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Revista Pan-Amazônica de Saúde

versión impresa ISSN 2176-6215versión On-line ISSN 2176-6223

Rev Pan-Amaz Saude vol.15  Ananindeua  2024  Epub 04-Abr-2024

http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223202401463 

ARTIGO ORIGINAL

Tendência temporal de sífilis congênita e gestacional no estado do Pará, Amazônia Oriental, Brasil, de 2007 a 2020

Temporal trend of congenital and gestational syphilis in Pará State, Eastern Amazon, Brazil, from 2007 to 2020

Lucas dos Santos Fontes (orcid: 0000-0002-0588-4461)1  , Maria do Socorro Castelo Branco de Oliveira Bastos (orcid: 0000-0001-6283-0446)1 

1 Universidade Federal do Pará, Faculdade de Medicina, Belém, Pará, Brasil

RESUMO

OBJETIVO:

Descrever a tendência temporal de sífilis congênita e gestacional no estado do Pará, em suas 13 Regiões Administrativas e na capital, no período entre 2007 e 2020.

MATERIAIS E MÉTODOS:

Trata-se de estudo de série temporal, em que se analisou as taxas de incidência de sífilis congênita e as taxas de detecção de sífilis gestacional no Pará, assim como a tendência na capital Belém e nas 13 Regiões Administrativas do estado. Com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, fornecidos pela Vigilância da Secretaria de Estado da Saúde do Pará, foram elaborados modelos de regressão linear simples e polinomiais para verificar a tendência da ocorrência dos agravos em questão no período analisado.

RESULTADOS:

Houve tendência de crescimento na taxa de detecção de sífilis gestacional no estado do Pará, em Belém e em 10 Regiões Administrativas. Três regiões mostraram crescimento seguido de estabilização em patamares altos no final da série. Para sífilis congênita, houve tendência de crescimento nas taxas de incidência em nove Regiões Administrativas; no estado, notou-se crescimento seguido de estabilização em patamares altos ao fim da série, e, em Belém e em três Regiões Administrativas, foi registrado crescimento seguido de queda a partir de 2017.

CONCLUSÃO:

Ocorreu, nessa região da Amazônia Oriental, majoritariamente, tendência de crescimento de sífilis congênita e gestacional no período estudado, embora algumas regiões mostrem estabilização em patamares altos ou tendência de queda ao final da série.

Palavras-chave: Sífilis; Sífilis Congênita; Estudos de Séries Temporais; Regionalização da Saúde

ABSTRACT

OBJECTIVE:

To describe the temporal trend of congenital and gestational syphilis in the capital and 13 Administrative Regions of Pará State, Brazil, from 2007 to 2020.

MATERIALS AND METHODS:

This time series study analyzed congenital syphilis incidence rates and gestational syphilis detection rates in Pará, as well as the trend in the capital, Belém, and 13 Administrative Regions from the state. Using data from the Notifiable Diseases Information System and the Live Births Information System, provided by the Pará State Health Department, simple linear and polynomial regression models were drawn up to check the trend in the occurrence of these diseases during the analyzed period.

RESULTS:

There was an upward trend in the detection rate of gestational syphilis in Pará, in Belém and 10 Administrative Regions. Three regions showed growth, followed by stabilization at high levels towards the end of the series. For congenital syphilis, there was an upward trend in incidence rates in nine Administrative Regions; in the state, there was growth followed by stabilization at high levels at the end of the series; and in Belém and three Administrative Regions, there was growth followed by a fall from 2017 onwards.

CONCLUSION:

In this region of the Eastern Amazon, there was mostly an upward trend in congenital and gestational syphilis during the study period. However, some regions showed stabilization at high levels or a downward trend at the end of the series.

Keywords: Syphilis; Congenital Syphilis; Time Series Studies; Health Regionalization

INTRODUÇÃO

A garantia de direitos reprodutivos tem sido pauta de diversos encontros mundiais de saúde pública. O direito de manter não só a saúde em sua plenitude individual, em relação ao bem-estar físico e mental, além da ausência de acometimentos e/ou enfermidades, mas também o de poder exercer a reprodução responsável, sem riscos para a mãe e para o concepto1, deve ser almejado e alcançado socialmente.

