INTRODUÇÃO
A tuberculose (TB) é uma doença antiga e sua existência é comprovada desde os tempos pré-históricos1. Dentre as formas clínicas, a pulmonar é considerada a mantenedora da elevada prevalência da doença na população. A forma primária pulmonar é mais comum nos casos diagnosticados em crianças. Embora a forma pós-primária seja mais comum em adultos jovens, também pode acometer qualquer faixa etária2.
Por ser uma doença infecciosa de elevada magnitude, a TB tem sua importância mundial3, devido à elevada transmissibilidade do bacilo de Koch. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um terço da população mundial encontra-se infectada4.
Ainda segundo a OMS, o Brasil está na lista dos 20 países com elevada carga de TB5. No entanto, encontra-se também entre os países que estão avançando positivamente na redução da incidência de casos, juntamente com Indonésia, África do Sul, Tailândia e Vietnã6. No Brasil, no período de 2005 a 2014, foi diagnosticada uma média anual de 86.697 casos novos7 e 5.168 óbitos8. Nesse período, houve uma redução da incidência, para todas as formas de TB, de 49,5/100.000 habitantes para 41,8/100.000 habitantes, com uma incidência média anual de 45,2/100.000 habitantes, o que corresponde a uma redução anual de 1,6%. No estado do Pará, em igual período, foram registrados 40.990 casos novos de TB no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e desses 87% foram notificados como forma pulmonar8.
Segundo o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT), a Região Norte do Brasil possui 16 municípios considerados prioritários para a redução da incidência, e sete desses estão situados no estado do Pará9.
Alguns grupos populacionais, por apresentarem maior vulnerabilidade em adoecer, são considerados prioritários para o PNCT9. O risco de adoecimento por TB, nessas populações, é superior à média nacional para a população em geral. No grupo de pessoas privadas de liberdade, esse risco é considerado 25 vezes maior; entre os portadores de HIV, é de 30 vezes, e chega a 67 vezes maior na população em situação de rua10.
No Brasil, a condição que confere maior risco de morte a pessoas que vivem com HIV/aids é a TB ativa, e, na maioria das vezes, o diagnóstico da coinfecção pelo HIV ocorre por ocasião do diagnóstico ou do tratamento de TB11.
Embora tenha sido observada, no Brasil, uma redução do coeficiente de incidência de TB, foram diagnosticados 83.709 casos novos no ano de 20157, o que sugere a persistência dos desafios para a redução do número de casos da doença. Por isso, desde 2003, a TB encontra-se entre as doenças que se inserem nos critérios de doenças prioritárias pelo Ministério da Saúde (MS). Por ser um dos cinco agravos de maior destaque no início deste século, a TB faz parte do Pacto pela Vida, do programa Mais Saúde, da Programação das Ações de Vigilância em Saúde, visando a operacionalização de ações que reduzam o seu impacto na morbimortalidade12.
Dessa forma, diante da problemática enfrentada atualmente pelo sistema de saúde pública no Pará, em decorrência de condições sociodemográficas favoráveis para a transmissão e desenvolvimento da TB, este estudo teve como objetivo descrever aspectos epidemiológicos dessa doença em pacientes a partir de 20 de idade, residentes nas Regiões de Integração do estado do Pará, no período de 2005 a 2014.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário do Estado do Pará, sob o parecer de número 1.344.940, em 1º de dezembro de 2015.
Trata-se de um estudo ecológico, com base em análise exploratória documental, utilizando dados de casos novos de TB em pessoas a partir de 20 anos de idade, notificados pelos serviços de saúde do estado do Pará, no período de 2005 a 2014, com registro no Sinan, sob gestão da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (SESPA).
Foram analisadas as seguintes variáveis existentes na ficha do Sinan: município de residência, sexo, raça/cor, idade, escolaridade, formas de TB, vulnerabilidade, uso de álcool, presença de diabetes, coinfecção pelo HIV e doença mental.
Foram excluídos os registros com idade e/ou município ignorados, assim como os registros com mais de 50% das variáveis eleitas para o estudo sem preenchimento.
O estudo foi realizado agrupando-se os 144 municípios constituintes do Estado nas 12 Regiões de Integração, a saber: Araguaia, Baixo Amazonas, Rio Caeté, Rio Capim, Carajás, Guamá, Lago de Tucuruí, Marajó, Metropolitana, Tapajós, Tocantins e Xingu13.
