SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10Consumo de antimicrobianos e o impacto na resistência bacteriana em um hospital público do estado do Pará, Brasil, de 2012 a 2016Resistência a antimicrobianos de enterobactérias isoladas de águas destinadas ao abastecimento público na região centro-oeste do estado de São Paulo, Brasil índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.10  Ananindeua  2019  Epub 05-Nov-2019

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223201900037 

ARTIGO ORIGINAL

Atividade antimicrobiana de fungos liquenizados ocorrentes no campus Belém da Universidade Federal do Pará, estado do Pará, Brasil

Antimicrobial activity of lichenized fungi occurring on Belém campus of Universidade Federal do Pará, Pará State, Brazil

Victor Hugo de Carvalho Vieira1  , Antônia Benedita Rodrigues Vieira1  , Wandson Braamcamp de Souza Pinheiro2  , Solange do Perpétuo Socorro Evangelista Costa1  , Rosildo dos Santos Paiva1  , Sheyla Mara de Almeida Ribeiro1 

1 Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Biológicas, Belém, Pará, Brasil

2 Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Exatas e Naturais, Belém, Pará, Brasil

RESUMO

OBJETIVO:

Avaliar a atividade antimicrobiana de extratos obtidos a partir de fungos liquenizados ocorrentes no campus Belém da Universidade Federal do Pará, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS:

Amostras liquênicas de Leptogium sp. e Parmotrema sp. foram submetidas à extração orgânica por esgotamento a frio, seguindo a série eluotrópica clorofórmio e acetona. Os extratos obtidos foram testados frente a cepas de bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e álcool-ácido resistentes, fungos filamentosos e leveduras, empregando-se o método de disco difusão em ágar. Discos de papel foram impregnados com 20 µL de cada extrato na concentração de 4 mg/mL e depositados sobre o meio previamente inoculado com os microrganismos teste. Os resultados foram avaliados pelo diâmetro dos halos de inibição em torno dos discos. Em seguida, os extratos foram submetidos à cromatografia ascendente em camada delgada e a ensaios bioautográficos para detecção dos princípios ativos.

RESULTADOS:

Houve maior potencial antimicrobiano dos extratos de Parmotrema sp. com halos de inibição que variaram de 8 a 12 mm para bactérias e de 8 a 21 mm para fungos. As bactérias Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Mycobacterium phlei apresentaram maior sensibilidade, pois foram inibidas pelas duas espécies liquênicas. Em relação aos fungos, os mais sensíveis foram Trichophyton tonsurans, Microsporum gypseum e Epidermophyton floccosum.

CONCLUSÃO:

Este trabalho ampliou o conhecimento sobre fungos liquenizados da Região Amazônica e possibilitou a obtenção de substâncias antimicrobianas viáveis para a inibição do crescimento de bactérias e fungos de importância médica.

Palavras-chave: Parmotrema sp.; Leptogium sp.; Liquens; Ação Antimicrobiana

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To evaluate the antimicrobial activity of extracts obtained from lichenized fungi occurring in Belém campus of Universidade Federal do Pará, Brazil.

MATERIALS AND METHODS:

Lichenic samples of Leptogium sp. and Parmotrema sp. were submitted to organic extraction by cold exhaustion, following the eluotropic series chloroform and acetone. The extracts obtained were tested against strains of Gram-positive, Gram-negative and acid-resistant bacteria, filamentous fungi, and yeast using the disk diffusion method in agar. Paper discs were impregnated with 20 µL of each extract at a concentration of 4 mg/mL and placed on the medium previously inoculated with the test microorganisms. The results were evaluated by the diameter of the inhibition halos around the discs. Then, the extracts were submitted to thin layer ascending chromatography and bioautographic assays to detect the active ingredients.

RESULTS:

There was a higher antimicrobial potential of Parmotrema sp. with inhibition halos ranging from 8 to 12 mm for bacteria and from 8 to 21 mm for fungi. The bacteria Escherichia coli, Klebsiella pneumonia, and Mycobacterium phlei showed higher sensitivity, as they were inhibited by both lichen species. The most sensitive fungi were Trichophyton tonsurans, Microsporum gypseum, and Epidermophyton floccosum.

CONCLUSION:

This study expanded the knowledge about lichenized fungi of the Amazon Region and proved to be feasible to obtain antimicrobial substances capable of inhibiting the growth of bacteria and fungi of medical importance.