Conceitualmente, a saúde reprodutiva abrange não somente o direito a uma reprodução saudável, mas também questões relacionadas ao direito de homens e mulheres à informação sobre métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis, planejamento familiar, etc. Além disso, o direito ao cuidado necessário para melhorar as chances do casal ter um filho sadio e questões como igualdade de gênero e a luta pelo fim da violência, direitos reprodutivos dos homens e o direito não-reprodutivo também são incluídas nessa discussão1. Contudo, apesar desses temas virem ganhando notoriedade com o passar dos anos, o cenário mundial ideal está longe de ser alcançado. Prova disso são os agravos que acometem mulheres grávidas, por exemplo, afetando também o concepto.

Um desses agravos é a sífilis gestacional, também chamada de sífilis na gestação ou sífilis materna, uma infecção ocasionada pelo Treponema pallidum2 e que ocasiona graves complicações nas mulheres. Esse acometimento apresentou crescimento no número de casos a nível mundial entre 2012 e 20163, assim como registrou aumento nos valores de prevalência nas Américas no mesmo período3, e aumento nas taxas de detecção a nível nacional entre 2007 e 20204,5. Tal fato caracteriza a tendência de aumento em várias instâncias analisadas, a exemplo da Região Norte, que registrou aumento nas taxas de detecção entre 2012 e 20205, e dos estados componentes da Amazônia Oriental (Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso), em que a média das taxas de detecção de sífilis gestacional subiu de 4 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2012, para 18,2 casos por 1.000 nascidos vivos em 20205.

Outro agravo é a sífilis congênita, que é caracterizada pela infecção no concepto. A transmissão pode ocorrer por meio da placenta ou das lesões ativas no canal de parto, sendo mais propícia nas fases primárias e secundárias da infecção6,7, devido à maior proliferação do patógeno no sangue da mãe8. O risco da transmissão vertical varia de 50 a 85%, e a taxa de mortalidade perinatal tem média de 40% (aborto, óbito fetal e óbito neonatal)2. Semelhantemente à sífilis gestacional, foi registrado um aumento nas taxas de incidência de sífilis congênita a nível nacional entre 2007 e 20204,5, assim como aumento nas taxas de incidência na Região Norte, entre 2012 e 20205, e nos estados componentes da Amazônia Oriental, nos quais a média das taxas de incidência subiu de 3,4 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2012, para 6,6 casos por 1.000 nascidos vivos em 20205.

Apesar desses agravos serem de notificação compulsória5, da criação da Rede Cegonha8 e de existirem estratégias para o rastreio - com preconização do Ministério da Saúde para testagem na primeira consulta, no início do 3º trimestre e no parto9 - as taxas nacionais de sífilis congênita analisadas são superiores às preconizadas pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), de ≤ 0,5 casos por 1.000 nascidos vivos10, e as taxas de sífilis gestacional apresentam-se altas.

Dessa forma, é importante conhecer a realidade pontual de uma localidade, ressaltando-se o foco no estado do Pará e em suas Regiões Administrativas, para que haja meios de formulação de medidas de combate a esses agravos. Como objetivo, este estudo se propõe a descrever a tendência temporal de sífilis congênita e gestacional nas Regiões Administrativas do estado do Pará e em sua capital, no período entre 2007 e 2020.

MATERAIS E MÉTODOS

Trata-se de estudo de série temporal, no período de 2007 até 2020, das taxas de incidência de sífilis congênita e de detecção de sífilis gestacional no Pará, assim como a tendência na capital Belém e em suas 13 Regiões Administrativas.

O estado do Pará, unidade federativa brasileira localizada na Amazônia Oriental, integra uma grande área geográfica de 1.247.955,381 km², representando 29,7% da Amazônia brasileira11. Por se tratar de regionalização em saúde, o estado é dividido em 13 Regiões Administrativas: Araguaia, Baixo Amazonas, Carajás, Lago de Tucuruí, Metropolitana I, Metropolitana II, Metropolitana III, Rio Caetés, Tapajós, Tocantins, Xingu, Marajó I e Marajó II.

Foram levantados os casos notificados de mulheres diagnosticadas com sífilis na gestação e dos recém-nascidos diagnosticados com sífilis congênita a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), e o número de nascidos-vivos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), para o período de 2007 a 2020. Esses dados foram obtidos da Vigilância da Secretaria de Estado da Saúde do Pará (SESPA).

Além disso, para o cálculo das taxas de incidência e das taxas de detecção, levou-se em consideração a cidade em que houve a notificação, respeitando seu pertencimento às Regiões Administrativas supracitadas. As taxas foram calculadas para cada ano do período estudado, usando o número de casos de sífilis congênita ou sífilis na gravidez dividido pelo total de nascidos vivos do mesmo ano.

