SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10Pesquisa entomológica das espécies de triatomíneos encontradas na zona rural do município de Caruaru, estado de Pernambuco, Brasil, de 2011 a 2012 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.10  Ananindeua  2019  Epub 09-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223201900375 

ARTIGO HISTÓRICO

Abrindo portas: uma revisão dos táxons de Protozoa e Insecta publicados, sob o financiamento da Welcome Trust, no Instituto Evandro Chagas, Belém, Pará, Brasil

Jeffrey Jon Shaw (orcid: 0000-0002-7008-1972)1 

1 Universidade de São Paulo, Departamento de Parasitologia, São Paulo, São Paulo, Brasil

RESUMO

A Wellcome Trust e o Instituto Evandro Chagas (IEC) aliaram esforços pela pesquisa durante mais de 40 anos, e muitas publicações foram feitas sobre as contribuições científicas resultantes dessa parceria. O objetivo deste artigo histórico é listar as novas espécies de Protozoa e Insecta que foram nomeadas durante a presença do financiamento da Wellcome Trust no IEC, e mencionar resumidamente como a descoberta das mesmas influenciou futuras pesquisas e mostrar como se relacionam com as atuais tendências nas diferentes áreas. O resultado foram 119 novas espécies nomeadas juntamente com seus autores e hospedeiros e cinco que foram transferidas (comb. nov.); Ralph Lainson foi autor/coautor de 108, Jeffrey Shaw, de 60, Lainson e Shaw, de 56, e outros autores colegas, de sete. A maioria das espécies foram descobertas no Brasil. A descrição dessas novas espécies proporcionou uma compreensão mais clara dos grupos taxonômicos aos quais elas pertencem e como algumas são transmitidas ao homem com suas patologias e tratamentos resultantes. E muitas portas científicas foram abertas, mostrando a variedade de parasitas protozoários nos vertebrados da Amazônia.

Palavras-chave: Protozoa; Parasitos; Insecta; Interações Hospedeiro-Parasita; Taxonomia

INTRODUÇÃO

Um artigo1 sobre a pesquisa financiada pela Wellcome Trust no Instituto Evandro Chagas, no estado do Pará, Brasil, não forneceu detalhes dos novos organismos que foram descobertos. Um total de 119 novas espécies foram nomeadas e, devido a revisões taxonômicas, cinco espécies nomeadas anteriormente por outros autores foram transferidas (comb. nov.) para gêneros recém-criados. Esses táxons estão listados na tabela 1, juntamente com seus hospedeiros e autores. O objetivo do presente artigo é mencionar brevemente como sua descoberta influenciou pesquisas futuras e mostrar como se relacionam com as tendências atuais nas diferentes áreas.

Tabela 1 - Táxons descritos por Ralph Lainson, Jeffrey Shaw e seus colegas enquanto trabalhavam no Instituto Evandro Chagas sob financiamento da Wellcome Trust, Belém, Pará, Brasil 