Keywords: Parmotrema sp.; Leptogium sp.; Lichens; Antimicrobial Agents

INTRODUÇÃO

A interação entre um fungo, o micobionte, e uma alga ou cianobactéria, o fotobionte, resulta em uma relação simbiótica conhecida como fungo liquenizado ou líquen. O micobionte desempenha um papel importante na associação, pois confere proteção ao fotobionte, além de definir o nome científico e a morfologia do talo liquênico, classificado como crostoso (fixado firmemente no substrato), foliáceo (fixado parcialmente no substrato) ou fruticuloso (fixado pontualmente no substrato). O fotobionte influencia na morfologia e disponibiliza alimento para o fungo1.

Os liquens são usados na medicina popular desde a antiguidade (1700 a 1600 a.C.)2; porém, o primeiro estudo com substâncias liquênicas foi conduzido por Zopf3, em 1907, no qual descreveu cerca de 150 substâncias. Estudos sobre a ação biológica dessas substâncias passaram a ser realizados após a descoberta de que eram específicas dos liquens e do seu uso na medicina popular2,4.

Dentre as propriedades mais conhecidas está a ação antimicrobiana, que é estudada desde 19445, como a dos ácidos úsnico e norestíctico, que têm poder inibitório contra bactérias Gram-positivas, Gram-negativas, fungos e parasitas6,7,8.

Considerando-se que estudos sobre liquens de ocorrência na Região Amazônica podem contribuir para a descoberta de substâncias inibidoras do crescimento de fungos e bactérias de importância médica, e para aumentar o conhecimento sobre os mesmos, optou-se por avaliar espécies existentes no campus Belém da Universidade Federal do Pará (UFPA), pela disponibilidade de espécies liquênicas ainda não estudadas e por ser uma área de fácil acesso.

O campus da UFPA, localizado na cidade de Belém, estado do Pará, Brasil, apresenta uma área de 3.328.655,80 m2, onde pode ser encontrada uma variedade de fungos liquenizados, devido à grande disponibilidade de espécies vegetais cujos troncos são importantes substratos para o crescimento de diferentes espécies liquênicas, principalmente as de talo crostoso. Apesar de essas serem mais frequentes, foram selecionadas para o estudo espécies de talo foliáceo do gênero Leptogium e Parmotrema, por serem destacáveis do substrato, evitando a interferência do mesmo durante a extração de substâncias. Espécies de Leptogium e Parmotrema já foram referidas em várias localidades brasileiras, porém nenhum registro foi encontrado no Pará. Assim, este estudo objetivou avaliar a capacidade desses liquens de produzir compostos com atividade inibitória frente a bactérias e fungos causadores de infecções humanas.

MATERIAIS E MÉTODOS

MATERIAL LIQUÊNICO

Os fungos liquenizados Parmotrema sp. e Leptogium sp. foram coletados no campus Belém da UFPA, acondicionados em sacos de papel devidamente identificados e levados ao Laboratório de Botânica, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFPA, para secagem e limpeza do material9. Parte desse material (10 g) foi utilizada para a identificação taxonômica e o restante (10 g) submetido à extração orgânica.

OBTENÇÃO DE EXTRATOS

Extratos orgânicos foram obtidos a partir das duas espécies de fungos liquenizados, por sistema de esgotamento a frio, seguindo a série eluotrópica clorofórmio e acetona. O talo liquênico seco (10 g) de cada espécie foi triturado em almofariz e extraído com 100 mL de clorofórmio, sendo mantido em repouso por 24 h a 6 ºC. Após esse período, o material foi filtrado e o resíduo extraído com o mesmo volume de acetona nas mesmas condições. Os extratos obtidos foram mantidos à temperatura ambiente (29 ± 3 ºC) até a total evaporação dos solventes.

MICRORGANISMOS TESTE

Para os testes de atividade antibacteriana, foram utilizados: cepas de referência obtidas da American Type Culture Colection (ATCC) - Staphylococcus aureus (ATCC 6538), Escherichia coli (ATCC 25922), Pseudomonas aeruginosa (ATCC 9027) e Klebsiella pneumoniae (ATCC 29665); cepas de referência do Departamento de Antibióticos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPEDA) - Bacillus subtilis (UFPEDA 16) e Mycobacterium phlei (UFPEDA 71); e isolados clínicos de P. aeruginosa multirresistente e S. aureus resistente à Meticilina (MRSA). Para os testes antifúngicos, foram utilizados: isolados clínicos dos dermatófitos Trichophyton tonsurans, Trichophyton rubrum, Trichophyton mentagrophytes, Microsporum gypseum, Microsporum canis e Epidermophyton floccosum; e um isolado ambiental de M. gypseum. Como representantes de fungos leveduriformes, foram testados 10 isolados clínicos de Candida albicans e dois isolados ambientais de Cryptococcus: Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii.

