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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.12  Ananindeua  2021  Epub 26-Jul-2021

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223202100820 

RELATO DE CASO

Diagnóstico tardio de micose fungoide: um relato de caso

Brena Andrade de Lima Lobato (orcid: 0000-0002-7291-8748)1  2  4  , João Augusto Gomes de Souza Monteiro de Brito (orcid: 0000-0001-7286-7066)2  , Thiago Xavier Carneiro (orcid: 0000-0002-4326-7966)3  , Marília Brasil Xavier (orcid: 0000-0002-4727-3001)2  4 

1Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropical, Programa de Pós-Graduação em Doenças Tropicais, Belém, Pará, Brasil

2Universidade do Estado do Pará, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Laboratório de Pesquisas em Dermatoses de Interesse Sanitário, Belém, Pará, Brasil

3Hospital Ophir Loyola, Divisão de Hematologia-Oncologia e Transplante de Células-Tronco, Belém, Pará, Brasil

4Universidade Federal do Pará, Núcleo de Medicina Tropical, Laboratório de Pesquisas em Dermatologia Tropical e Doenças Endêmicas, Belém, Pará, Brasil

RESUMO

INTRODUÇÃO:

Micose fungoide (MF) é um tipo de linfoma cutâneo de células T com incidência aproximada de 0,41/100.000 indivíduos anualmente. O presente relato ressalta os impactos do atraso diagnóstico na evolução da doença.

RELATO DO CASO:

Paciente do sexo feminino buscou assistência médica no serviço de dermatologia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), em novembro de 2017, apresentando três placas eritemato-hipercrômicas infiltradas, duas no abdômen e uma descamativa no membro inferior esquerdo, e linfonodo palpável na região inguinal esquerda com crescimento progressivo que iniciou em 2011. A paciente relatou que havia sido submetida a vários exames e tratamentos, assistida por seis profissionais médicos de diferentes especialidades e realizado quatro exames histopatológicos. O caso foi investigado no serviço de dermatologia, tendo sido realizado estudo imunohistoquímico e concluído o diagnóstico de MF. A paciente iniciou tratamento com metotrexato 15 mg e ácido fólico 5 mg, em dose única semanal, e fototerapia com PUVA, tendo apresentado melhora significativa, porém, com extensa área de atrofia e infecções secundárias.

CONCLUSÃO:

O presente caso é um problema de saúde pública que reforça a necessidade de capacitação adequada de médicos para identificação e tratamento precoce de MF.

Palavras-chave: Micose Fungoide; Perfil de Impacto da Doença; Diagnóstico Tardio; Acesso aos Serviços de Saúde.

INTRODUÇÃO

A micose fungoide (MF), juntamente com a síndrome de Sezary, é classificada como o tipo mais comum de linfoma cutâneo de células T (LCCT), por representar de 44 a 54% dos casos. A doença acomete principalmente adultos, com idade média entre 55 e 60 anos, mas também pode ser encontrada em crianças e adolescentes. Ocorre na proporção de 1,6-2,0 homens para 1,0 mulher1,2.

A causa da MF ainda não está totalmente esclarecida, mas evidências sugerem que ocorra devido à estimulação antigênica crônica que pode gerar proliferação e acúmulo de células T na pele. Esse estímulo sofre grande influência do microambiente cutâneo, incluindo células dendríticas e células T reativas citotóxicas ou regulatórias3. Os linfócitos T envolvidos na etiopatogenia da MF são as células T CD4+ que apresentam moléculas de adesão, como CCR4 e CLA. Antígenos como CD7, ou eventualmente CD5 ou CD2, estão reduzidos ou ausentes nas células patogênicas4.

Clinicamente, os pacientes com MF apresentam, no início, lesões discretas que se assemelham ao eczema ou eritema difuso, podendo evoluir para o estágio tumoral, no qual decorre maior infiltração das lesões e, normalmente, ulceração. Essas lesões muitas vezes ocorrem em áreas que não são normalmente expostas ao sol, como o tronco, e podem se manifestar com hipocromia ou hipercromia5. Vale ressaltar que o diagnóstico da presente patologia é realizado considerando tanto critérios clínicos quanto histopatológicos6.