Protozoa Hospedeiro
Eucoccidiida: Haemosporida: Plasmodiidae
Plasmodium vacuolatum Lainson, Shaw & Landau, 1975 Lagarto
Plasmodium neusticuri Lainson & Paperna, 1996 Lagarto
Plasmodium kentropyxi Lainson, Landau & Paperna, 2001 Lagarto
Plasmodium carmelinoi Lainson, Franco & Matta, 2010 Lagarto
Eucoccidiida: Haemosporida: Leucocytozoidae
Saurocytozoan tupinambi Lainson & Shaw, 1969 Lagarto
Saurocytozoan mabuyi Lainson, Landau & Shaw, 1974 Lagarto
Eucoccidiida: Haemosporida: Haemoproteidae
Polychromophilus deanei Garnham, Lainson & Shaw, 1971 Morcego
Haemoproteus peltocephali Lainson & Naiff, 1998 Lagarto
Haemoproteus geochelonis Lainson & Naiff, 1998 Lagarto
Eucoccidiida: Haemosporida: Garniidae
Garnia gonatodi (Telford, 1970) Lainson, Landau & Shaw, 197l, comb. nov. Lagarto
Garnia telfordi Lainson, Landau & Shaw, 1971 Lagarto
Garnia utingensis Lainson, Landau & Shaw, 1971 Lagarto
Garnia multiformis Lainson, Shaw & Landau, 1975 Lagarto
Garnia uranoscodoni Lainson, Shaw & Landau, 1975 Lagarto
Garnia morula (Telford, 1970) Lainson, Landau & Shaw, 1971, comb. nov. Lagarto
Garnia karyolytica Lainson & Naiff, 1999 Lagarto
Fallisia effusa Lainson, Landau & Shaw, 1974 Lagarto
Fallisia modesta Lainson, Landau & Shaw, 1974 Lagarto
Fallisia audaciosa Lainson, Shaw & Landau, 1975 Lagarto
Fallisia simplex Lainson, Shaw & Landau, 1975 Lagarto
Progarnia archosauriae Lainson, 1995 Lagarto
Eucoccidiida: Adeleina: Haemogregarinidae
Cyrilia lignieresi (Laveran, 1906) Lainson, l992, comb. nov. (Syns Haemogregarina lignieresi Laveran, 1906; H. gomesi Neiva & Pinto, 1926; Cyrilia gomesi Lainson, 1981) Peixe
Hemolivia stellata Petit, Landau, Baccam & Lainson, 1990 Anura
Eucoccidiida: Eimeriina: Lankesterellidae
Lankesterella petiti Lainson & Paperna, 1995 Anura
Eucoccidiida: Eimeriina: Schellackiidae
Schellackia landauae Lainson, Shaw & Ward, 1976 Lagarto
Eucoccidiida: Eimeriina: Eimeridae
Tyzzeria boae Lainson & Paperna, 1994 Serpente
Cyclospora niniae Lainson, 1965 Serpente
Cyclospora schneideri Lainson, 2005 Serpente
Caryospora pseustesi Lainson, Nascimento & Shaw, 1991 Serpente
Caryospora micruri Lainson, Nascimento & Shaw, 1991 Serpente
Caryospora constanciae Lainson, Nascimento & Shaw, 1991 Serpente
Caryospora paraensis Lainson, Nascimento & Shaw, 1991 Serpente
Caryospora carajasensis Lainson, Nascimento & Shaw, 1991 Serpente
Caryospora epicratesi Lainson, Nascimento & Shaw, 1991 Serpente
Isospora albicolis Lainson & Shaw, 1989 Ave
Isospora wilkiei Lainson, 1968 Crocodilo
Isospora basilisci Lainson, 1968 Lagarto
Isospora tucuruiensis Lainson & Shaw, 1989 Ave
Isospora saimiri Lainson & Shaw, 1989 Mamífero
Isospora cacici Lainson, 1994 Ave
Isospora thraupis Lainson, 1994 Ave
Isospora capanemaensis Lainson, 2003 Mamífero
Isospora rodriguesae Lainson, Da Silva, Franco & De Souza, 2008 Quelônio
Eimeria orthogeomyos Lainson, 1968 Mamífero
Eimeria tamanduae Lainson, 1968 Mamífero
Eimeria rhynchonycteridis Lainson, 1968 Mamífero
Eimeria pseudemydis Lainson, 1968 Tartaruga
Eimeria bothrops Lainson, 1968 Serpente
Eimeria ameivae Lainson, 1968 Lagarto
Eimeria crocodyli Lainson, 1968 Crocodilo
Eimeria poti Lainson, 1968 Mamífero
Eimeria micruri Lainson & Shaw, 1973 Serpente
Eimeria liophi Lainson & Shaw, 1973 Serpente
Eimeria leimadophi Lainson & Shaw, 1973 Serpente
Eimeria cyclopei Lainson & Shaw, 1982 Mamífero
Eimeria choloepi Lainson & Shaw, 1982 Mamífero
Eimeria trichechi Lainson, Naiff, Best & Shaw, 1983 Mamífero
Eimeria philanderi Lainson & Shaw, 1989 Mamífero
Eimeria caluromydis Lainson & Shaw, 1989 Mamífero
Eimeria vitellini Lainson, Costa & Shaw, 1990 Ave