TESTE ANTIMICROBIANO DE DISCO DIFUSÃO EM ÁGAR

A atividade antimicrobiana dos extratos foi avaliada através do método de difusão em ágar10. Discos de papel com 6 mm de diâmetro foram impregnados com 20 µL de cada extrato liquênico solubilizado em Dimetilsulfóxido (DMSO), na concentração de 4 mg/mL, e depositados em placas de Petri contendo o meio Ágar Mueller-Hinton, previamente inoculado com bactérias, e Ágar Sabouraud, inoculado com fungos. Os inóculos com turvação compatível ao grau 0,5 da escala McFarland foram semeados na superfície do meio de cultura com o auxílio de um swab. Como controle negativo, foram utilizados discos impregnados com DMSO. Como controle positivo, foram utilizados os antibióticos Cefalotina e Amicacina para bactérias e Anfotericina B para fungos. Os experimentos foram incubados a 30 ºC e 36 ºC para fungos e bactérias, respectivamente. Os resultados foram obtidos pela medição dos halos de inibição em volta dos discos, após 24 h de crescimento para bactérias e leveduras e 72 h para dermatófitos.

CROMATOGRAFIA EM CAMADA DELGADA (CCD)

Os extratos liquênicos foram solubilizados em acetona, na concentração de 4 mg/mL, e aplicados em placas de sílica Gel 60 F254+366 (Merck, Darmstadt, Alemanha), no volume de 10 µL. As placas foram submetidas à eluição, utilizando-se como eluente o sistema de solvente A (tolueno/acetona/ácido acético 180:45:5 v/v/v) com adaptações11. As bandas obtidas foram visualizadas sob luz ultravioleta, nos comprimentos de onda 254 nm e 366 nm, por meio de um leitor de cromatoplacas (CAMAG TLC Visualizer, CAMAG, Muttenz, Suíça), e comparadas usando valores de Rf (fator de retenção de cada substância na placa cromatográfica, o qual é calculado pela razão entre a distância percorrida pela banda e a distância percorrida pelo sistema de solventes, multiplicado por 100) e coloração com os padrões dos ácidos girofórico, divaricático, roccélico, leprolomina e isovicanicina aplicados como referência.

BIOAUTOGRAFIA POR IMERSÃO OU SOBREPOSIÇÃO DO ÁGAR

Os extratos liquênicos foram submetidos a ensaios bioautográficos12 para detecção dos compostos ativos dos extratos cromatografados. Os extratos com maior ação antimicrobiana nos testes de disco difusão em ágar foram aplicados em placas de sílica gel nas mesmas condições da CCD, as quais foram depositadas em placas de Petri e, sobre elas, o meio de cultura ágar Mueller-Hinton inoculado com o microrganismo mais sensível nos testes de difusão em ágar.

RESULTADOS

Os extratos das duas espécies de fungos liquenizados avaliadas neste estudo inibiram o crescimento da maioria das bactérias testadas, sendo os de Parmotrema sp. os mais eficazes, principalmente o extrato clorofórmico, que inibiu o crescimento de 62,5% das bactérias analisadas com halos de inibição que variaram de 8 a 12 mm, enquanto o extrato acetônico foi ativo frente a 37,5% das mesmas. Embora o extrato clorofórmico de Leptogium sp. também tenha inibido o mesmo percentual de bactérias (62,5%), os halos de inibição não ultrapassaram o diâmetro de 8 mm (Tabela 1).

Tabela 1 - Atividade antimicrobiana de extratos obtidos a partir de fungos liquenizados presentes no campus Belém da Universidade Federal do Pará 

Microrganismos Diâmetro dos halos de inibição (mm)
Leptogium sp. Parmotrema sp. DMSO CFL
ECl EAc ECl EAc
Bactérias
Staphylococcus aureus (ATCC 6538) 8 - - - - 11
Staphylococcus aureus (MRSA) - - 8 11 - 30
Bacillus subtilis (UFPEDA 16) - - 12 - - 41
Escherichia coli (ATCC 25922) 8 8 11 - - 41
Pseudomonas aeruginosa (ATCC 9027) 8 14 - - - 15
Pseudomonas aeruginosa (multirresistente) - - - - - 12
Klebsiella pneumoniae (ATCC 29665) 8 - 12 11 - 41
Mycobacterium phlei (UFPEDA 71) 8 8 11 10 - 30*
Fungos AFB
Trichophyton tonsurans - - 12 15 - 14
Trichophyton rubrum - - - - - 18
Trichophyton mentagrophytes - - 8 8 - 14
Microsporum gypseum (clínico) 10 - 15 9 - 9
Microsporum gypseum (ambiental) 10 - 10 10 - 10
Microsporum canis - - 9 - - 15
Epidermophyton floccosum - - - 21 - 40