Para a seleção da série temporal que refletisse melhor a tendência da área geográfica, foram utilizados os diagramas de dispersão das taxas de todos os anos de estudo, evidenciando sua relação com o tempo. Em seguida, a modelagem foi realizada, considerando a variável dependente Y (taxa de incidência de sífilis congênita ou taxa de detecção de sífilis gestacional) e a variável independente X (ano de estudo) centralizada no ponto médio da série histórica.

Modelos de regressão linear simples (Y = β0 + β1x), modelos polinomiais de segundo grau (Y = β0 + β1x + β2 x²) ou modelos parabólicos de terceiro grau (Y = β0 + β1x + β2x² + β3x³) foram construídos, dos quais foi selecionado aquele com maior coeficiente de determinação (R²), um menor nível descritivo (p-value) e que atendesse às suposições da análise residual (ausência de outliers, normalidade e independência). A análise residual foi realizada apenas para modelos selecionados a partir do nível descritivo (p < 0,05) com base na análise estatística ANOVA, cujo modelo escolhido foi o mais simples (parcimoniosamente). O software utilizado para a análise estatística foi o SPSS v26.0, enquanto o Microsoft Excel 2016 e o Inkscape v1.1 foram utilizados para a confecção dos gráficos.

Por ser uma pesquisa com análise de dados de fontes secundárias, não há obrigatoriedade de ser aprovada por comitê de ética por não haver risco de identificação dos pacientes, cujas identidades e documentos foram completamente omitidas nos bancos de dados recebidos pela Vigilância da SESPA.

RESULTADOS

A evolução no número de casos de sífilis congênita e de sífilis gestacional no estado do Pará, no período de 2007 a 2020, mostra uma elevada ocorrência. Em relação à sífilis gestacional, o número de casos registrados passou de 609 no estado, em 2007, para 2.512, em 2020, um aumento de 312% no período avaliado. Em relação à sífilis congênita no Pará, foram registrados 257 casos, em 2007, e 980 casos, em 2020, um aumento de 281% no período analisado.

Sobre a sífilis gestacional, em 2020, o Pará e sua capital, Belém, apresentaram taxa de detecção de 19,0 casos por 1.000 nascidos vivos e 18,1 casos por 1.000 nascidos vivos, respectivamente. Sobre a sífilis congênita, em 2020, foram registradas incidências de 7,4 casos por 1.000 nascidos vivos no estado, e de 5,3 casos por 1.000 nascidos vivos na capital. Além disso, o estado apresentou tendência de crescimento para sífilis gestacional, assim como Belém, embora tenha havido uma tendência à estabilização em patamares altos nos dois últimos anos da série histórica da capital (Figura 1).

Fonte: SESPA, 2022.

Sífilis gestacional (SG) - A: Estado do Pará; B: Belém. Sífilis congênita (SC) - C: Estado do Pará; D: Belém. NV: Nascidos vivos.

Figura 1 - Tendência temporal da sífilis gestacional e da sífilis congênita no estado do Pará e em sua capital, Belém, no período de 2007 a 2020 

Em se tratando de sífilis congênita, tanto no estado do Pará quanto na cidade de Belém, observou-se tendência de crescimento durante quase todo o período analisado, apresentando, em Belém, certa queda a partir de 2017 (Figura 1).

Entre 2007 e 2020, 10 Regiões Administrativas mostraram tendência de crescimento de sífilis gestacional ao longo de toda a série histórica (Figura 2), apresentando, em 2020, as seguintes taxas de detecção: Metropolitana III (15,1 casos por 1.000 nascidos vivos), Rio Caetés (21,3 casos por 1.000 nascidos vivos), Tapajós (45,5 casos por 1.000 nascidos vivos), Tocantins (17,1 casos por 1.000 nascidos vivos), Xingu (14,3 casos por 1.000 nascidos vivos), Marajó I (13,3 casos por 1.000 nascidos vivos), Marajó II (14 casos por 1.000 nascidos vivos), Lago de Tucuruí (14,3 casos por 1.000 nascidos vivos), Baixo Amazonas (17,5 casos por 1.000 nascidos vivos) e Metropolitana II (15,4 casos por 1.000 nascidos vivos).

Fonte: SESPA, 2022.

SG: Sífilis gestacional; NV: Nascidos vivos.

