 | 5,13 | |
Modo de detecção | |||
Encaminhamento | 15 | 38,46 | 0,0109† |
Demanda espontânea | 8 | 20,51 | |
Exame de contatos | 2 | 5,13 | |
Sem informação | 14 | 35,90 |
Fonte: Sesma, 2013.
* Teste qui-quadrado de Pearson para proporções (p < 0,05); † Proporções diferem significativamente, ao nível de 0,05.
A expressão visual da ocorrência dos casos notificados de hanseníase, nos territórios estudados, mostrou uma distribuição não homogênea da doença. Em determinadas áreas das ESF Carananduba e Maracajá, foi observada muito alta densidade de casos; nas ESF Aeroporto e Sucurijuquara, alta densidade de casos; e na ESF Baia do Sol, média densidade de casos.
Com relação à taxa de cobertura territorial das ESF no DAMOS, foi observado que aproximadamente 53% desse Distrito Administrativo não está coberto pela política pública, sendo que, nas referidas áreas, a maior expressividade foi de casos multibacilares (Figura 2).
Na análise dos territórios das ESF, foi observado que todos apresentaram áreas com transmissão ativa de hanseníase, relacionadas principalmente pela entrada de casos novos multibacilares sem tratamento e a ocorrência da doença em menor de 15 anos de idade. Os territórios das ESF apresentaram apenas padrões alto e muito alto de endemicidade. Foi observado também que as áreas de ESF com padrão de endemicidade alto estavam relacionadas espacialmente com o ICV muito baixo, como Maracajá, Carananduba e Baia do Sol, sendo que as duas primeiras apresentaram os maiores focos de transmissão ativa e a última, a mais baixa ocorrência da doença (Figura 3).
DISCUSSÃO
A distribuição temporal do número de casos notificados, por ESF, no período de estudo, não apresentou, de forma geral, alterações significativas. Esse fato pode estar relacionado à baixa cobertura dessa política pública no DAMOS. Considerando que a ESF preconiza ações de busca ativa e vigilância de contatos, a ausência desses serviços pode acarretar o estabelecimento de áreas silenciosas. Situações semelhantes foram encontradas por Lana et al.20 e Lobato et al.21, ao realizarem estudos no Vale do Jequitinhonha, no estado de Minas Gerais, e no município de Igarapé-Açu, no estado do Pará, respectivamente.
A tendência da série temporal mostrou mudanças no padrão de distribuição das taxas de detecção da hanseníase, com decréscimo das mesmas. Embora, essa tendência não tenha apresentado uma forte correlação estatística, sugere a necessidade de maior investigação da ocorrência da doença na área de estudo, pois as mudanças desses padrões podem estar relacionadas a problemas na atenção primária à saúde, resultando na existência de áreas descobertas e consequente subnotificação de casos22,23,24.
No DAMOS, a TDMH apresentou um padrão de alta endemicidade da doença, mostrando, dessa forma, que a hanseníase é um grande problema de saúde pública em Belém, situação essa também observada em vários municípios brasileiros23,25. Essa taxa apresentou tendência decrescente no período estudado, fato que pode ser justificado pela intensificação das ações de controle da hanseníase realizadas por órgãos de saúde estadual e municipal, com o apoio do MS, no intuito de eliminar a doença nesse município. As campanhas tiveram grande importância no processo de controle da hanseníase no território brasileiro24.
Foi observado, também na série histórica, que ocorreu um surto da doença na área de estudo em 2009. Tal fato pode ser explicado pela realização de campanhas de busca ativa de casos, tratamento da doença e descentralização de ações educativas que ocorreram no Município pelas ESF nesse período. A execução dessas ações, em outros municípios brasileiros, apresentou resultados similares ao observado no DAMOS24,26.
No que diz respeito às variáveis relacionadas ao indivíduo, foi observado que o gênero masculino apresentou o maior percentual de casos (66,67%), fato observado também em outras regiões do Brasil e do mundo27,28,29,30,31. Contudo, a literatura apresenta divergências em relação à prevalência da hanseníase segundo o gênero; em relação ao masculino, alguns autores afirmam que a maior exposição a fatores de risco socioeconômicos, a menor preocupação com a saúde física e a falta de políticas públicas podem estar contribuindo para o diagnóstico tardio, o que poderia justificar o predomínio do gênero feminino em alguns estudos32,33.
Foi observado que o maior percentual de casos ocorreu em pessoas com menor grau de escolaridade, fato que pode estar relacionado à vulnerabilidade socioeconômica em que os casos estão inseridos. Essa relação aponta para a produção socioeconômica da doença que, historicamente, tem sido observada em diversos territórios brasileiros5,28,34,35.