Eimeria corticulata Lainson & Shaw, 1990 Mamífero
Eimeria zygodontomyis Lainson & Shaw, 1990 Mamífero
Eimeria lagunculata Lainson, Costa & Shaw, 1990 Quelônio
Eimeria mammiformis Lainson, Costa & Shaw, 1990 Quelônio
Eimeria podocnemis Lainson, Costa & Shaw, 1990 Quelônio
Eimeria carinii Lainson, Costa & Shaw, 1990 Quelônio
Eimeria marajoensis Lainson & Shaw, 1991 Mamífero
Eimeria porphyrulae Lainson, 1994 Ave
Eimeria crypturelli Lainson, 1994 Ave
Eimeria bufomarini Paperna & Lainson, 1995 Anura
Eimeria peltocephali Lainson & Naiff, 1998 Tartaruga
Eimeria molossi Lainson & Naiff, 1998 Morcego
Eimeria bragancaensis Lainson & Naiff, 2000 Morcego
Eimeria carmelinoi Lainson, 2002 Lagarto
Eimeria damnosa Lainson, Brigido & Silveira, 2005 Mamífero
Eimeria lepidosirenis Lainson & Ribeiro, 2006 Peixe
Eimeria amazonensis Lainson, Da Silva, Franco & De Souza, 2008 Quelônio
Eimeria carbonaria Lainson, Da Silva, Franco, & De Souza, 2008 Quelônio
Eimeria carajasensis Lainson, Da Silva, Franco & De Souza, 2008 Quelônio
Eimeria wellcomei Lainson, Da Silva, Franco & De Souza, 2008 Quelônio
Acroeimeria paraensis Lainson, 2002 Lagarto
Acroeimeria cnemidophori (Carini, 1941) Lainson, 2002, comb. nov. Mamífero
Choleoeimeria rochalima (Carini & Pinto, 1926) Lainson & Paperna, 1999, comb. nov. Lagarto
Choleoeimeria carinii Lainson & Paperna, 1999 Lagarto
Choleoeimeria amphisbaenae Lainson, 2003 Lagarto
Eucoccidiida: Eimeriina: Sarcocystidae
Sarcocystis kinosterni Lainson & Shaw, 1972 Mamífero
Sarcocystis azevedoi Shaw & Lainson, 1969 Mamífero
Sarcocystis marmosae Shaw & Lainson, 1969 Mamífero
Sarcocystis oryzomyos Shaw & Lainson, 1969 Mamífero
Sarcocystis proechimyos Shaw & Lainson 1969 Mamífero
Sarcocystis ameivamastigodryasi Lainson & Paperna, 2000 Lagarto/Serpente
Piroplasmida: Theileriidae
Theileria electrophori Lainson, 2007 Peixe
Microspora: Glugeidae
Alloglugea bufonis Paperna & Lainson, 1995 Anura
Kinetoplastida: Trypanosomatidae
Endotrypanum monterogeii Shaw, 1969 Mamífero
Leishmania (Leishmania) amazonensis Lainson & Shaw, 1972 Mamífero*
Leishmania (Viannia) panamensis Lainson & Shaw, 1972 Mamífero*
Leishmania (Leishmania) aristidesi Lainson & Shaw, 1979 Mamífero
Leishmania (Viannia) lainsoni Silveira, Shaw, Braga & Ishikawa, 1987 Mamífero*
Leishmania (Viannia) naiffi Lainson & Shaw, 1989 Mamífero*
Leishmania (Viannia) shawi Lainson, Braga, de Souza, Póvoa & Ishikawa, 1989 Mamífero*
Leishmania (Viannia) lindenbergi Silveira, Ishikawa, de Souza & Lainson, 2002 Mamífero*
Leishmania (Viannia) utingensis Braga, Lainson, Ishikawa & Shaw, 2003 Mamífero
Porcisia deanei (Lainson & Shaw, 1977) Espinosa et al., 2018 Mamífero
Trypanosoma leuwenhoeki Shaw, 1969 Mamífero
Trypanosoma preguici Shaw, 1969 Mamífero
Trypanosoma plicae Lainson, Shaw & Landau, 1975 Lagarto
Trypanosoma cecili Lainson, 1977 Crocodilo
Trypanosoma (Megatrypanum) saloboense Lainson, Da Silva & Franco, 2008 Mamífero
Insecta
Diptera: Psychodidae: Phlebotominae
Bruptomyia orlandoi Fraiha, Shaw & Lainson, 1970
Psychodopygus wellcomei Fraiha, Shaw & Lainson, 1971
Psychodopygus lainsoni Fraiha & Ward, 1974
Nyssomyia umbratilis (Ward & Fraiha, 1977) Galati, 2003
Psychodopygus llanosmartinsi Fraiha & Ward, 1980
Nyssomyia shawi (Fraiha, Ward & Ready, 1981) Galati, 2003
Nyssomyia richardwardi (Ready & Fraiha, 1981) Galati, 2003
Trichopygomyia ratcliffei (Arias, Ready & Freitas, 1983) Galati, 2003
Psychodopygus leonidasdeanei Fraiha, Ryan, Ward, Lainson & Shaw, 1986
Evandromyia carmelinoi (Ryan, Fraiha, Lainson & Shaw, 1986) Galati, 2003
Trichopygomyia readyi (Ryan, 1986) Galati, 2003