Os dados foram ajustados por idade, tanto entre as regionais como intrarregionalmente. Após o ajuste, os dados foram analisados pela estatística descritiva, com auxílio do programa BioEstat v5.414, utilizando-se o teste estatístico Qui-quadrado de aderência e aceito, como diferença significativa, o p-valor < 0,05 para α < 5%.
RESULTADOS
Dentre os 40.990 casos de TB notificados no período do estudo, foram excluídos 613 (1,5%) por não residirem no estado do Pará. Do total de 40.377 (98,5%) casos notificados em residentes no Estado, 35.931 (89,0%) encontravam-se na faixa de idade a partir de 20 anos, e desses foram estudados 35.926 casos com a confirmação de TB registrada nos arquivos do Sinan. Foram excluídos apenas cinco (0,01%) casos que não continham o registro da confirmação de TB.
A raça/cor parda foi predominante (71,5%) em todo o Estado, com maior proporção (80,1%) observada na Região Baixo Amazonas. Houve predomínio do sexo masculino (63,1%), com maior proporção na Região Xingu (68,8%). A média de idade do Estado foi de 41,3 (±0,9) anos, não sendo observada diferença estatisticamente significativa entre as Regiões (p = 0,9775). A média de idade, entre as Regiões, variou de 37,8 (±26,9) na Região Metropolitana a 44,3 (±16,4) anos na Região Araguaia. Houve predominância da faixa etária de 20 a 59 anos no Estado (84,9%), com diferença estatística significativa (p < 0,0001) em relação à faixa etária a partir de 60 anos.
O ensino fundamental predominou em mais de 50% dos casos, com exceção da proporção de 47,4% observada na Região Metropolitana (Tabela 1).
Região de Integração | Analfabeto | Ensino fundamental | Ensino médio | Ensino superior | Ignorado | Total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | ||
Araguaia* | 150 | 14,1 | 582 | 54,8 | 94 | 8,8 | 18 | 1,7 | 219 | 20,6 | 1.063 |
Baixo Amazonas* | 169 | 8,1 | 1.157 | 55,6 | 452 | 21,7 | 90 | 4,3 | 215 | 10,3 | 2.083 |
Carajás* | 241 | 13,5 | 1.043 | 58,5 | 316 | 17,7 | 74 | 4,2 | 109 | 6,1 | 1.783 |
Guamá* | 170 | 5,6 | 1.805 | 59,7 | 416 | 13,7 | 52 | 1,7 | 584 | 19,3 | 3.027 |
Lago de Tucuruí* | 169 | 16,8 | 592 | 58,8 | 105 | 10,4 | 26 | 2,6 | 115 | 11,4 | 1.007 |
Marajó* | 191 | 17,2 | 614 | 55,2 | 105 | 9,4 | 29 | 2,6 | 174 | 15,6 | 1.113 |
Metropolitana* | 493 | 2,7 | 8.720 | 47,4 | 4.347 | 23,7 | 1.040 | 5,7 | 3.775 | 20,5 | 18.375 |
Rio Caeté† | 165 | 9,7 | 927 | 54,4 | 231 | 13,5 | 37 | 2,2 | 345 | 20,2 | 1.705 |
Rio Capim* | 211 | 13,5 | 866 | 55,6 | 177 | 11,3 | 17 | 1,1 | 288 | 18,5 | 1.559 |
Tapajós* | 180 | 19,6 | 535 | 58,3 | 96 | 10,5 | 12 | 1,3 | 94 | 10,3 | 917 |
Tocantins* | 217 | 9,3 | 1.303 | 55,6 | 302 | 12,9 | 60 | 2,5 | 462 | 19,7 | 2.344 |
Xingu† | 116 | 12,2 | 484 | 51,0 | 100 | 10,5 | 24 | 2,5 | 226 | 23,8 | 950 |
Estado‡ | 2.472 | 6,9 | 18.628 | 51,8 | 6.741 | 18,8 | 1.479 | 4,1 | 6.606 | 18,4 | 35.926 |
Fonte: Sinan, SESPA.
Qui-quadrado de aderência para proporções esperadas iguais; * p < 0,0001; † p = 0,0009; ‡ p = 0,0011.