Figura 2 - Tendência temporal da taxa de detecção de sífilis gestacional para 10 Regiões Administrativas do estado do Pará, no período de 2007 a 2020 

As Regiões Administrativas Araguaia, Metropolitana I e Carajás também apresentaram tendência de crescimento da taxa de detecção de sífilis gestacional no decorrer da série histórica. Contudo, demonstraram certa tendência à estabilização em patamares altos ao final da série (Figura 3), com taxas, em 2020, de 12,7 casos por 1.000 nascidos vivos, 19,8 casos por 1.000 nascidos vivos e 28,2 casos por 1.000 nascidos vivos, respectivamente.

Fonte: SESPA, 2022.

SG: Sífilis gestacional; NV: Nascidos vivos.

Figura 3 - Tendência temporal da taxa de detecção de sífilis gestacional para três Regiões Administrativas do estado do Pará com tendência crescente seguida de estabilização, no período de 2007 a 2020 

Em relação à taxa de incidência de sífilis congênita, nove Regiões Administrativas apresentaram tendência de crescimento (Figura 4), registrando, em 2020, as seguintes taxas: Araguaia, 4,7 casos por 1.000 nascidos vivos; Baixo Amazonas, 6,0 casos por 1.000 nascidos vivos; Xingu, 2,6 casos por 1.000 nascidos vivos; Lago de Tucuruí, 9,2 casos por 1.000 nascidos vivos; Metropolitana III, 7,0 casos por 1.000 nascidos vivos; Rio Caetés, 6,0 casos por 1.000 nascidos vivos; Tapajós, 15,3 casos por 1.000 nascidos vivos; Tocantins, 5,2 casos por 1.000 nascidos vivos; e Marajó II, 7,0 casos por 1.000 nascidos vivos.

Fonte: SESPA, 2022.

SC: Sífilis congênita; NV: Nascidos vivos.

Figura 4 - Tendência temporal da taxa de incidência de sífilis congênita para oito Regiões Administrativas do estado do Pará, no período de 2007 a 2020 

As Regiões Administrativas Carajás, Metropolitana I e Metropolitana II apresentaram tendência de crescimento da taxa de incidência de sífilis congênita. No entanto, em 2017 e 2018, observou-se tendência de declínio, contudo, ainda em patamares altos, sem alcançar taxas menores do que as mostradas no período anterior a 2013 (Figura 5). As regiões em questão apresentaram, respectivamente, em 2020, as seguintes incidências: 14,3 casos por 1.000 nascidos vivos, 8,0 casos por 1.000 nascidos vivos e 4,4 casos por 1.000 nascidos vivos.

Fonte: SESPA, 2022.

SC: Sífilis congênita; NV: Nascidos vivos.

Figura 5 - Tendência temporal das taxas de incidência de sífilis congênita para três Regiões Administrativas do estado do Pará com tendência crescente seguida de discreto declínio, no período de 2017 e 2018 

Para as Regiões Administrativas Xingu (y = 0,283x + 1,731 • R² = 0,18 • p = 0,071) e Marajó I (y = - 0,009x³ + 0,205x² - 1,161x + 2,816 • R² = 0,34 • p = 0,067), em relação à sífilis congênita, não foi possível demonstrar tendência estatisticamente significante no período estudado em virtude da grande oscilação entre as taxas anualmente. A exemplo das variações citadas, no Xingu, a taxa variou de 7,9 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2019, para 2,6 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020. Já na Região Administrativa Marajó I, os valores registrados variaram de 2,7 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2019, para 1 caso por 1.000 nascidos vivos em 2020.

DISCUSSÃO

O Pará, um estado importante da Amazônia Oriental, ainda não alcançou a meta dos direitos reprodutivos, e a tendência crescente das taxas de sífilis congênita e de sífilis gestacional corroboram essa afirmação. As taxas altas desses agravos apresentaram tendência de crescimento tanto no estado do Pará como um todo quanto na maioria das Regiões Administrativas.

Sobre a sífilis gestacional, observou-se uma tendência de crescimento constante no estado, evidenciando aumento expressivo da taxa de detecção de 4,0 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2007, para 19,0 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020 - um aumento de 377,0%. Ao se comparar as taxas de detecção de sífilis gestacional do Pará com as do Brasil12, verificou-se semelhante tendência de crescimento, indo de 3,5 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2010, para 21,6 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020, no Brasil, enquanto, no Pará, variou de 5,9 a 19,0 casos por 1.000 nascidos vivos no mesmo período. Um estudo de Korenromp et al.3, em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS), já estimava a não redução na prevalência de sífilis gestacional entre 2012 e 2016 em todo o mundo.