* Infecções encontradas no homem; Encontrado infectado com Leishmania (Viannia) braziliensis; Encontrado infectado com Leishmania (Viannia) guyanensis.

Ralph Lainson foi financiado por um longo período e suas contribuições foram dominantes, tornando-se autor/coautor de 108 novas espécies e cinco novas combinações. Jeffrey Shaw foi autor/coautor de 60 novas espécies e duas novas combinações. No total, 101 dessas novas espécies foram descobertas no Brasil, e dois nomes foram dados a espécies de Leishmania encontradas no Panamá. As descrições de 13, publicadas individualmente por Ralph Lainson (10) e Jeffrey Shaw (três), pertenciam ao material que haviam coletado enquanto trabalhavam, respectivamente, em Belize e na América Central.

ESPÉCIES DE PROTOZOA

PROTOZOA: EUCOCCIDIIDA & MICROSPORIDIA

As classificações taxonômicas (família, gênero e subgênero), criadas para algumas das espécies, não estão listadas na tabela 1 e são as seguintes: o gênero haemosporídeo Saurocytozoon Lainson & Shaw, 19692; a família haemosporida Garnidae Lainson, Landau e Shaw, 19713 contendo os gêneros Garnia Lainson, Landau e Shaw, 1971, Fallisia Lainson, Landau e Shaw, 19744 e Progarnia Lainson, 19955; dois gêneros de hemogregarina Cyrilia Lainson, 19816 e Hemolivia Petit, Landau, Baccam & Lainson, 19907; e o gênero microsporídeo Alloglugea Paperna & Lainson, 19958. Uma pergunta simples é por que eles foram encontrados? Todos são de vertebrados de sangue frio e a maioria é de lagartos. Enquanto procurava por Leishmania de lagarto, que até hoje nunca foi encontrada nas Américas, uma grande quantidade de parasitas foi descoberta em diferentes células sanguíneas, abrindo novas áreas de pesquisa. No entanto, além disso, era óbvio que um grande número de parasitas aguardava ser descoberto. Assim, qualquer animal disponível foi examinado quanto à existência de parasitas, independentemente de ser um reservatório potencial de uma doença humana.