Em relação à faixa etária, a doença acometeu indivíduos economicamente ativos, ou seja, de 16 a 59 anos. De maneira geral, o achado corrobora outros estudos, embora considerem diferentes faixas etárias28,30. O adoecimento dessa parcela da população pode ter impactos na economia do DAMOS, visto que os indivíduos estão sujeitos a desenvolverem incapacidades para a atividade produtiva, gerando um custo social29.
Foi verificado também que a hanseníase possui um perfil endêmico urbano, com 74,36% dos casos notificados no DAMOS, o que pode estar relacionado aos aglomerados urbanos que favorecem a transmissão da doença, acometendo indivíduos em condições sociais menos favorecidas, sem acesso a saneamento básico, com baixa escolaridade, alimentação deficiente e residentes em moradias com condições precárias.
Em relação à classificação operacional da hanseníase, a análise mostrou que os casos multibacilares foram predominantes em áreas cobertas ou não pelas ESF. Esse fato pode estar associado à detecção tardia da doença, que contribui com a manutenção da cadeia de transmissão da mesma, além de casos que poderão desenvolver lesão neural. No que diz respeito aos graus de incapacidade física, foi observado que o maior número de casos ocorreu no grau zero (53,84%), seguido por grau I e II (28,21%) e não avaliados (17,95%), sugerindo problemas operacionais na notificação adequada dos casos, como incompletude e inconsistência de dados35.
A análise da correlação entre a alta densidade de casos multibacilares e a distribuição dos graus de incapacidade I e II indicou uma ineficiência da vigilância epidemiológica precoce da hanseníase, que se expressou de forma diferenciada nas áreas de cobertura das ESF no DAMOS, com indicação de diagnóstico tardio nas áreas das ESF Sucurijuquara, Carananduba e Baia do Sol. Observação similar foi realizada por Palácios et al.36,37,38, quando analisaram a doença no Pará e mostraram que os municípios estudados refletiam o perfil da classificação operacional do Estado.
Em relação ao modo de entrada, a maioria das notificações apresentou casos novos, seguidos de casos de transferência (doentes que foram transferidos de unidade de saúde) e casos de recidiva, indicando que a transmissão da hanseníase está ativa, ao se observar a prevalência da mesma na área e período de estudo39.
Considerando que a maior parte do modo de detecção de casos notificados ocorreu por encaminhamento e demanda espontânea (58,97%) e que a menor foi por exame de contato (5,13%), ficou caracterizada a ocorrência de formas passivas de detecção, ou seja, o usuário é quem procurou o serviço de saúde e, a partir disso, obteve o diagnóstico, indicando busca ativa de casos insatisfatória8,13,40,41.
Foi observada uma distribuição não homogênea da hanseníase, com aglomeração de casos na área de estudo, o que pode estar correlacionado à ocorrência de maior densidade de casos em áreas com cobertura de ESF, devido às mesmas oferecerem serviços de saúde como diagnóstico e tratamento. No que se refere à observação de uma expressiva área sem cobertura de ESF (53%), sugere-se a necessidade de expansão dessa política pública, pois há evidências de silêncio epidemiológico da doença na região35,42.
A análise espacial da relação entre o ICV e a TDMH mostrou que, nas áreas das ESF de Maracajá e de Carananduba, o ICV foi considerado muito baixo e a taxa de detecção da hanseníase foi alta, inclusive com áreas de transmissão ativa da doença, o que seria justificado pelas condições precárias de vida das populações que moram nessas áreas. Dentre essas condições, a principal foi o adensamento ou aglomerado habitacional, com muitas pessoas coabitando o mesmo domicílio, o que facilita a transmissão da doença. Foi observado também que, nesses territórios, ocorrem grandes percentuais de áreas descobertas pela ESF, o que implica numa possível prevalência oculta da doença e na produção social da mesma35,41,42.
CONCLUSÃO
Foi constatado que a hanseníase no DAMOS ocorreu de forma diferenciada nos territórios adscritos pelas ESF, com decréscimo da doença no período do estudo. Além disso, observou-se uma alta densidade de casos da doença nas áreas com menores ICV e com uma alta taxa de detecção de casos novos, inclusive com classificação operacional multibacilar.
O cenário observado, no presente estudo, pode estar condicionado às questões socioeconômicas, clínicas, epidemiológicas e de políticas públicas, cujas variáveis estão em constante processo de alteração. Desta forma, estudos que consideram a distribuição da doença nos territórios, ao evidenciar as baixas condições de vida das populações, devem ter caráter contínuo e sistemático, pois podem contribuir para a saúde pública.
As análises espaciais dessas variáveis foram eficazes para a construção do cenário epidemiológico da hanseníase na área e período de estudo, as quais poderão servir para processos de tomadas de decisão na vigilância epidemiológica da doença. Dado o exposto, ressalta-se a necessidade de expansão da área de cobertura das ESF no DAMOS, no intuito da melhoria de ações de controle e mitigação da doença, que se produz sob a lógica perversa das iniquidades sociais.