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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versão impressa ISSN 2176-6215versão On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.14  Ananindeua  2023  Epub 26-Dez-2023

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223202301466 

ARTIGO ORIGINAL

Características clínico-epidemiológicas de pessoas vivendo com HIV e com neurotoxoplasmose na região oeste do estado do Pará, Brasil

Clinical and epidemiological characteristics of individuals living with HIV and neurotoxoplasmosis in the western region of Pará State, Brazil

Olívia Campos Pinheiro Berretta (orcid: 0000-0002-9957-9301)1  , Ana Núbia de Barros (orcid: 0000-0002-4912-7024)2  , Luiz Fernando Gouvêa-e-Silva (orcid: 0000-0002-1953-9175)2  , Rita Catarina Medeiros Sousa (orcid: 0000-0002-8330-6667)1 

1 Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Saúde na Amazônia, Belém, Pará, Brasil

2 Universidade Federal de Jataí, Grupo de Estudo e Pesquisa Morfofuncional na Saúde e Doença, Jataí, Goiás, Brasil

RESUMO

INTRODUÇÃO:

A neurotoxoplasmose (NTX) é uma doença oportunista comum nas pessoas vivendo com o HIV (PVHIV), causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, que pode surgir quando a contagem de linfócitos T CD4+ (LTCD4+) for < 100 células/mm³.

OBJETIVO:

Analisar os perfis sociodemográfico e clínico das PVHIV que desenvolveram NTX no interior do estado do Pará, Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS:

Estudo descritivo, quantitativo e transversal. Amostra composta por 91 prontuários de PVHIV de um centro de referência de Santarém, no Pará, com diagnóstico para NTX. Buscou-se informações nos prontuários referentes às características sociodemográficas, clínicas e laboratoriais. Os dados foram analisados pela estatística descritiva e inferencial, adotando-se o nível de significância de p < 0,05.

RESULTADOS:

Notou-se maior prevalência de homens (72,5%), cor de pele/raça parda (85,7%), 4-7 anos de estudos (42,9%) e solteiros (48,4%). A idade para o diagnóstico da NTX foi maior que para a infecção pelo HIV (33 vs. 32 anos; p < 0,001), e os homens, em relação às mulheres, apresentaram maior contagem de LTCD4+ (73 vs. 49 céls./mm³; p = 0,028). As principais manifestações clínicas da NTX foram hemiparesia/hemiplegia (25,9%) e cefaleia (15,0%). Não se observou associação do sexo com manifestações clínicas, outras infecções oportunistas ou a idade para o diagnóstico de NTX (p > 0,05).

CONCLUSÃO:

Diante das manifestações clínicas mais relevantes apresentadas, a conduta médica e da equipe de saúde deve ser direcionada para a testagem sorológica do HIV, visto que os dados demonstraram uma procura tardia pelo serviço de saúde especializado por parte dos pacientes.

Palavras-chave: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Toxoplasmose Cerebral; Infecções Oportunistas Relacionadas com o HIV; Contagem de Linfócito CD4

ABSTRACT

INTRODUCTION:

Neurotoxoplasmosis (NTX) is a common opportunistic disease in people living with HIV (PLHIV), caused by the protozoan Toxoplasma gondii, which may arise when the CD4+ T lymphocyte count (CD4+ count) is < 100 cells/mm³.

OBJECTIVE: To analyze the sociodemographic and clinical profiles of PLHIV who developed NTX in the interior of Pará State, Brazil.

MATERIALS AND METHODS:

This is a descriptive, quantitative, and cross-sectional study. The sample consisted of 91 medical records of PLHIV diagnosed with NTX from a reference center in Santarém, Pará. Information on sociodemographic, clinical, and laboratory characteristics was sought in the medical records. Data were analyzed using descriptive and inferential statistics, with a significance level of p < 0.05.

RESULTS:

A higher prevalence of men (72.5%), brown skin color/race (85.7%), 4-7 years of education (42.9%), and single individuals (48.4%) was observed. The age at NTX diagnosis was higher than for HIV infection (33 vs. 32 years; p < 0.001), and men, compared to women, had a higher CD4+ count (73 vs. 49 cells/mm³; p = 0.028). The main clinical manifestations of NTX were hemiparesis/hemiplegia (25.9%) and headache (15.0%). No association was observed between gender and clinical manifestations, other opportunistic infections, or age at NTX diagnosis (p > 0.05).