ECl: Extrato clorofórmico; EAc: Extrato acetônico; DMSO: Dimetilsulfóxido; CFL: Cefalotina; * Amicacina; AFB: Anfotericina B. Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

Entre as bactérias testadas, as cepas de E. coli, K. pneumoniae e M. phlei apresentaram maior sensibilidade, uma vez que foram inibidas pelas duas espécies de liquens, com destaque para M. phlei, que foi sensível a 100% dos extratos liquênicos avaliados. Por outro lado, o isolado clínico multirresistente de P. aeruginosa apresentou resistência a todos os extratos testados, confirmando a dificuldade de se controlar o crescimento dessa cepa bacteriana. Em contrapartida, a cepa ATCC de P. aeruginosa apresentou sensibilidade ao extrato acetônico de Leptogium sp. semelhante à apresentada ao antibiótico utilizado como referência (Tabela 1).

Em relação à atividade antifúngica, os extratos de Parmotrema sp. também foram mais promissores, pois inibiram 85,7% dos dermatófitos testados; os mais sensíveis foram T. tonsurans e M. gypseum de origem clínica, apresentando halos de inibição de até 15 mm de diâmetro para o extrato clorofórmico, e E. floccosum, com halos de até 21 mm para o extrato acetônico (Tabela 1).

Por outro lado, os extratos de Leptogium sp. inibiram apenas as cepas de M. gypseum de origem clínica e ambiental, com halos de 10 mm de diâmetro. Vale ressaltar que alguns extratos apresentaram ação superior a do antifúngico comercial utilizado como referência, como o extrato acetônico de Parmotrema sp. frente ao T. tonsurans, e o extrato clorfórmico da mesma espécie de líquen frente ao M. gypseum de origem clínica. Os testes realizados com leveduras demonstraram 100% de resistência desse grupo aos extratos de ambas as espécies de liquens.

A análise química por CCD revelou a presença de apenas uma banda em ambos os extratos de Leptogium sp., com Rf 89. Em relação ao Parmotrema sp., foram observadas sete bandas para o extrato clorofórmico, com valores de Rf 88, 66, 53, 48, 45, 40 e 29, e seis no extrato acetônico, com valores de Rf 88, 68, 53, 40, 33 e 27 (Figura 1). Notou-se que as bandas com Rf 88, 53 e 40 estão presentes em ambos os extratos de Parmotrema sp., pois além de apresentarem o mesmo valor de Rf, possuem também a mesma reação de coloração. O mesmo ocorreu com a banda de Rf 33 no extrato acetônico dessa espécie que correspondeu ao mesmo Rf e reação de coloração do ácido girofórico, sugerindo a produção dessa substância por Parmotrema sp. (Tabela 2).

ECl: Extrato clorofórmico de Leptogium sp.; EAc: Extrato acetônico de Leptogium sp.; ECl’: Extrato clorofórmico de Parmotrema sp.; EAc’: Extrato acetônico de Parmotrema sp.; GIR: Ácidos girofórico; DIV: Divaricático; ROC: Roccélico; LEP: Leprolomina; ISO: Isovicanicina.

Figura 1 - CCD desenvolvida no sistema de solventes (tolueno/acetona/ácido acético 180:45:4 v/v/v) 

Tabela 2 - Valores de Rf e coloração das bandas visualizadas por CCD, a 254 nm e 366 nm, nos extratos de Leptogium sp. e Parmotrema sp. e no ponto correspondente ao ácido girofórico 

Rf Leptogium sp. Parmotrema sp. Ácido girofórico 254/366
Extrato clorofórmico 254/366 Extrato acetônico 254/366 Extrato clorofórmico 254/366 Extrato acetônico 254/366
89 Cinza-claro/Vermelho Cinza-claro/Vermelho - - -
88 - - Cinza/Vermelho-escuro Cinza/Vermelho-escuro -
68 - - - Cinza-claro/NV -
66 - - Cinza/NV - -
53 - - Cinza/NV Cinza/NV -
48 - - Cinza/Amarelo-claro - -
45 - - Cinza/Amarelo-claro - -
40 - - Cinza/Marrom Cinza/Marrom -
33 - - - Cinza-escuro/Azul-claro Cinza-escuro/Azul-claro
29 - - Cinza-claro/Marrom-claro - -
27 - - - Cinza/NV -

Rf: Fator de retenção; -: Ausente; NV: Não visualizado.