Suas descobertas estimularam outras pessoas a buscar esses parasitas em todo o mundo. Garnia é encontrado apenas no hemisfério ocidental; as espécies de Fallisia foram registradas nas Américas, sudeste Asiático e Australásia; e as de Saurocytozoon ocorrem na América do Norte e do Sul e na Ásia9. Os métodos moleculares têm mostrado possíveis caminhos evolutivos que refletem as distribuições acima. As 60 espécies de Eimeridae listadas na tabela 1 foram encontradas em vertebrados de sangue quente ou frio. Um estudo recente10 mostrou que as espécies de Cyclospora, Eimeria e Isospora de vertebrados de sangue quente formam um clado bem definido, mas organismos identificados como espécies de Eimeria ou Isospora de vertebrados de sangue frio e marsupiais não se enquadram nesse grupo, sugerindo que esses são gêneros polifiléticos. Por exemplo, com base em sequências 18S rRNA10, duas espécies de Eimeria, uma de uma serpente e outra de um anuro, eram filogeneticamente semelhantes a espécies de Schellackia europeias da família Schellackiidae. Essas observações indicam claramente que futuras revisões serão necessárias para determinar os gêneros polifiléticos.

Seis espécies de Sarcocystis foram descritas com base na morfologia distinta da parede do cisto. Exceto por um, seus hospedeiros definitivos são desconhecidos. O ciclo sexual de Sarcocystis ameivamastigodryasi Lainson & Paperna, 200011, do lagarto teídeo Ameiva ameiva, ocorre no intestino da serpente colubrida Mastigodryas bifossatus. Os oocistos são como os das espécies de Isospora com dois esporocistos que contêm quatro esporozoítos. No caso do parasita teídeo, a parede do oocisto se rompe dentro do intestino da serpente, liberando esporocistos maduros nas fezes. O estágio cístico normalmente ocorre em herbívoros, e o estágio sexual ocorre em carnívoros, podendo ser canídeos, corvídeos e serpentes. É possível que algumas espécies de Isospora possam de fato ser espécies de Sarcocystis.

PROTOZOA: KINETOPLASTIDA

Dada a importância médica das espécies de Leishmania, não é de se admirar que os táxons e níveis taxonômicos mais conhecidos, estabelecidos em Belém, sob o financiamento da Wellcome Trust, pertençam a esse gênero. A criação do subgênero Leishmania (Viannia) Lainson & Shaw, 198712 foi um passo fundamental para o entendimento da doença conhecida como leishmaniose e sua filogenia. Os parasitas pertencentes a esse subgênero são encontrados apenas nas Américas, enquanto os do subgênero Leishmania (Leishmania) são encontrados no Velho Mundo e nas Américas. Três organismos previamente nomeados, L. braziliensis, L. guyanensis e L. peruviana, foram atribuídos a esse subgênero, e oito outras espécies foram descritas (Tabela 1). Todas, exceto duas, pertencem ao subgênero L. (Viannia). Uma delas, L. (L.) amazonensis Lainson & Shaw, 197213, cresce abundantemente em cultura e facilmente infecta uma gama de animais de laboratório, produzindo em hamsters uma patologia similar à leishmaniose cutânea difusa. Devido a esses atributos, esse parasita é amplamente utilizado em estudos imunológicos e quimioterápicos. Métodos moleculares14 têm demonstrado que o subgênero L. (Viannia) se separou do estoque basal em cerca de 80 MYA, enquanto a separação do subgênero L. (Leishmania) foi, mais tarde, em torno de 50 MYA. Existem diferenças nítidas entre a resposta imunológica e a patologia dos dois subgêneros no homem. Em algum lugar ao longo da linha evolutiva, o subgênero L. (Leishmania) parece ter optado por reduzir a resposta mediada por células, enquanto que o subgênero L. (Viannia) optou por estimulá-la. Talvez isso se deva aos diferentes hospedeiros mamíferos nos quais os dois subgêneros evoluíram, sendo possivelmente um deles roedores e o outro Xenarthra. Hoje é possível notar esse fato nas diferenças imunológicas extremas entre a leishmaniose cutânea difusa, causada por L. (L.) amazonensis, e a mucocutânea, por L. (V.) braziliensis15.

A Leishmania hertigi deanei Lainson & Shaw 197716, posteriormente elevada a um status específico por Lainson e Shaw12, em 1987, é muito diferente de todas as outras espécies de Leishmania. As amastigotas são muito grandes e não parecem ser intracelulares. Estudos recentes demonstraram que está filogeneticamente fora do gênero Leishmania, mais próxima do Endotrypanum. Isso levou à criação do gênero Porcisia Shaw, Camargo & Teixeira 201617 para acomodá-la, além do parasita do porco-espinho panamenho, P. hertigi.

Grandes avanços na compreensão da taxonomia do Trypanosoma (Schizotrypanum) cruzi foram feitos por Miles et al.18 enquanto trabalhava no Instituto Evandro Chagas, onde confirmou três linhagens geneticamente distintas, designadas como Tipo I, II e III. Na opinião do autor, essas representam espécies distintas, mas nunca nomeadas; portanto, não aparecem na tabela 1. Posteriormente, essas linhagens mostraram-se distintas por diferentes marcadores moleculares.

ESPÉCIES DE INSETOS

INSECTA: DIPTERA: PSYCHODIDAE: PHLEBOTOMINAE

Desvendar as epidemiologias das diferentes espécies de Leishmania inevitavelmente levou à descoberta de novas espécies de flebotomíneos. Também mostrou como a importância epidemiológica de diferentes grupos varia em diferentes biomas. A descoberta de Psychodopygus wellcomei Fraiha, Shaw & Lainson 197119 foi a primeira indicação da importância vetorial desse gênero para espécies de L. (Viannia) na Amazônia. Seis espécies de Psychodopygus estão associadas a L. (V.) braziliensis e cinco a L. (V.) naiffi20. É o gênero predominante no sul do rio Amazonas, estendendo-se até a floresta tropical virgem do Atlântico. Ao norte do rio, L. (V.) guyanensis, transmitida por N. umbratilis, é a leishmania dominante no homem. O número de flebotomíneos Nyssomyia é significativamente maior nesse bioma, mas não há diferença significativa na variedade de espécies de Nyssomyia e Psychodopygus21. Variações ambientais contínuas relacionadas ao aquecimento global e às atividades humanas modulam a fauna de flebotomíneos. Compreender e documentar isso é o desafio.

CONCLUSÃO

Benefícios imprevistos resultaram da descrição das espécies que constituem o objeto deste artigo. Eles variam de uma compreensão mais clara dos grupos taxonômicos aos quais elas pertencem e como algumas são transmitidas ao homem com patologias e tratamentos contrastantes resultantes. Por exemplo, em 1965, aceitava-se que Leishmania braziliensis era o agente etiológico de todas as formas de leishmaniose cutânea no Brasil. Estudos sobre os parasitas de animais selvagens, homem e flebotomíneos mostraram que isso estava errado. Muitas portas científicas foram abertas, dando apenas um vislumbre da incrível variedade de parasitas protozoários que ocorrem nos vertebrados da Amazônia.

REFERÊNCIAS

1 Shaw JJ. A partnership that worked: the Wellcome Trust and the Instituto Evandro Chagas and beyond. Rev Pan-Amaz Saude. 2016;7(esp): 23-42. Doi: 10.5123/s2176-62232016000500004 [Link] [ Links ]

2 Lainson R, Shaw JJ. A new haemosporidian of lizards, Saurocytozoon tupinambi gen.nov., sp.nov., in Tupinambus nigropunctatus (Teiidae). Parasitology. 1969 Feb;59(1):159-62. Doi: 10.1017/S0031182000069900 [Link] [ Links ]

3 Lainson R, Landau I, Shaw JJ. On a new family of non-pigmented parasites in the blood of reptiles: Garniidae fam. nov., (Coccidiida: Haemosporidiidea). Some species of the new genus Garnia. Int J Parasitol. 1971 Dec;1971(3-4):245-50. Doi: 10.1016/0020-7519(71)90027-0 [Link] [ Links ]

4 Lainson R, Landau I, Shaw JJ. Further parasites of the family Garniidae (Coccidiida: Haemosporidiidea) in Brazilian lizards. Fallisia effusa gen.nov., sp.nov. and Fallisia modesta gen.nov., sp.nov. Parasitology. 1974 Apr;68(2):117-25. Doi: 10.1017/S0031182000045650 [Link] [ Links ]

5 Lainson R. Progarnia archosauriae nov. gen., nov. sp. (Haemosporina: Garniidae), a blood parasite of Caiman crocodilus crocodilus (Archosauria: Crocodilia), and comments on the evolution of reptilian and avian haemosporines. Parasitology. 1995 Jun;110(5):513-9. Doi: 10.1017/S0031182000065227 [Link] [ Links ]

6 Lainson R. On Cyrilia gomesi (Neiva & Pinto, 1926) gen.nov. (Haemogregarinidae) and Truypanosoma bourouli Neiva & Pinto, in the fish Synbranchus marmoratus: simultaneous transmission by the leech Haementeria lutzi. In: Canning EU, editor. Parasitological topics: a presentation volume to P.C.C. Garnham, F.R.S. on the occasion of his 80th birthday. Kansas: Society of Protozoologists; 1981. p. 150-8. [ Links ]

7 Petit G, Landau I, Baccam D, Lainson R. Description et cycle biologique d'Hemolivia stellata n. g., n. sp., hémogrégarine de crapauds brésiliens. Ann Parasitol Hum Comp. 1990 Jan;65(1):3-15. Doi: 10.1051/parasite/1990651003 [Link] [ Links ]

8 Paperna I, Lainson R. Alloglugea bufonis nov. gen., nov. sp. (Microsporea: Glugeidae), a microsporidian of Bufo marinus tadpoles and metamorphosing toads (Amphibia: Anura) from Amazonian Brazil. Dis Aquat Org. 1995 Sep;23(1):7-16. Doi: 10.3354/dao023007 [Link] [ Links ]

9 Telford SR. Plasmodia of reptiles. In: Kreier JP, editor. Parasitic protozoa. 2nd ed. New York: Academic Press; 1994. Chapter 1; p. 1-71. [ Links ]

10 Megía-Palma R, Martínez J, Paranjpe D, D'Amico V, Aguilar R, Palacios MG, et al. Phylogenetic analyses reveal that Schellackia parasites (Apicomplexa) detected in American lizards are closely related to the genus Lankesterella: is the range of Schellackia restricted to the Old World? Parasit Vectors. 2017 Oct;10(1):470. Doi: 10.1186/s13071-017-2405-0 [Link] [ Links ]

11 Lainson R, Paperna I. The life-cycle and ultrastructure of Sarcocystis ameivamastigodryasi n. sp., in the lizard Ameiva ameiva (Teiidae) and the snake Mastigodryas bifossatus (Colubridae). Parasite. 2000 Dec;7(4):263-74. Doi: 10.1051/parasite/2000074263 [Link] [ Links ]

12 Lainson R, Shaw JJ. Evolution, classification and geographical distribution. In: Peters W, Killick-Kendrick R, editors. The leishmaniases in biology and medicine. Vol. 1, Biology and epidemiology. London: Academic Press; 1987. p. 1-120. [ Links ]