O tratamento é feito de acordo com o estadiamento da doença, de modo que, em estágio inicial (IA até IIA), são utilizadas terapias direcionadas à pele (TDP), como corticosteroides tópicos, radioterapia e fototerapia, e, em estágio avançado (IIB até IVB), é aplicada a terapia sistêmica com retinoides, interferons ou imunobiológicos, aliada às TDP7,8.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, do lar, natural e procedente de Belém, estado do Pará, procurou o serviço de dermatologia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), em novembro de 2017, devido ao aparecimento de mancha escura de crescimento progressivo em membro inferior esquerdo (MIE), que se iniciara em maio de 2011. A paciente também relatou episódios de "inchaço" e dor local, além do aparecimento de duas novas manchas no abdômen e "íngua" na região inguinal esquerda. Informou ter sido submetida a vários exames e tratamentos, porém sem melhora e sem conclusão diagnóstica. Nesse contexto, a paciente foi atendida por três médicos generalistas, um oncologista e dois dermatologistas, sendo o primeiro atendimento um mês após o início da sintomatologia, porém sem conclusão diagnóstica até ser encaminhada ao serviço de dermatologia em 16/11/2017 e chegar ao diagnóstico final em 18/12/2017, depois de seis anos e sete meses de evolução. O exame dermatológico constatou duas placas eritemato-hipercrômicas infiltradas no abdômen, uma placa eritemato-hipercrômica descamativa com infiltração no MIE e um linfonodo palpável na região inguinal esquerda sob pele eritematosa (Figuras 1 e 2). Desde o início do quadro, foram realizados quatro exames histopatológicos e um imuno-histoquímico da lesão, evidenciando, por fim, infiltrado linfoide dérmico atípico com epidermotropismo, imunofenótipo T CD4 predominante, e com perda de expressão de CD7, sugerindo o diagnóstico de MF. Foram realizados tomografias computadorizadas de tórax e abdômen, que não apresentaram alterações significativas, e acompanhamento concomitante com a hematologia. Além do linfonodo clinicamente palpável, foi verificada linfonodomegalia na região inguinal direita, após ultrassonografia de partes moles, com múltiplos linfonodos acometidos, tendo o maior deles 3,2 x 1 cm, além de espessamento de pele e densificação de gordura. Após avaliação, o estadiamento foi estabelecido como T2NxM0B0. Com isso, o tratamento proposto foi de metotrexato 15 mg e ácido fólico 5 mg, em dose única semanal, e fototerapia com PUVA, iniciado em 22/02/2018. A paciente apresentou melhora significativa das lesões após o tratamento instituído, com regressão da infiltração, do eritema, da descamação e do gânglio, porém, com extensa área de atrofia (Figura 3) e infecções secundárias, apresentando dois episódios de erisipela e um de impetigo no membro afetado, com intervalos de quatro a seis meses entre eles. Os quadros de erisipela foram tratados com cefalexina 500 mg, via oral, de 6 em 6 h, por 14 dias, e o de impetigo, com ácido fusídico tópico, duas vezes ao dia, com melhora completa após a administração da antibioticoterapia.

Foto: Brena Andrade de Lima Lobato.

Figura 1 - Placa eritemato-hipercrômica infiltrada com descamação e áreas exulceradas em membro inferior esquerdo 

Foto: Brena Andrade de Lima Lobato.

Figura 2 - Nódulo endurecido e palpável sob pele eritematosa na região inguinal esquerda 

Foto: Brena Andrade de Lima Lobato.

Figura 3 - Mácula hipercrômica e área de atrofia em pele xerótica do membro inferior esquerdo, apresentando regressão da infiltração e do edema 

DISCUSSÃO

A incidência anual de LCCT é extremamente rara, sendo de 0,77/100.000 indivíduos, e a MF, o tipo mais comum desse linfoma, possui incidência aproximada de 0,41/100.000 indivíduos2.

A MF pode apresentar semelhança considerável com diversas dermatoses inflamatórias benignas, como eczema, psoríase e pitiríase liquenoide crônica, e suas características histológicas clássicas podem estar ausentes mesmo em múltiplas biópsias de pele, principalmente em seus estágios iniciais, como foi observado neste caso. Por conseguinte, o diagnóstico tardio pode resultar na evolução e agravamento do quadro do paciente, incluindo a piora em sua qualidade de vida, a necessidade de tratamentos mais agressivos, a ocorrência de sequelas e uma possível iatrogenia decorrente de exames e tratamentos anteriores3,4,5,8. Tal questão foi observada no presente relato, pois, em seis anos, a paciente consultou-se com seis médicos de diferentes especialidades até ser encaminhada ao serviço de dermatologia da UEPA e receber o diagnóstico definitivo. Essa demora resultou no agravamento do quadro e maior dificuldade terapêutica, além de grande despendimento de tempo e dinheiro. O atraso diagnóstico observado foi ainda maior do que o encontrado em estudos realizados por Skov e Gniadecki9 e Scarisbrick et al.10, em que o tempo médio do diagnóstico foi de dois anos e três meses e de três anos, respectivamente. Esses pontos reforçam o entendimento da MF como um problema de saúde pública, e a importância do profissional médico treinado para rastrear os casos antes de gerar maiores complicações.

O estadiamento foi definido como T2NxM0B0 pelo método tumor-node-metastasis (TNM) staging system, adaptado aos parâmetros específicos dos LCCT11. Assim, foi instituído o tratamento com metotrexato 15 mg e ácido fólico 5 mg, em dose única por semana, associados à fototerapia com PUVA, não tendo sido observados efeitos adversos. O tratamento com fototerapia PUVA possui amplo benefício na remissão da MF, penetrando de forma profunda na derme e podendo ser utilizado em conjunto com agentes sistêmicos em casos mais graves7,12,13. O metotrexato, um análogo do ácido fólico que faz parte do grupo de drogas antimetabólicas, apresenta benefícios comprovados mesmo em baixas doses; porém, estudos comprovando sua utilização em ampla escala ainda são escassos14,15. Ademais, a associação do metorexato com a fototerapia apresentou resultados promissores no presente caso, reforçando a possibilidade de sua utilização como escolha terapêutica e objeto de estudos futuros.

CONCLUSÃO

A MF é uma doença linfoproliferativa cutânea de difícil diagnóstico, principalmente em estágios iniciais. O presente relato ressalta os impactos do atraso no diagnóstico e da dificuldade de profissionais médicos, de diferentes especialidades, em estabelecer esse diagnóstico, fatores que impactam na progressão do quadro, pioram o prognóstico, e podem gerar sequelas após o tratamento. Adicionalmente, mostra o dispêndio de tempo e recursos financeiros do paciente, o que afeta sua qualidade de vida. Diante do exposto, a MF é um grande desafio para a saúde pública, principalmente em relação à formação e capacitação de profissionais médicos.

ASPECTOS ÉTICOS

O presente relato de caso foi realizado durante a execução do projeto "Fototerapia em doenças linfoproliferativas e inflamatórias associadas ao HTLV", o qual foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, com parecer nº 1.582.819, em 9 de junho de 2016, e está em consonância com os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitando as normas de pesquisa envolvendo seres humanos, conforme a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

REFERÊNCIAS

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3 Jawed SI, Myskowski PL, Horwitz S, Moskowitz A, Querfeld C. Primary cutaneous T-cell lymphoma (mycosis fungoides and Sézary syndrome): part I. Diagnosis: clinical and histopathologic features and new molecular and biologic markers. J Am Acad Dermatol. 2014 Feb;70(2):205.e1-16. [ Links ]

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5 Larocca C, Kupper T. Mycosis fungoides and Sézary syndrome: an update. Hematol Oncol Clin North Am. 2019 Feb;33(1):103-120. [ Links ]

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9 Skov AG, Gniadecki R. Delay in the histopathologic diagnosis of mycosis fungoides. Acta Derm Venereol. 2015 Apr;95(4):472-5. [ Links ]

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Como citar este artigo / How to cite this article: Lobato BAL, Brito JAGSM, Carneiro TX, Xavier MB. Diagnóstico tardio de micose fungoide: um relato de caso. Rev Pan Amaz Saude. 2021;12:e202100820. Doi: http://dx.doi.org/10.5123/S2176-6223202100820

Recebido: 22 de Outubro de 2020; Aceito: 01 de Junho de 2021

Correspondência / Correspondence: Marília Brasil Xavier Universidade do Estado do Pará, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Ambulatório de Dermatologia Tv. Perebebuí, 2623. Bairro: Marco. CEP: 66113-200 - Belém, Pará, Brasil - Tel.: +55 (91) 3276-2365 E-mail: mariliabxavier@gmail.com

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Todos os autores contribuíram integralmente com a elaboração do presente relato de caso, realizando: coleta de dados, acompanhamento e manejo clínico do caso, idealização do relato, revisão crítica da literatura e dos dados obtidos, redação do manuscrito e aprovação da versão final.

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