O ensaio bioautográfico foi realizado com os extratos de Parmotrema sp., por exibirem maior efeito inibitório contra os microrganismos testados, sendo M. phlei a espécie bacteriana selecionada por se mostrar a mais sensível nos testes de disco difusão em ágar. A bioautografia demonstrou que as bandas com Rf 88 e 66, presentes no extrato clorofórmico, são as responsáveis pela ação antibacteriana desse extrato, agindo sinergicamente no controle do crescimento de M. phlei, visto que houve formação de halo de inibição abrangendo essas duas bandas cromatográficas (Figura 2).

Rf: Fator de retenção; 1: Extrato clorofórmico de Parmotrema sp.; 2: Extrato acetônico de Parmotrema sp.

Figura 2 - Bioautografia por sobreposição de ágar evidenciando o sinergismo das bandas com Rf 88 e 66 na inibição do crescimento de M. phlei 

DISCUSSÃO

Estudos sobre a atividade antimicrobiana de substâncias liquênicas normalmente relatam a maior sensibilidade de bactérias Gram-positivas a extratos de diferentes espécies de fungos liquenizados13,14,15,16,17. Concomitante a isso, alguns autores reportaram a ineficácia dessas substâncias contra cepas de bactérias Gram-negativas18,19. Entretanto, neste trabalho, as cepas Gram-positivas padrão de S. aureus e B. subtilis foram inibidas por apenas 25% dos extratos avaliados, enquanto as Gram-negativas E. coli e K. pneumoniae foram sensíveis a 75% dos extratos e P. aeruginosa (ATCC 9027) a 50% desses extratos, demonstrando maior sensibilidade de bactérias Gram-negativas aos extratos liquênicos aqui avaliados. Esses dados estão de acordo com os de Mie et al.20, que também encontraram maior sensibilidade de bactérias Gram-negativas a extratos de Parmotrema praesorediosum. Essas diferenças podem ocorrer devido a vários fatores, entre eles: os solventes empregados na extração, a espécie liquênica estudada, fatores extrínsecos e intrínsecos que interferem no metabolismo liquênico, como idade do talo, fatores genéticos, umidade, luminosidade e os tipos de metabólitos secundários produzidos16,21.

Independente disso, merece destaque a ação dos extratos de Parmotrema sp. frente à S. aureus (MRSA), uma bactéria multirresistente presente em uma variedade de processos infecciosos nosocomiais de difícil controle, tornando importante a sensibilidade dessa bactéria aos extratos de Parmotrema sp. utilizados neste estudo. Amostras clínicas de S. aureus multirresistentes já foram citadas em outros trabalhos como sensíveis a extratos de Parmotrema coletados em outras localidades22,23.

Outro dado a ser destacado é a sensibilidade da cepa ATCC de P. aeruginosa ao extrato acetônico de Leptogium sp. semelhante à ação do antibiótico utilizado como referência, pois se trata de uma bactéria oportunista, considerada um dos maiores problemas na clínica médica pela sua grande capacidade de adquirir resistência aos antibióticos comercializados. Dessa forma, apesar da baixa ação dos extratos de Leptogium sp., é importante investir na identificação da substância capaz de inibir a cepa ATCC de P. aeruginosa.

A sensibilidade de M. phlei a 100% dos extratos testados neste trabalho também é de grande importância, visto que é uma bactéria álcool-ácido resistente pertencente a um gênero de grande interesse médico, que abrange agentes etiológicos de enfermidades como a hanseníase e a tuberculose, as quais vêm sendo frequentemente relacionadas a casos de resistência a antibióticos24.

Considerando-se que é vital a busca por novas drogas que sejam efetivas contra patógenos multirresistentes, os liquens podem servir de modelo para o desenvolvimento de novas terapias contra os atuais casos de doenças causadas por essas bactérias.

No que se refere à atividade antifúngica, alguns estudos relataram a sensibilidade de T. tonsurans, M. gypseum e E. floccosum a extratos liquênicos de diferentes espécies6,25, assim como a que foi demonstrada no presente estudo. Em contrapartida, nenhuma levedura mostrou-se sensível aos extratos analisados. Tal resistência é um fato conhecido, visto que alguns trabalhos demonstraram a resistência de leveduras a extratos de várias espécies de liquens6,26. Kambar et al.27, por exemplo, constataram resistência de C. albicans a extratos metanólicos de duas espécies liquênicas até a concentração de 20 mg/mL, resultados também encontrados nesta pesquisa, confirmando a resistência de fungos leveduriformes aos extratos liquênicos.