13 Lainson R, Shaw JJ. Leishmaniasis of the New World: taxonomic problems. Br Med Bull. 1972 Jan;28(1):44-8. Doi: 10.1093/oxfordjournals.bmb.a070892 [Link] [ Links ]

14 Harkins KM, Schwartz RS, Cartwright RA, Stone AC. Phylogenomic reconstruction supports supercontinent origins for Leishmania. Infect Genet Evol. 2016 Mar;38(1):101-9. Doi: 10.1016/j.meegid.2015.11.030 [Link] [ Links ]

15 Silveira FT. What makes mucosal and anergic diffuse cutaneous leishmaniases so clinically and immunopathogically different? A review in Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg. 2019 May. pii: trz037. Doi: 10.1093/trstmh/trz037 [ Links ]

16 Lainson R, Shaw JJ. Leishmanias of neotropical porcupines: Leishmania hertigi deanei nov. subsp. Acta Amaz. 1977 Mar;7(1):51-7. Doi: 10.1590/1809-43921977071051 [Link] [ Links ]

17 Espinosa OA, Serrano MG, Camargo EP, Teixeira MMG, Shaw JJ. An appraisal of the taxonomy and nomenclature of trypanosomatids presently classified as Leishmania and Endotrypanum. Parasitology. 2018 Apr;145(4):430-42. Doi: 10.1017/S0031182016002092 [Link] [ Links ]

18 Miles MA, Souza A, Povoa M, Shaw JJ, Lainson R, Toye PJ. Isozymic heterogeneity of Trypanosoma cruzi in the first autochthonous patients with Chagas' disease in Amazonian Brazil. Nature. 1978 Apr;272(5656):819-21. Doi: 10.1038/272819a0 [Link] [ Links ]

19 Fraiha H, Shaw JJ, Lainson R. Phlebotominae brasileiros: II - Psychodopygus wellcomei, nova espécie antropófila de flebótomo do grupo squamiventris, do Sul Estado do Pará, Brasil (Diptera, Psychodidae). Mem Inst Oswaldo Cruz. 1971; 69(3):489-500. Doi: 10.1590/S0074-02761971000300007 [Link] [ Links ]

20 Dvorak V, Shaw J, Volf Pjenn. 3 Parasite biology: the vectors. Bruschi F, Gradoni L, editors. The leishmaniases: old neglected tropical diseases. : Springer International Publishing; 2018. p. 31-77. [ Links ]

21 Souza AAA, Barata IR, Silva MGS, Lima JAN, Jennings YLL, Ishikawa EAY, et al. Natural Leishmania (Viannia) infections of phlebotomines (Diptera: Psychodidae) indicate classical and alternative transmission cycles of American cutaneous leishmaniasis in the Guiana Shield, Brazil. Parasite. 2017 May;24:13. Doi: 10.1051/parasite/2017016 [Link]. [ Links ]

Se refere ao doi: 10.5123/S2176-6223201900375, publicado originalmente em inglês.

Traduzido por: Patrícia Campelo Haick

Como citar este artigo / How to cite this article: Shaw JJ. Abrindo portas: uma revisão dos táxons de Protozoa e Insecta publicados, sob o financiamento da Welcome Trust, no Instituto Evandro Chagas, Belém, Pará, Brasil. Rev Pan Amaz Saude. 2019;10:e201900375. Doi: http://dx.doi.org/10.5123/S2176-6223201900375

Recebido: 24 de Junho de 2019; Aceito: 12 de Agosto de 2019

Correspondência / Correspondence: Jeffrey Jon Shaw. Universidade de São Paulo, Departamento de Parasitologia. Av. Professor Lineu Prestes, 1374. Bairro: Butantã. CEP: 05508-000 - São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: jayusp@hotmail.com

Creative Commons License This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License