CONCLUSION:

Given the most relevant clinical manifestations, medical and healthcare team interventions should prioritize HIV serological testing, as the data demonstrated a delayed seeking of specialized healthcare services by patients.

Keywords: Acquired Immunodeficiency Syndrome; Cerebral Toxoplasmosis; Opportunistic Infections Related to HIV; CD4 Lymphocyte Count

INTRODUÇÃO

A neurotoxoplasmose (NTX) está entre as doenças oportunistas mais prevalentes em pessoas vivendo com o vírus da imunodeficiência humana (PVHIV)1,2. Seu agente causador é o Toxoplasma gondii, um protozoário parasita bastante difundido em todo o mundo que pode afetar tanto animais quanto humanos, tendo os felinos como o seu hospedeiro definitivo3,4. Humanos podem ser infectados após contato com o solo contaminado, frutas e verduras (contaminadas) não higienizadas, pelo consumo de carnes cruas ou malcozidas (infectadas)3, além da água, que também pode ser uma fonte de contaminação.

A soroprevalência do parasita é variada; entretanto, estima-se que 30% da população mundial esteja infectada pelo Toxoplasma gondii5. No Brasil, a taxa é de 61,2%, sendo mais elevada com o aumento da idade6. No estado do Pará, a prevalência pode chegar a taxas superiores a 70%7. Quando associada ao diagnóstico da infecção pelo HIV, estima-se que 44,2% dessa população também possua toxoplasmose8.

Em contrapartida, desde o início da epidemia pelo HIV até o final de 2021, foram infectadas 84,2 milhões de pessoas mundialmente9. Apenas no ano de 2021, foram notificados 40.880 novos casos no Brasil, sendo 13,4% destes, na Região Norte10. Apesar da difusão do acesso à terapia antirretroviral (TARV)9 e da sua eficácia para supressão virológica, as PVHIV ainda estão suscetíveis às doenças oportunistas11.

Pacientes que apresentam a contagem de linfócitos T CD4+ (LTCD4+) < 100 células/mm³ e carga viral detectável têm grande chance de apresentarem NTX1,12. As principais manifestações clínicas são cefaleia, febre e convulsões12,13,14, podendo apresentar ainda afasia, paralisia dos nervos cranianos e comprometimento cognitivo1.

O diagnóstico é realizado por meio de análise da história clínica com confirmação histopatológica e por exame de neuroimagem12. Entretanto, com frequência esse diagnóstico é tardio, e o paciente tem maior probabilidade de dano cerebral grave e outras infecções oportunistas associadas, quando presente a uma carga viral detectável e contagem < 100 céls./mm³ de LTCD4+1. Dessa forma, o objetivo do presente estudo é analisar os perfis sociodemográfico e clínico das PVHIV que desenvolveram NTX no interior do estado do Pará.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal e quantitativa, com base em prontuários, realizada no Centro de Testagem e Aconselhamento e Serviço de Assistência Especializada (CTA/SAE) do município de Santarém, estado do Pará, Brasil.

A população do estudo envolveu a análise de 1.919 prontuários de PVHIV em acompanhamento no CTA/SAE de janeiro de 1998 a dezembro de 2017. Foram incluídos prontuários de pacientes de ambos os sexos, com idade maior ou igual a 18 anos no momento da pesquisa, com sorologia positiva para a infecção pelo HIV e com diagnóstico clínico ou radiológico para NTX. Foram excluídos os prontuários com ausência da data de nascimento e sexo, ou com informações ilegíveis (nenhuma exclusão ocorreu). Assim, a amostra foi composta por 91 prontuários de PVHIV e com o diagnóstico para NTX. Ressalta-se que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado do Pará, sob o parecer n° 2.544.662, em 14 de março de 2018.

A coleta de dados, realizada de abril de 2018 a outubro de 2019, envolveu a busca de informações sociodemográficas (sexo, idade, cor de pele, escolaridade, estado civil, local de residência e ocupação), clínicas (motivo da procura, tipo de exposição, data do diagnóstico para o HIV e NTX, infecções e manifestações clínicas) e laboratoriais (carga viral e LTCD4+) nos prontuários dos pacientes no momento do diagnóstico para a infecção pelo HIV.