Os extratos de Parmotrema sp. apresentaram maior capacidade inibitória nos testes em disco e maior número de bandas nos testes cromatográficos, sendo o extrato clorofórmico o mais ativo e o que apresentou o maior número de bandas em relação ao extrato acetônico da mesma espécie e em detrimento dos extratos de Leptogium sp. A bioautografia demonstrou que a banda 66, presente no extrato clorofórmico de Parmotrema sp., confere maior potencial antimicrobiano a esse extrato, uma vez que age sinergicamente com a banda 88 na inibição do crescimento microbiano. Esses testes também permitiram identificar o ácido girofórico no extrato acetônico de Parmotrema sp. Várias substâncias já foram citadas para o gênero, como é o caso de atranorina, norlobaridona e ácido úsnico23,28; porém, esta é a primeira referência do ácido girofórico para espécies do gênero Parmotrema, o qual não apresentou ação antimicrobiana, como observado na bioautografia. Apesar dos relatos sobre a ação antimicrobiana do ácido girofórico18,29, é provável que sua concentração, no extrato acetônico da amostra de Parmotrema sp. aqui avaliada, esteja abaixo do mínimo necessário para produzir inibição microbiana.

Os dados bioautográficos justificaram o maior potencial inibitório do extrato clorofórmico de Parmotrema sp. ao mostrarem a ação sinérgica das substâncias com Rf 88 e 66. Embora a banda 88 também esteja presente no extrato acetônico conferindo ação antimicrobiana ao mesmo, é evidente a sua menor concentração nesse extrato, como observado pelo tamanho da banda cromatográfica correspondente (Figura 1). Esse fato, associado à ausência da banda 66, justificam o menor potencial inibitório do extrato acetônico de Parmotrema sp. O extrato clorofórmico desse líquen, portanto, apresentou maior potencial inibitório por conter uma associação de duas substâncias que agem sinergicamente inibindo o crescimento microbiano.

Estes dados mostram que o campus Belém da UFPA tem espécies liquênicas com potencial antimicrobiano e que pode tornar-se uma fonte de substâncias antibióticas para a população frequentemente afetada por infecções fúngicas e bacterianas.

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram o potencial antimicrobiano de liquens presentes no campus Belém da UFPA, uma vez que produziram substâncias capazes de inibir o crescimento de bactérias e fungos causadores de infecções humanas, destacando-se os extratos de Parmotrema sp., que apresentaram maior potencial inibitório tanto nos testes antibacterianos como nos antifúngicos.

Os dados obtidos servem de base para estudos futuros sobre a identificação dos princípios ativos detectados, bem como para subsidiar estudos sobre a toxicidade dessas substâncias, os quais são necessários para viabilizar o uso clínico de substâncias liquênicas.

AGRADECIMENTOS

Aos técnicos Hélio Plautz, Maria Joaquina Ferreira e Orlando Silva, do Laboratório de Microbiologia, e Domingos Claudino, do Laboratório de Micologia, ambos do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, pelo apoio concedido na preparação dos materiais utilizados.

REFERÊNCIAS

1 Nash III TH, editor. Lichen biology. 2nd ed. Cambridge: Cambridge University Press; 2008. p. 1-8. [ Links ]

2 Abrahan EP, Florey HW. Antimicrobial substances from lichens and algae. In: Florey HW, Chain E. Antibiotics: a survey of penicillin, streptomycin, and other antimicrobial substances from fungi, actinomycetes, bacteria, and plants. Vol. 1. London: Oxford University Press; 1949. p. 566-75. [ Links ]

3 Zopf W. Die Flechtenstoffe in chemischer, botanischer, pharmakologischer und technischer Beziehung. Jena: Verlag von Gustav Fischer; 1907. 450 p. Alemão. [ Links ]

4 Molnár K, Farkas E. Current results on biological activities of lichen secondary metabolites: a review. Z Naturforsch C. 2010 Mar-Apr;65(3-4):157-73. Doi: 10.1515/znc-2010-3-401 [Link] [ Links ]

5 Burkholder PR, Evans AW, Mcveigh I, Thornton HK. Antibiotic activity of lichens. Proc Natl Acad Sci USA. 1944 Sep;30(9):250-5. Doi: 10.1073/pnas.30.9.250 [Link] [ Links ]

6 Ribeiro SM, Pereira EC, Gusmão NB, Falcão EP, Silva NH. Produção de metabólitos bioativos pelo líquen Cladonia substellata (Vainio). Acta Bot Bras. 2006 jun-abr;20(2):265-72. Doi: 10.1590/S0102-33062006000200003 [Link] [ Links ]