A forma pulmonar predominou (p < 0,0001) em relação as outras formas de TB (87,3%), tanto no Estado como em suas Regiões. A segunda maior proporção observada foi a forma extrapulmonar, sendo que a Região Metropolitana apresentou um valor proporcional (11,9%) superior ao do Estado (9,9%) (Tabela 2).
Região de Integração | Pulmonar | Extrapulmonar | Pulmonar + extrapulmonar | Não informado | Total | ||||
N | % | N | % | N | % | N | % | ||
Araguaia* | 957 | 90,0 | 84 | 7,9 | 21 | 2,0 | 1 | 0,1 | 1.063 |
Baixo Amazonas* | 1.799 | 86,4 | 201 | 9,6 | 83 | 4,0 | - | - | 2.083 |
Carajás* | 1.595 | 89,4 | 144 | 8,1 | 44 | 2,5 | - | - | 1.783 |
Guamá* | 2.770 | 91,5 | 204 | 6,7 | 50 | 1,7 | 3 | 0,1 | 3.027 |
Lago de Tucuruí* | 894 | 88,8 | 95 | 9,4 | 17 | 1,7 | 1 | 0,1 | 1.007 |
Marajó* | 1.024 | 92,0 | 66 | 5,9 | 23 | 2,1 | - | - | 1.113 |
Metropolitana* | 15.572 | 84,7 | 2.182 | 11,9 | 620 | 3,4 | 1 | - | 18.375 |
Rio Caeté* | 1.545 | 90,6 | 127 | 7,4 | 30 | 1,8 | 3 | 0,2 | 1.705 |
Rio Capim* | 1.423 | 91,3 | 103 | 6,6 | 33 | 2,1 | - | - | 1.559 |
Tapajós* | 835 | 91,0 | 62 | 6,8 | 20 | 2,2 | - | - | 917 |
Tocantins* | 2.085 | 89,0 | 210 | 8,9 | 38 | 1,6 | 11 | 0,5 | 2.344 |
Xingu* | 873 | 91,9 | 72 | 7,6 | 5 | 0,5 | - | - | 950 |
Estado* | 31.372 | 87,3 | 3.550 | 9,9 | 984 | 2,7 | 20 | 0,1 | 35.926 |
Fonte: Sinan, SESPA.
Qui-quadrado de aderência para proporções esperadas iguais; * p < 0,0001; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.
O uso de álcool foi mais prevalente que diabetes, doença mental e coinfecção pelo HIV, tanto nas Regiões como no Estado. A diabetes foi mais prevalente no Estado e nas Regiões Baixo Amazonas, Guamá, Marajó, Tocantins, Lago de Tucuruí, Carajás e Xingu, enquanto, nas demais Regiões, houve maior quantidade de registros para a coinfecção pelo HIV (Tabela 3).
Região de Integração | Uso de álcool | Diabetes | Coinfecção pelo HIV | Doença mental | Total | ||||
N | % | N | % | N | % | N | % | ||
Araguaia | 65 | 42,0 | 36 | 23,2 | 40 | 25,8 | 14 | 9,0 | 155 |
Baixo Amazonas | 205 | 39,2 | 170 | 32,5 | 113 | 21,6 | 35 | 6,7 | 523 |
Carajás | 216 | 47,0 | 110 | 23,9 | 103 | 22,4 | 31 | 6,7 | 460 |
Guamá | 252 | 38,0 | 212 | 31,9 | 148 | 22,3 | 52 | 7,8 | 664 |
Lago de Tucuruí | 101 | 39,2 | 64 | 24,8 | 61 | 23,6 | 32 | 12,4 | 258 |
Marajó | 88 | 42,3 | 63 | 30,3 | 35 | 16,8 | 22 | 10,6 | 208 |
Metropolitana | 1.913 | 33,5 | 1.710 | 30,0 | 1.760 | 30,9 | 319 | 5,6 | 5.702 |
Rio Caeté | 124 | 46,8 | 34 | 12,8 | 82 | 31,0 | 25 | 9,4 | 265 |
Rio Capim | 188 | 47,6 | 84 | 21,3 | 96 | 24,3 | 27 | 6,8 | 395 |
Tapajós | 98 | 47,3 | 44 | 21,3 | 50 | 24,2 | 15 | 7,2 | 207 |
Tocantins | 179 | 44,1 | 112 | 27,6 | 88 | 21,7 | 27 | 6,6 | 406 |
Xingu | 271 | 79,9 | 45 | 13,3 | 15 | 4,4 | 8 | 2,4 | 339 |
Estado | 3.700 | 38,6 | 2.684 | 28,0 | 2.591 | 27,0 | 607 | 6,4 | 9.582 |
Fonte: Sinan, SESPA.