Os dados foram organizados e tabulados no programa Microsoft Excel. Para a estatística descritiva, foram utilizados os recursos da mediana, mínimo, máximo, intervalo interquartil (IIQ), frequência absoluta e relativa. O teste D'Agostino-Pearson foi aplicado para verificar a normalidade dos dados, utilizando-se para as comparações o teste Mann-Whitney. Para a parte inferencial, foi aplicado o teste exato de Fisher para verificar a associação das variáveis clínicas com o perfil imunológico. Para as estatísticas inferencial e descritiva, utilizou-se o programa BioEstat v5.3, adotando-se o nível de significância de p < 0,05.

RESULTADOS

A frequência de PVHIV que apresentaram o diagnóstico para a NTX, no período de 1998 a 2017, foi de 4,7% (n = 91), sendo estes reconhecidos no período do diagnóstico para a infecção pelo HIV (63,7%; n = 58). A maioria dos casos era de indivíduos da cor/raça parda (85,7%; n = 78), do sexo masculino (72,5%; n = 66), com escolaridade de quatro a sete anos de estudo (42,9%; n = 39), solteiros (48,4%; n = 44) e com alguma ocupação (61,5%; n = 56). A análise da procedência demonstrou que esses pacientes eram provenientes de 14 municípios do Pará, com Santarém como a cidade mais referenciada (63,7%; n = 58). O principal motivo da procura pelo CAT/SAE foi o encaminhamento por outro serviço de saúde (42,9; n = 39). A relação sexual foi a principal forma de exposição (97,8%; n = 89) (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição das variáveis sociodemográficas e clínicas dos pacientes infectados pelo HIV e com diagnóstico para NTX, no período de 1998 a 2017 

Variáveis Todos Masculino Feminino
n % n % n %
Sexo
Masculino 66 72,5 - - - -
Feminino 25 27,5 - - - -
Cor de pele/Raça
Branca 1 1,1 1 1,5 - -
Parda 78 85,7 54 81,8 24 96,0
Preta 4 4,4 4 6,1 - -
Não informado 8 8,8 7 10,6 1 4,0
Escolaridade (anos de estudo)
0 4 4,4 3 4,5 1 4,0
1-3 6 6,6 3 4,5 3 12,0
4-7 39 42,9 28 42,4 11 44,0
8-11 23 25,3 17 25,8 6 24,0
≥ 12 7 7,7 7 10,6 - -
Não informado 12 13,2 8 12,1 4 16,0
Estado civil
Casado/Amigado 24 26,4 14 21,2 10 40,0
Separado 5 5,5 3 4,5 2 8,0
Solteiro 44 48,4 34 51,5 10 40,0
Viúvo 2 2,2 2 3,0 - -
Não informado 16 17,6 13 19,7 3 12,0
Ocupação
Sim 56 61,5 48 72,7 8 32,0
Não 25 27,5 11 16,7 14 56,0
Aposentado 4 4,4 3 4,5 1 4,0
Não informado 6 6,6 4 6,1 2 8,0
Procedência
Santarém 58 63,7 42 63,6 16 64,0
Oriximiná 6 6,6 5 7,6 1 4,0
Itaituba 5 5,5 5 7,6 - -
Óbidos 5 5,5 4 6,1 1 4,0
Alenquer 3 3,3 2 3,0 1 4,0
Monte Alegre 2 2,2 - - 2 8,0
Placas 2 2,2 1 1,5 1 4,0
Prainha 2 2,2 1 1,5 1 4,0
Almeirim 1 1,1 - - 1 4,0
Aveiro 1 1,1 1 1,5 - -
Juruti 1 1,1 1 1,5 - -
Mojuí dos Campos 1 1,1 1 1,5 - -
Trairão 1 1,1 - - 1 4,0
Uruará 1 1,1 1 1,5 - -
Não Informado 2 2,2 2 3,0 - -
Motivo da procura
Conhecimento status sorológico 1 1,1 1 1,5 - -
Encaminhamento pelo serviço de saúde 39 42,9 29 43,9 10 40,0
Exame pré-natal 1 1,1 - - 1 4,0
Exposição à situação de risco 11 12,1 9 13,6 2 8,0
Parceiro vivendo com HIV 1 1,1 1 1,5 - -
Prevenção 1 1,1 - - 1 4,0
Sintomas relacionados à aids 24 26,4 16 24,2 8 32,0
Suspeita de IST 2 2,2 1 1,5 1 4,0
Não informado 11 12,1 9 13,6 2 8,0
Tipo de exposição
Relação sexual 89 97,8 64 97,0 25 100,0
Não informado 2 2,2 2 3,0 - -
Diagnóstico para NTX
Antes do diagnóstico para HIV 2 2,2 2 3,0 - -
No período do diagnóstico para HIV 58 63,7 39 59,1 19 76,0
Depois do diagnóstico para HIV 30 33,0 24 36,4 6 24,0
Não informado 1 1,1 1 1,5 - -

HIV: Vírus da imunodeficiência humana; IST: Infecção sexualmente transmissível; NTX: Neurotoxoplasmose; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

Os valores para as variáveis laboratoriais e das idades dos pacientes referentes aos diagnósticos para HIV e NTX estão apresentados na tabela 2. Observou-se que o diagnóstico para o HIV ocorreu em uma idade menor que a idade para o diagnóstico para NTX (32 vs. 33 anos; p < 0,001), visto a presença de 33,0% de PVHIV que desenvolveram a NTX após o diagnóstico para a infecção pelo HIV. Para a contagem de LTCD4+, as mulheres apresentaram menores valores em comparação aos homens (49vs.73 céls./mm³; p = 0,028).

Tabela 2 - Descrição das idades nos momentos de diagnóstico, do tempo entre diagnósticos e das variáveis imunológicas dos pacientes, no período de 1998 a 2017 

Variáveis Todos Masculino Feminino
Tempo entre o diagnóstico de HIV para NTX (meses)
Mediana 16 15 33.5
IIQ (25%-75%) 4-58 4-57 5,7-57,5
Mínimo/máximo 2/154 2/154 3/59
Idade no diagnóstico para HIV (anos)
Mediana 32* 31 32
IIQ (25%-75%) 27-39 27,2-38,7 26-39
Mínimo/máximo 17/64 17/64 18/52
Idade no diagnóstico para NTX (anos)
Mediana 33 34 32
IIQ (25%-75%) 28-40 29-40 27-41
Mínimo/máximo 19/64 19/64 21/52
Contagem de linfócitos T CD4+ (céls./mm³)
Mediana 64 73 49
IIQ (25%-75%) 31.5-142.2 39-163 22-60
Mínimo/máximo 8/605 8/605 8/317
Carga viral (cópias)
Mediana 49.347 42.465 79.803
IIQ (25%-75%) 3.480-145.207,5 2.555-152.610 44.602-122.365
Mínimo/máximo -/5.130.000 -/1.755.954 217/5.130.000

HIV: Vírus da imunodeficiência humana; NTX: Neurotoxoplasmose; IIQ: Intervalo interquartil; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento. * Diferença estatística da idade para diagnóstico de NTX; Diferença estatística do sexo feminino; p > 0,05.

A tabela 3 apresenta a distribuição das manifestações clínicas, infecções oportunistas, contagem de LTCD4+ e carga viral dos pacientes no momento do diagnóstico para NTX. Em relação às infecções oportunistas, 45,1% (n = 41) dos pacientes (48,5% dos homens, n = 32; e 36,0% das mulheres, n = 9) apresentaram, além da NTX, alguma outra infecção. As manifestações clínicas foram observadas em 63 PVHIV, sendo mais prevalente a hemiparesia/hemiplegia.

Tabela 3 - Distribuição das manifestações clínicas, das infecções oportunistas, contagem de linfócitos T CD4+ e carga viral dos pacientes, no período de 1998 a 2017 

Variáveis Todos Masculino Feminino
n % n % n %
Manifestações clínicas
Alteração visual 3 2,0 3 2,9 - -
Alterações de reflexos 11 7,5 7 6,9 4 8,9
Cefaleia 22 15,0 15 14,7 7 15,6
Convulsões 13 8,8 11 10,8 2 4,4
Desorientação 13 8,8 8 7,8 5 11,1
Diminuição da consciência 13 8,8 8 7,8 5 11,1
Exantema/Erupção/Rash 3 2,0 3 2,9 - -
Febre 21 14,3 15 14,7 6 13,3
Hemiparesia/Hemiplegia 38 25,9 26 25,5 12 26,7
Tonturas 10 6,8 6 5,9 4 8,9
Infecções oportunistas
Candidíase 27 55,1 20 52,6 7 63,6
Herpes simples 2 4,1 1 2,6 1 9,1
Herpes zoster 4 8,2 3 7,9 1 9,1
Mielite 1 2,0 1 2,6 - -
Neurocriptococose 1 2,0 1 2,6 - -
Pneumocistose 5 10,2 4 10,5 1 9,1
Tuberculose 9 18,4 8 21,1 1 9,1
Número de infecções oportunistas
Somente NTX 50 54,9 34 51,5 16 64,0
NTX + 1 infecção 33 36,3 26 39,4 7 28,0
NTX + 2 infecções 8 8,8 6 9,1 2 8,0
Linfócitos T CD4+ (céls./mm3)
< 100 47 51,6 31 47,0 16 64,0
100-199 14 15,4 13 19,7 1 4,0
200-349 8 8,8 6 9,1 2 8,0
≥ 350 3 3,3 3 4,5 - -
Não informado 19 20,9 13 19,7 6 24,0
Carga viral
Detectável 63 69,2 46 69,7 17 68,0
Indetectável 3 3,3 3 4,5 - -
Não informado 25 27,5 17 25,8 8 32,0

NTX: Neurotoxoplasmose; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

Na tabela 4, nota-se que não ocorreu associação significativa do sexo com a presença de manifestações clínicas, de outra infecção oportunista, contagem de LTCD4+, carga viral, com o diagnóstico para NTX ter sido ou não depois do diagnóstico para HIV, com as idades para os diagnósticos de NTX e HIV, com o tempo decorrido para desenvolver NTX após o diagnóstico de HIV, com possuir ou não companheiro e com a presença de hemiparesia/hemiplegia ou outra manifestação clínica.

Tabela 4 - Associação do sexo com as variáveis clínicas dos pacientes, no período de 1998 a 2017 

Variáveis Masculino Feminino p
n % n %
Manifestação clínica
Sim 44 66,7 19 76,0 0,453
Não 22 33,3 6 24,0
Outra infecção oportunista
Sim 32 48,5 9 36,0 0,348
Não 34 51,5 16 64,0
Contagem de linfócitos T CD4+
< 200 céls./mm³ 44 83,0 17 89,5 0,715
≥ 200 céls./mm³ 9 17,0 2 10,5
Carga viral
Detectável 46 93,9 17 100,0 0,563
Indetectável 3 6,1 - -
Diagnóstico de NTX depois do de HIV
Sim 24 36,9 6 27,3 0,450
Não 41 63,1 16 72,7
Idade no diagnóstico para HIV
< 32 anos 29 43,9 11 44,0 1,0
≥ 32 anos 37 56,1 14 56,0
Idade no diagnóstico para NTX
< 33 anos 30 46,2 14 56,0 0,482
≥ 33 anos 35 53,8 11 44,0
Tempo entre o diagnóstico para HIV e o de NTX
< 16 meses 12 50,0 3 50,0 1,0
≥ 16 meses 12 50,0 3 50,0
Presença de companheiro
Sim 14 26,4 10 45,5 0,172
Não 39 73,6 12 54,5
Tipo de manifestação clínica
Hemiparesia/Hemiplegia 26 59,1 12 63,2 0,787
Outras 18 40,9 7 36,8

HIV: Vírus da imunodeficiência humana; NTX: Neurotoxoplasmose; Sinal convencional utilizado: - Dado numérico igual a zero, não resultante de arredondamento.

DISCUSSÃO

A proposta do estudo foi analisar os perfis sociodemográfico e clínico de PVHIV e que desenvolveram NTX no interior do Pará. Diante do proposto, foi identificado que 63,7% dos pacientes analisados residiam no município paraense de Santarém, e os demais, em cidades vizinhas. Santarém possui unidades de saúde que são referência na região oeste do estado e conta com o CTA/SAE para os cuidados da PVHIV15, justificando a predominância da amostra e a procura pelo atendimento no local.

Dados do Ministério da Saúde mostram que indivíduos com cor de pele parda são frequentemente maioria na população nacional diagnosticada com HIV10, e estudos realizados em diferentes estados brasileiros também encontraram resultados semelhantes2,16,17. Quando associado o diagnóstico de NTX às PVHIV, a cor de pele parda foi maioria tanto neste estudo quanto em outro também realizado no estado do Pará18.

O estado civil solteiro, bem como a relação sexual como a principal forma de exposição ao HIV, foram neste e em outros estudos os mais frequentes2,17,19. Tal resultado evidencia que o não uso do preservativo na relação sexual é uma prática comum nessa população e pode ser justificada pela resistência por parte dos parceiros e ao reduzido grau de instrução desses indivíduos20.

Nesse sentido, a escolaridade da maioria da amostra avaliada foi até sete anos de estudo, o que condiz com resultados encontrados em estudos realizados nos estados do Amazonas19, Minas Gerais16 e Espírito Santo17. Pascom et al.21 constataram que possuir baixo grau de escolaridade e cor de pele parda são fatores associados ao menor acesso ao diagnóstico de infecção pelo HIV, ao início tardio do tratamento e a não supressão viral, culminado com pior prognóstico da doença.

Mesmo que grande parte da amostra fosse composta por pessoas em idade economicamente ativa, apenas 61,5% destes possuíam ocupação. Esses dados ratificam outras pesquisas em que o baixo nível de ocupação, a baixa remuneração e a frequente preocupação financeira estão associadas a piores níveis de qualidade de vida nas PVHIV16,22. Vale destacar ainda que ter o diagnóstico para NTX associado ao de HIV é agente agravante para a preocupação financeira18.

Quando analisado separadamente, as mulheres apresentaram uma frequência maior para a baixa escolaridade e para a não ocupação. Características semelhantes também foram observadas em outras pesquisas, em que os homens foram os que apresentaram maior escolaridade e renda23,24. Portanto, esses fatores contribuem para que mulheres apresentem pior qualidade de vida quando comparadas aos homens24.

As mulheres ainda foram maioria entre os pacientes que se declararam casados. Todas possuíam carga viral detectável e contagem de LTCD4+ menor que os homens. Em outros estudos, notou-se que possuir baixa escolaridade e parceria fixa estavam associadas a maiores chances de diagnóstico tardio para o HIV24,25, o que pode justificar a parte imunológica prejudicada. Além disso, o estado civil casado é justificado devido ao não uso do preservativo pelo casal, por declararem vergonha de sugerir o uso ao parceiro25.

O principal motivo da procura pelo serviço especializado de saúde foi pelo encaminhamento de um serviço de saúde e, posteriormente, por sintomas relacionados a aids, demonstrando uma procura tardia pelo serviço de saúde especializado por parte desses pacientes. Pascom et al.21 observaram que usuários pardos, pretos e indígenas com menor escolaridade demoram mais tempo para procurar o serviço de saúde, reduzindo assim a chance de supressão viral e aumentando o risco de doenças oportunistas. Somado a isso, Ribeiro et al.25 observaram ainda a relação entre a idade mais avançada e possuir o diagnóstico para o HIV, ou seja, o acréscimo de um ano na idade contribuiu para aumentar em 3% as chances de um diagnóstico mais tardio nesses indivíduos.

O atraso na busca pelo diagnóstico pode impactar negativamente no perfil imunológico25, pois nesta pesquisa se verificou que pouco mais da metade da amostra apresentou contagem de LTCD4+ < 100 céls./mm³ e quase 3/4 tinham carga viral detectável. Essa relação já é clara na literatura, pois um déficit no sistema imunológico favorece o surgimento de infecções oportunistas1,12, como a NTX. Contudo, ressalta-se a presença de uma baixa frequência de PVHIV com NTX com contagem de LTCD4+ ≥ 200 céls./mm³, o que também foi notado no estudo de Azovtseva et al.1. Além disso, observou-se que o diagnóstico mais tardio para NTX ocorreu em 154 meses (≈ 13 anos) após o diagnóstico para a infecção pelo HIV em um paciente de 43 anos de idade, que apresentou naquele momento uma contagem de linfócitos T CD4+ de 54 céls./mm³, favorecendo o desenvolvimento da mesma1,12.

Nesse sentido, Azovtseva et al.1 verificaram que indivíduos com menor tempo de uso da TARV possuem maiores probabilidades de apresentar dano cerebral grave quando comparados àqueles com um tratamento mais longo. Assim, o uso regular da TARV e o tratamento profilático da NTX podem desempenhar papel protetor nesses indivíduos e reduzir o risco de dano cerebral grave1,26. Além disso, ressalta-se o acompanhamento da sorologia para a toxoplasmose como um fator preventivo, visto que, na maioria dos casos, ela pode se apresentar assintomática27, gerando um subdiagnóstico.

Em relação às infecções oportunistas, 45,1% dos pacientes apresentaram, além da NTX, outra infecção, sendo a candidíase e a tuberculose as mais frequentes. Estudos realizados com PVHIV e com NTX demonstraram que, mesmo que haja alta taxa de acesso à TARV, também é frequente a descontinuidade ou baixa adesão ao tratamento, o que pode justificar a presença de infecções oportunistas nesse grupo14,18.