A tendência temporal foi de aumento das taxas de sífilis gestacional em todas as regiões do estado. Essa tendência de estabilização foi observada nos últimos anos da série em Belém, a capital, na Região Administrativa Metropolitana I, que inclui Belém, e nas regiões de Araguaia e Carajás, embora ainda em patamares altos. A tendência crescente de sífilis gestacional também foi evidenciada em todas as regiões brasileiras no período de 2007 a 20174.

Em relação à sífilis congênita, também houve tendência crescente no Pará ao longo de toda a série histórica, variando de 1,7 casos por 1.000 nascidos vivos, em 2007, para 7,4 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020 (aumento de 335,3%), apresentando uma tendência de aumento semelhante à do Brasil12, que registrou incidência de 7,7 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020. Ambas as taxas estão muito acima da meta estabelecida pela OPAS, que preconizou incidência ≤ 0,5 casos por 1.000 nascidos vivos10.

A Região Administrativa Tapajós destacou-se ao registrar as taxas mais elevadas de sífilis gestacional (45,5 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020) e sífilis congênita (15,3 casos por 1.000 nascidos vivos em 2020). Essa região está localizada no sudoeste do Pará e é composta por municípios com extensa exploração de garimpo, atraindo grandes contingentes de homens e possuindo sistema de saúde insuficiente para as demandas locais, prováveis motivos da explosão de infecções sexualmente transmissíveis, dentre elas sífilis.

Todavia, apesar desse crescimento acompanhar os valores encontrados em dados nacionais, há uma distribuição irregular das taxas de incidência de sífilis congênita, em especial em Regiões Administrativas como Marajó I e Xingu, para as quais não foi possível demonstrar tendência temporal, em virtude de variações extremas das taxas no período analisado. Essas oscilações podem indicar subnotificação ao longo dos anos da série histórica, apesar de sua notificação ser compulsória5.

A tendência de subnotificação já foi observada a nível nacional, com estimativa de 67,0% de subnotificação nos dados do SINAN para sífilis congênita13. A exemplo, a cidade de Montes Claros, no estado de Minas Gerais, notificou apenas 24,1% dos casos no período de janeiro de 2007 a julho de 201314. Isso afeta as curvas de tendência apresentadas nos gráficos, podendo fazê-las apresentar comportamento errático, como queda abrupta das taxas sem motivo aparente. Se acrescido o percentual de subnotificação de 67,0% no cálculo de incidência para as Regiões Administrativas Marajó I, Xingu e para o estado do Pará, observa-se aumento nas taxas de incidência de sífilis congênita, em 2020, de 1,0 caso por 1.000 nascidos vivos para 1,7 casos por 1.000 nascidos vivos no Marajó I; de 2,6 casos por 1.000 nascidos vivos para 4,3 casos por 1.000 nascidos vivos no Xingu; e de 7,4 casos por 1.000 nascidos vivos para 12,3 casos por 1.000 nascidos vivos no estado do Pará.

Apesar da criação da Rede Cegonha, em 20118, e do Ministério da Saúde preconizar o rastreio da sífilis no pré-natal com a realização de testes na primeira consulta, no início do 3º trimestre e no parto9, observou-se uma tendência crescente de sífilis congênita no estado e na maioria das regiões, levando à suposição de que não está ocorrendo a testagem para sífilis durante o pré-natal, o que resultaria em não diagnóstico de sífilis gestacional e consequente subnotificação desse agravo. No entanto, a capital Belém e as Regiões Administrativas Metropolitana I (na qual Belém está inserida), Metropolitana II e Carajás parecem realizar testagem e tratamento de sífilis de maneira adequada durante o pré-natal, pelos altos níveis de sífilis gestacional, com consequente redução nas taxas de sífilis congênita observada nos anos finais da série.

Além disso, outro fator que pode contribuir para o aumento das taxas de incidência de sífilis congênita é o tratamento inadequado - ou não tratamento - de mulheres grávidas e seus parceiros. Ao observar a tendência crescente de sífilis gestacional e a não redução de sífilis congênita na maioria das Regiões Administrativas do estado, demonstra-se que, mesmo quando há testagem, o tratamento é inadequado ou o teste diagnóstico só é realizado na maternidade. Nesse sentido, a qualidade do pré-natal é colocada em questão para essa parte da Região Amazônica.