Na tabela 4, observa-se que 6,0% (2.164/35.926) dos casos notificados se encontravam institucionalizados; dentre esses, predominou os que estavam em presídios (47,4%).
Região de Integração | Presídio | Asilo | Hospital psiquiátrico | Outro* | Total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Araguaia | 23 | 46,0 | - | - | 1 | 2,0 | 26 | 52,0 | 50 | 2,3 |
Baixo Amazonas | 63 | 53,0 | - | - | 1 | 0,8 | 55 | 46,2 | 119 | 5,5 |
Carajás | 43 | 39,1 | - | - | 1 | 0,9 | 66 | 60,0 | 110 | 5,1 |
Guamá | 111 | 52,6 | 2 | 1,0 | - | - | 98 | 46,4 | 211 | 9,7 |
Lago de Tucuruí | 22 | 36,7 | 2 | 3,3 | 1 | 1,7 | 35 | 58,3 | 60 | 2,8 |
Marajó | 38 | 50,0 | 3 | 4,0 | 1 | 1,3 | 34 | 44,7 | 76 | 3,5 |
Metropolitana | 507 | 48,7 | 16 | 1,5 | 6 | 0,6 | 512 | 49,2 | 1.041 | 48,1 |
Rio Caeté | 58 | 48,4 | 1 | 0,8 | 1 | 0,8 | 60 | 50,0 | 120 | 5,5 |
Rio Capim | 39 | 42,4 | 4 | 4,3 | - | - | 49 | 53,3 | 92 | 4,3 |
Tapajós | 27 | 35,1 | 1 | 1,3 | - | - | 49 | 63,6 | 77 | 3,6 |
Tocantins | 61 | 50,0 | 2 | 1,6 | - | - | 59 | 48,4 | 122 | 5,6 |
Xingu | 33 | 38,4 | 1 | 1,2 | - | - | 52 | 60,4 | 86 | 4,0 |
Estado | 1.025 | 47,4 | 32 | 1,5 | 12 | 0,5 | 1.095 | 50,6 | 2.164 | 100,0 |
Fonte: Sinan, SESPA.
Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento; * Institucionalização não especificada na ficha do Sinan.
Observou-se, no período estudado, um incremento de 171,7% (14,4-5,3/5,3) na proporção de casos de coinfecção TB/HIV em relação ao total de casos de TB por todas as formas, enquanto que, para a incidência de TB, houve um declínio de 13,5% (90,2-78,0/90,2) (Gráfico 1).
DISCUSSÃO
A meta prevista pela OMS é a eliminação da TB até o ano de 2050, ou seja, que a taxa de incidência seja menor que um caso a cada 1 milhão de habitantes. Essa proposta tem como enfrentamento a elevada magnitude da TB em regiões e em países em desenvolvimento, como o Brasil, apesar do avanço da medicina e do desenvolvimento de novas tecnologias11.
Os aspectos epidemiológicos estudados permitiram identificar, no Pará, um predomínio do adoecimento em homens (63,1%), com maior concentração na faixa etária de 20 a 59 anos de idade (84,9%) e na raça/cor parda (71,5%). Segundo dados do MS9, no Brasil observa-se uma maior proporção de homens com TB, assim como foi constatado em outros dois estudos, um realizado no estado do Mato Grosso do Sul (66,3%) no período de 2001 a 200915 e outro, no município de Patos (66,9%), estado da Paraíba, no período de 2001 a 201016. No país, em 2016, o risco de adoecimento por TB na população masculina, a partir 20 anos de idade (80,1/100.000 habitantes), foi 2,5 vezes maior que em mulheres (31,9/100.000 habitantes)7.
Esses achados podem ser em decorrência da posição assumida pelo homem na sociedade, como o de ser o provedor de seu lar; além das barreiras institucionais que restringem os horários de funcionamento dos serviços de saúde aos de trabalho e nem sempre as demandas são resolvidas em uma única consulta17. Além disso, a maior incidência em homens, como portadores majoritários da TB em relação às mulheres, pode ser justificada também devido à maior prevalência de infecção pelo HIV, etilismo e uso abusivo de drogas, condições que os tornam mais vulneráveis à infecção e ao adoecimento pela doença18.
Sabe-se que a construção da identidade masculina possui uma subjetividade própria do gênero, o que possibilita aos homens considerar a doença como um sinal de fragilidade, pois se julgam invulneráveis a esses agravos, contribuindo para um menor autocuidado e uma maior exposição a situações de risco. Sendo assim, o homem protela a procura de atendimento, permitindo o agravamento dos casos, o sofrimento físico e emocional de si e de seus familiares, além de maiores despesas próprias e para o Sistema Único de Saúde, intervindo nas fases mais avançadas da doença19.
O maior número de casos de TB registrados em homens na Região do Xingu pode estar relacionado com a instalação de empresas, como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu, demandando, provavelmente, movimentos migratórios em busca de trabalho sob condições adversas nos principais municípios dessa Região; além disso, a maioria desses municípios possui baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)20.
A ocorrência de casos na faixa de idade entre 20 e 59 anos (84,9%), constatada por este estudo, foi superior ao observado no estado de São Paulo, onde quase 70,0% dos casos novos ocorreram nessa faixa etária21, assim como em outros estudos, como os realizados em Recife (78,6%), estado de Pernambuco22, e em Belo Horizonte (78,1%), estado de Minas Gerais23. Essas proporções mostram que muitos pacientes podem enfrentar sérios problemas no sustento de suas famílias21.
No Brasil, a TB atinge predominantemente pessoas de 20 a 49 anos de idade; cerca de 63% dos casos novos da doença, em 2009, encontrava-se nessa faixa etária10. A variabilidade da média de idade pode denotar a presença de desigualdades sociais entre as Regiões de Integração do Pará, acometendo populações mais jovens, como observado na Região Metropolitana com 37,8 (±26,9) anos. Um estudo realizado em Ribeirão Preto, estado de São Paulo, no período de 2006 a 2009, demonstrou que a TB continua a ser uma doença fortemente relacionada com as características sociais de uma população24.
Ressalta-se que os resultados obtidos na análise de um indicador indireto das condições sociais, como o baixo nível de escolaridade, refletem a relevância do contexto socioeconômico para o controle da TB, influenciando na maneira como o indivíduo afetado terá o desenvolvimento de seu autocuidado frente às orientações para o tratamento e a prevenção da doença25. A baixa escolaridade pode um fator relevante, pois a mesma comprometeria a compreensão da doença e de seu tratamento por parte do doente e da população; por isso, a implementação do tratamento diretamente observado pode ser decisivo para o alcance de bons resultados26.
A busca ativa de sintomáticos respiratórios consiste na principal estratégia que deve ser priorizada pelos serviços de saúde para a identificação de casos de TB em sua forma pulmonar; isso porque 90% dos casos da doença são da forma pulmonar e desses 60% são bacilíferas12. Esse predomínio da forma pulmonar, no Pará e em suas Regiões, também foi observado em estudos semelhantes; um deles foi realizado no estado de Alagoas, detectando 86,8%27, e outro, em Gurupi, no estado de Tocantins, entre 2005 e 2010, com 88,7% dos casos na forma pulmonar28. Tais dados reforçam a importância da adequada organização do trabalho nas unidades básicas de saúde, a qual deve possibilitar não apenas a suspeição e o diagnóstico da doença, mas também assegurar um fluxo de atendimento resolutivo para os casos suspeitos e confirmados, além da busca ativa de sintomáticos respiratórios na comunidade e entre os contatos dos casos índice29.
O uso de álcool foi condição presente e superior à coinfecção pelo HIV em todas as Regiões estudadas e em maior proporção na Região Xingu. A diabetes e a doença mental também foram comorbidades presentes neste estudo. Piva et al.30 observaram que 55,2% dos pacientes portadores de TB pulmonar faziam uso de álcool e 24,1% apresentavam diabetes como a principal comorbidade. Outra pesquisa, realizada em Minas Gerais, encontrou o uso de álcool em 17,2% dos casos e diabetes em 3,8%31. O achado de elevadas proporções de pacientes que fazem uso de álcool, nas diferentes Regiões do Pará, pode ser devido à presença de fatores de risco relacionados ao meio em que vivem. Esses fatores relacionam-se tanto ao meio familiar desestruturado como à própria ausência da família, assim como a baixa perspectiva de oferta de emprego para uma mão de obra com baixa escolaridade, condições essas que fazem com que ocorra a busca pela bebida como meio de fuga para seus problemas15,32.
A presença de doenças ou de situações que propiciem o declínio do estado de defesa do organismo, tais como diabetes, neoplasias, desnutrição, HIV, uso de corticoides, uso de álcool, entre outros, compromete o organismo do paciente oferecendo condições favoráveis à proliferação do bacilo12,33. O reconhecimento desses fatores de risco, no primeiro contato com o paciente, possibilita a identificação de medidas que intensifiquem o acompanhamento e a instituição do tratamento diretamente observado, a fim de minimizar, ou mesmo evitar, o abandono do esquema, o uso indevido das medicações e a reativação da doença33.
A população em situação de rua tem sua vulnerabilidade, por apresentar, em sua maioria, comorbidades como desnutrição, doenças cardiovasculares, transtornos mentais, dependência química e infecções sexualmente transmissíveis12.
O achado de 47,4% de casos de TB em pessoas privadas de liberdade foi superior ao observado em dois estudos realizados no estado do Rio Grande do Norte, um em Parnamirim (3,3%)34 e outro em São Gonçalo do Amarante (2,0%)35. Sabe-se que nessa população é maior o risco de exposição ao bacilo de Koch, de infecção e de desenvolvimento da doença, devido às condições das celas mal ventiladas e à superlotação dos presídios brasileiros35.
A institucionalização de pessoas em condições desfavoráveis à manutenção da saúde, como nos presídios, asilos e outros, exige que os serviços de saúde existentes nesses locais sejam adequados, visando reduzir a transmissão do bacilo da TB com a identificação precoce de casos suspeitos, além de assegurar os cuidados voltados à saúde ocupacional dos trabalhadores desses locais12.
A população carcerária, assim como as pessoas em situação de rua, os pacientes com TB coinfectados pelo HIV, os indígenas e os profissionais de saúde constituem alguns dos grupos populacionais com maior vulnerabilidade de adoecimento pelo bacilo de Koch e, por isso, são considerados como população prioritária pelo PNCT9.
A convergência das epidemias de TB e HIV é um dos maiores desafios para a saúde pública no mundo; e, em decorrência das implicações da coinfecção TB/HIV, é recomendado que o teste anti-HIV (rápido) seja oferecido precocemente aos indivíduos com diagnóstico estabelecido de TB, independente da confirmação bacteriológica e preferencialmente pela rede da atenção básica12.
Na contramão do declínio da incidência de casos de TB, no período estudado, está o crescimento linear da coinfecção TB/HIV, o que pode ainda coexistir com a subnotificação dos casos, uma vez que as pessoas com HIV/aids estão mais suscetíveis à infecção pelo bacilo de Koch. Esse achado reforça a necessidade de maiores e melhores investimentos na atenção primária à saúde, principalmente no diagnóstico precoce de HIV em pacientes com TB e no diagnóstico de TB em pacientes com HIV36.
No Pará, além do baixo IDH na maioria de seus municípios20, a cobertura da Estratégia Saúde da Família varia de 15,1% na Região Xingu a 48,4% na Região Carajás, o que representa baixa cobertura populacional, resultando na pouca detecção de casos e a reduzida assistência necessária à população pela Atenção Primária em Saúde37.
Algumas limitações decorridas neste estudo estão relacionadas com o preenchimento da ficha de notificação. A versão da ficha que serviu como instrumento de coleta de dados ainda não possui variáveis específicas para algumas das populações listadas pelo MS, como a de vulnerabilidade à TB. Apesar da existência de tais limitações, as contribuições apresentadas podem aperfeiçoar as ações do Programa de Controle da Tuberculose nas Regiões de Integração do Pará, a fim de dar relevância a alguns estados de vulnerabilidade existentes na população, assim como apontar as Regiões que necessitam de reorganização da Atenção Primária em Saúde e a magnitude da TB como problema de saúde pública no Pará.
CONCLUSÃO
Os aspectos epidemiológicos analisados permitem evidenciar que, embora o MS disponibilize esquemas terapêuticos comprovadamente eficazes para o tratamento da TB, a existência de fatores, como os hábitos de vida, as comorbidades, a coinfecção pelo HIV, a baixa escolaridade e outros, contribuem para a manutenção da elevada incidência dessa doença no estado do Pará.