Neste estudo, os sintomas da NTX mais relatados foram hemiparesia/hemiplegia, cefaleia e febre. Sendo uma doença de sintomatologia diversa e que pode variar de acordo com a área do cérebro acometida e extensão da lesão, essas manifestações também foram descritas em outros estudos1,13,14. Entretanto, a presença de febre, tontura, distúrbios da consciência e déficits de memória já foram associados à mortalidade13.

Também não houve associação significativa do sexo com a presença de manifestações clínicas, outras infecções oportunistas ou da idade para o diagnóstico de NTX. Todavia, já foi observado que as mulheres têm 2,12 vezes mais chances de apresentarem o diagnóstico para NTX em relação aos homens. Notou-se ainda, tanto nesta pesquisa quanto em outras, a forte relação da baixa contagem de LTCD4+ e alta de carga viral no risco de desenvolver NTX1,26.

Os dados do presente estudo são relevantes para demonstrar a importância da atenção prestada em âmbito locorregional, bem como reforçar a importância da ampliação dos centros de testagem. Conhecer o perfil das PVHIV acometidas por NTX é fundamental para a construção de políticas públicas mais direcionadas como, por exemplo, ações de educação em saúde para o uso de preservativo e cuidados de higiene para a prevenção da toxoplasmose, campanhas de teste rápido em locais geograficamente estratégicos, não esquecendo das regiões mais remotas, ribeirinhas, zona rural e dos povos tradicionais. Além disso, é importante realizar o gerenciamento de risco e seguir as recomendações para o uso de outros métodos de prevenção para a infecção pelo HIV como, por exemplo, a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), para minimizar o risco da infecção pelo HIV28. Ressalta-se ainda a importância do acompanhamento clínico-laboratorial dos pacientes, com vista aos sintomas da NTX.

Este estudo apresenta como limitação um número relativamente baixo de participantes, contudo representativo da região. Além disso, o uso de dados provenientes de prontuários, secundários, depende da notificação das informações clínicas e de sua qualidade, o que representa uma limitação natural.

CONCLUSÃO

Conforme o que foi proposto pelo estudo, conclui-se que houve maior prevalência de PVHIV da cor de pele parda, do sexo masculino, com baixa escolaridade, com ocupação e solteiros. Além disso, o tempo para desenvolver NTX, a partir do diagnóstico para HIV, apresentou uma mediana de 16 meses, bem como a idade no diagnóstico para NTX foi maior que a do diagnóstico para a infecção pelo HIV. A maioria das PVHIV apresentaram contagem LTCD4+ < 100 céls./mm³ e carga viral detectável.

A hemiparesia/hemiplegia foi a principal manifestação clínica da NTX observada, e a candidíase a principal doença oportunista associada. Por fim, não foi demonstrada relação do sexo com a presença das manifestações clínicas, outras infecções oportunistas ou da idade para o diagnóstico da NTX.

A entrada no CTA/SAE de Santarém, para as PVHIV, aconteceu principalmente com o encaminhamento de um serviço de saúde, bem como a maioria dos diagnósticos para NTX foram concomitantes aos diagnósticos para a infecção pelo HIV. Dessa forma, salienta-se que a conduta médica e da equipe de saúde, mediante as manifestações clínicas mais relevantes apresentadas, seja direcionada para a testagem sorológica do HIV, visto que os dados demonstraram uma procura tardia pelo serviço de saúde especializado por parte desses pacientes.

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Como citar este artigo / How to cite this article: Berretta OCP, Barros AN, Gouvêa-e-Silva LF, Sousa RCM. Características clínico-epidemiológicas de pessoas vivendo com HIV e com neurotoxoplasmose na região oeste do estado do Pará, Brasil. Rev Pan Amaz Saude. 2023;14:e202301466. Doi: https://doi.org/10.5123/S2176-6223202301466

Recebido: 24 de Março de 2023; Aceito: 21 de Novembro de 2023

Correspondência / Correspondence: Luiz Fernando Gouvêa e Silva. Universidade Federal de Jataí, Laboratório de Anatomia Humana e Comparativa. Rodovi BR-364, Km 195, 3800, Campus Jatobá. Bairro: Cidade Universitária. CEP: 75801-615 - Jataí, Goiás, Brasil - Tel.: +55 (64) 3606-8270. E-mail: lfgouvea@ufj.edu.br

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