7 Nóbrega NA, Ribeiro SM, Pereira EC, Marcelli M, Martins MCB, Falcão EPS, et al. 2012. Produção de compostos fenólicos a partir de células imobilizadas do líquen Parmotrema andinum (Müll. Arg.) Hale e avaliação de atividade antimicrobiana. Acta Bot Bras. 2012 jan-mar;26(1):101-7. Doi: 10.1590/S0102-33062012000100012 [Link] [ Links ]

8 Fritis MC, Lagos CR, Sobarzo NQ, Venegas IM, Sánchez CS, Altamirano HC, et al. Depsides and triterpenes in Pseudocyphellaria coriifolia (lichens) and biological activity against Trypanosoma cruzi. Nat Prod Res. 2013;27(17):1607-10. Doi: 10.1080/14786419.2012.740033 [Link] [ Links ]

9 Falcão EPS, Silva NH, Gusmão NB, Ribeiro SM, Honda NK, Pereira EC. Atividade antimicrobiana de compostos fenólicos do líquen Heterodermia leucomela (L.) Poelt. Acta Farm Bonaerense. 2002;21(1):43-9. [ Links ]

10 Bauer AW, Kirby WMM, Sherris JC, Truck M. Antibiotic susceptibility testing by a standardized single disk method. Am J Clin Pathol. 1966 Apr;45(4):493-6. Doi: 10.1093/ajcp/45.4_ts.493 [Link] [ Links ]

11 Culberson CF. Improved conditions and new data for identification of lichen products by standardized thin-layer chromatographic method. J Chromathogr. 1972;72(1):113-25. Doi: 10.1016/0021-9673(72)80013-X [Link] [ Links ]

12 Homans AL, Fuchs A. Direct bioautography on thin-layer, chromatograms as a method for detecting fungitoxic substances. J Cromathogr. 1970 Sep;51(2):327-9. Doi: 10.1016/S0021-9673(01)96877-3 [Link] [ Links ]

13 Srivastava P, Logesh AR, Upreti DK, Dhole TN, Srivastava A. In-vitro evaluation of some Indian lichens against human pathogenic bacteria. Mycosphere. 2013 Aug;4(4):734-43. Doi: 10.5943/mycosphere/4/4/10 [Link] [ Links ]

14 Ramos DBM, Gomes FS, Napoleão TH, Paiva PMG, Silva MDC, Coelho LCBB. Antimicrobial activity of Cladonia verticillaris lichen preparations on bacteria and fungi of medical importance. Chin J Biol. 2014 Jan;2014. Doi: 10.1155/2014/219392 [Link] [ Links ]

15 Sarıözlü NY, Cankılıç MY, Candan M, Turgay T. Antimicrobial activity of lichen Bryoria capillaris and its compound barbatolic acid. Biomed Res. 2016:S419-23. [ Links ]

16 Kemegne GA, Mkounga P, Ngang JJE, Kamdem SLS, Nkengfack AE. Antimicrobial structure activity relationship of five anthraquinones of emodine type isolated from Vismia laurentii. BMC Microbiol. 2017 Feb;17:41. Doi: 10.1186/s12866-017-0954-1 [Link] [ Links ]

17 Moura JB, Vargas AC, Gouveia GV, Gouveia JJS, Ramos-Junior JC, Botton SA, et al. In vitro antimicrobial activity of the organic extract of Cladonia substellata Vainio and usnic acid against Staphylococcus spp. obtained from cats and dogs. Pesq Vet Bras. 2017 Apr;37(4):368-78. Doi: 10.1590/s0100-736x2017000400011 [Link] [ Links ]

18 Candan M, Yılmaz M, Tay T, Kıvanç M, Türk H. Antimicrobial activity of extracts of the lichen Xanthoparmelia pokornyi and its gyrophoric and stenosporic acid constituents. Z Naturforsch C. 2006 May-Jun;61(5-6):319-23. Doi: 10.1515/znc-2006-5-603 [Link] [ Links ]

19 Balaji P, Hariharan GN. In vitro antimicrobial activity of Parmotrema praesorediosum thallus extracts. Res J Bot. 2007;2(1):54-9. Doi: 10.3923/rjb.2007.54.59 [Link] [ Links ]

20 Mie R, Samsudin MW, Din L, Ahmad A, Ibrahim N, Adnan S. Synthesis of silver nanoparticles with antibacterial activity using the lichen Parmotrema praesorediosum. Int J Nanomedicine. 2014;9(1):121-7. Doi: 10.2147/IJN.S52306 [Link] [ Links ]