No período de 2014 a 2017, houve desabastecimento nacional de penicilina15,16, o que afetou o controle da sífilis gestacional e da sífilis congênita em Belém e nas Regiões Administrativas Metropolitana I, Metropolitana II e Carajás, onde foi possível evidenciar uma tendência de elevação das taxas de sífilis congênita nesse período, com queda a partir de 2017. Essa mesma tendência foi observada nas taxas de detecção de sífilis gestacional no mesmo período em Belém, e regiões Metropolitana I e Carajás. Nas demais Regiões Administrativas, como houve tendência crescente em toda a série histórica, não foi possível observar a influência do desabastecimento no período.

A taxa de detecção de sífilis adquirida no Brasil alcançou a taxa de 74,2/100.000 habitantes em 201912. Paralelo a sua elevação, também aumentaram as taxas de sífilis gestacional e sífilis congênita12. Somente em decorrência da necessidade de isolamento social, provocada pela COVID-19, ou do não diagnóstico pelo mesmo motivo, em 2020, a taxa reduziu para 54,5/100.000 hab.12, níveis ainda muito altos. Desse modo, torna-se difícil o controle desse agravo se não forem realizadas três frentes de ação para o controle da sífilis: uma, visando à população geral (incluindo os homens) e a meta da OMS, de tratamento de pelo menos 80% dos parceiros17; outra, de testagem e tratamento durante o pré-natal de todas as mulheres; e, em caso de falha dessas duas, testagem e tratamento do recém-nascido.

O direito à saúde reprodutiva precisa ser uma prioridade da sociedade brasileira, principalmente na Região Amazônica, o que implica em necessidade de financiamento regular do Sistema Único de Saúde para essa meta social, além de educação permanente das equipes de saúde e de estratégias de educação em saúde com alcance para todas as comunidades com suas especificidades.

CONCLUSÃO

Percebeu-se uma tendência de crescimento das taxas de detecção de sífilis gestacional no estado do Pará, em Belém e nas Regiões Administrativas Metropolitana III, Rio Caetés, Tapajós, Tocantins, Xingu, Marajó I, Marajó II, Lago de Tucuruí, Baixo Amazonas e Metropolitana II. As Regiões Administrativas Araguaia, Metropolitana I e Carajás apresentaram estabilização ao final da série histórica, porém, registrando taxas superiores às apresentadas no início da série.

Para a sífilis congênita, notou-se tendência de crescimento das taxas de incidência nas Regiões Administrativas Araguaia, Baixo Amazonas, Xingu, Lago de Tucuruí, Metropolitana III, Rio Caetés, Tapajós, Tocantins e Marajó I. O estado apresentou estabilização em patamares altos, e as Regiões Administrativas Carajás, Metropolitana I e Metropolitana II apresentaram tendência de queda, revelando, contudo, taxas mais altas quando comparadas com as demonstradas no início da série.

Como limitações, o presente estudo não se dispõe a elucidar as possíveis causas para a tendência majoritária de crescimento apresentada nos resultados. Investigações devem ser realizadas para verificar se essa tendência está relacionada a problemas de ordem educacional, com enfoque na educação permanente dos profissionais de saúde, ou se é de ordem estrutural, como a dificuldade do acesso às unidades de saúde, às medicações ou ao tratamento do parceiro. Além disso, há necessidade, também, de se verificar a possível subnotificação de casos, o que pode estar causando o comportamento errático nas taxas de algumas regiões, comprometendo sua análise estatística com a acurácia necessária para se dimensionar o problema.

REFERÊNCIAS

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APOIO FINANCEIRO Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal do Pará.

Como citar este artigo / How to cite this article: Fontes LS, Bastos MSCBO. Tendência temporal de sífilis congênita e gestacional no estado do Pará, Amazônia Oriental, Brasil, de 2007 a 2020. Rev Pan Amaz Saude. 2024;15:e202401463. Doi: https://doi.org/10.5123/S2176-6223202401463

Recebido: 17 de Março de 2023; Aceito: 06 de Fevereiro de 2024

Correspondência / Correspondence: Lucas dos Santos Fontes. Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Médicas. Av. Generalíssimo Deodoro, 01. Bairro: Umarizal. CEP: 66050-060 - Belém, Pará, Brasil - Tel.: +55 (91) 98738-1161. E-mail: luccasfontes@gmail.com

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam não possuir conflitos de interesse.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Fontes LS e Bastos MSCBO participaram da concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito. Bastos MSCBO contribuiu com revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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