21 Shrestha G, Raphael J, Leavitt SD, St Clair LL. In vitro evaluation of the antibacterial activity of extracts from 34 species of North American lichens. Pharm Biol. 2014 Oct;52(10):1262-6. Doi: 10.3109/13880209.2014.889175 [Link] [ Links ]

22 Chauhan R, Abraham J. In vitro antimicrobial potential of the lichen Parmotrema sp. extracts against various pathogens. Iran J Basic Med Sci. 2013 Jul;16(7):882-5. [ Links ]

23 Honda NK, Freitas DS, Micheletti AC, Carvalho NCP, Spielmann AA, Canêz LS. Parmotrema screminiae (Parmeliaceae), a novel lichen species from Brazil with potent antimicrobial activity. Orbital: Electron J Chem. 2016 Oct-Dec;8(6):334-40. Doi: 10.17807/orbital.v8i6.877 [Link] [ Links ]

24 Koul A, Vranckx L, Dendouga N, Balemans W, Van den Wyngaert I, Vergauwen K, et al. Diarylquinolines are bactericidal for dormant mycobacteria as a result of disturbed ATP homeostasis. J Biol Chem. 2008 Sep;283(37):25273-80. Doi: 10.1074/jbc.M803899200 [Link] [ Links ]

25 Schmeda-Hirschmann G, Tapia A, Lima B, Pertino M, Sortino M, Zacchino S, et al. A new antifungal and antiprotozoal depside from the andean lichen Protousnea poeppigii. Phytother Res. 2008 Mar;22(3):349-55. Doi: 10.1002/ptr.2321 [Link] [ Links ]

26 Vieira VHC, Souza IP, Paiva RS, Costa SPSE, Ribeiro SMA. Ação antimicrobiana de extratos liquênicos: uma alternativa para uso sustentável da biodiversidade amazônica. In: 3º Simpósio de Estudos e Pesquisas em Ciências Ambientais na Amazônia; 2014 nov 18-20; Belém, PA. Belém: Editora da UEPA; 2014. p. 132-9. [Link] [ Links ]

27 Kambar Y, Vivek MN, Manasa M, Vinayaka KS, Mallikarjun N, Prashith Kekuda TR. Antimicrobial activity of Leptogium burnetiae, Ramalina hossei, Roccella montagnei and Heterodermia diademata. Int J Pharm Phytopharmacol Res. 2014 Jan;4(3):164-8. [ Links ]

28 Jain AP, Bhandarkar S, Rai G, Yadav AK, Lodhi S. Evaluation of Parmotrema reticulatum taylor for antibacterial and antiinflammatory activities. Indian J Pharm Sci. 2016;78(1):94-102. Doi: 10.4103/0250-474X.180241 [Link] [ Links ]

29 Ranković B, Mišić M, Sukdolak S. The antimicrobial activity of substances derived from the lichens Physcia aipolia, Umbilicaria polyphylla, Parmelia caperata and Hypogymnia physodes. World J Microbiol Biotechnol. 2008 Jul;24(7):1239-42. Doi: 10.1007/s11274-007-9580-7 [Link] [ Links ]

APOIO FINANCEIRO Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas do Pará.

Como citar este artigo / How to cite this article: Vieira VHC, Vieira ABR, Pinheiro WBSP, Costa SPSE, Paiva RS, Ribeiro SMA. Atividade antimicrobiana de fungos liquenizados ocorrentes no campus Belém da Universidade Federal do Pará, estado do Pará, Brasil. Rev Pan Amaz Saude. 2019;10:e201900037. Doi: http://dx.doi.org/10.5123/S2176-6223201900037

Recebido: 10 de Abril de 2018; Aceito: 12 de Novembro de 2018

Correspondência / Correspondence: Sheyla Mara de Almeida Ribeiro. Rua Augusto Corrêa, 01. Bairro: Guamá. CEP: 66075-110 - Belém, Pará, Brasil - Tel.: +55 (91) 98137-6900 / 3201-8214. E-mail: sheylaribeiro@hotmail.com / smribeiro@ufpa.br

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

O autor Victor Hugo de Carvalho Vieira participou de todas as etapas de desenvolvimento do trabalho sendo acompanhado pela autora Sheyla Mara de Almeida Ribeiro desde os testes iniciais até a elaboração do manuscrito. Os demais autores contribuíram para a redação do manuscrito e para a identificação dos gêneros de fungos liquenizados (Rosildo Santos Paiva), realização de testes cromatográficos (Wandson Braamcamp de Souza Pinheiro), testes antibacterianos (Antônia Benedita Rodrigues Vieira) e antifúngicos (Solange do Perpétuo Socorro Evangelista Costa).

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflitos de interesse em relação a este trabalho.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons