INTRODUÇÃO
Os primeiros casos de aids no Brasil foram notificados no início da década de 1980. A doença tornou-se de notificação compulsória em 1986, enquanto a infecção pelo HIV, desde 20141. Entre 1980 e junho de 2023, foram detectados 1.124.063 casos de aids. Nesse período, a taxa de detecção apresentou decréscimo de 20,8%, passando de 21,6 casos/100.000 habitantes em 2012 para 17,1 em 2022. Ainda em 2022, registraram-se 36.753 casos de aids. Em relação ao HIV, entre 2007 e junho de 2023, 489.594 casos foram notificados, incluindo 43.403 novos casos diagnosticados em 20221.
O Brasil possui uma história exitosa em relação ao enfrentamento da aids ao longo de mais de quatro décadas de controle. A resposta à epidemia no país baseou-se em estratégias focadas na promoção e prevenção da saúde, incluindo educação em saúde, com estímulo ao uso de preservativos e seringas descartáveis, além da implantação de uma rede pública de laboratórios para diagnóstico e acompanhamento de pacientes2,3. Desde 1996, a distribuição gratuita e universal de antirretrovirais, a principal estratégia do programa nacional, fez do Brasil um modelo internacional em políticas de controle da aids1,2,3. A partir de 2013, todos os indivíduos com HIV no Brasil passaram a ter acesso à terapia antirretroviral, independentemente da contagem de células CD4, o que ampliou a expectativa de vida, diminui o risco de transmissão viral, minimizou comorbidades, entre outros benefícios4. Estudos indicam que indivíduos que realizam a terapêutica antirretroviral de forma adequada e precoce possuem uma expectativa de vida semelhante à da população geral5,6. Diante disso, espera-se uma redução nos afastamentos laborais em decorrência da doença, especialmente entre a população economicamente ativa7.
Nesse contexto, é importante ressaltar o papel da seguridade social brasileira, que constitui um conjunto de políticas públicas que busca promover o bem-estar e a proteção social dos cidadãos. Ela é baseada em três pilares: a saúde, a assistência social e a previdência social8,9. O Sistema Único de Saúde (SUS) proporciona cuidados de saúde para toda a população10. A assistência social é responsável por promover a inclusão social e a redução das vulnerabilidades daqueles em situação de pobreza, risco ou violência. Os benefícios assistenciais são concedidos independentemente de contribuições efetuadas e são representados principalmente pelos amparos assistenciais11. A previdência social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, garante proteção financeira em casos de incapacidade laboral, por meio de aposentadorias, pensões por morte e auxílios11. A seguridade social tem papel importante na história da aids no Brasil, e os direitos conquistados por pessoas vivendo com HIV/aids representam uma luta coletiva dos movimentos e organizações sociais, pesquisadores, imprensa e Estado2,3,9. No entanto, são escassos os estudos que analisam a aids na perspectiva da concessão de benefícios assistenciais ou previdenciários7,9.
A aids possui contextos socioeconômicos e demográficos heterogêneos no Brasil12. Abordagens espaciais sobre a concessão de benefícios podem auxiliar na identificação de territórios prioritários para a intervenção, evidenciando desigualdades regionais no acesso à seguridade social.
Este estudo objetiva analisar os padrões de associação espacial da concessão de benefícios previdenciários a pessoas vivendo com HIV/aids no Brasil, entre 2004 e 2016, com estratificação de dados sociodemográficos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo exploratório, do tipo ecológico, com dados secundários do Sistema Único de Informações de Benefícios do Ministério do Trabalho e Previdência Social (SUIBE). O banco de dados inclui informações sociodemográficas dos beneficiários e registros das concessões de benefícios. Foram selecionados todos os beneficiários que receberam benefícios previdenciários concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2004 e 2016, classificados com o código B24 - "Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV] não especificada" na variável do Código Internacional de Doenças (CID).
As variáveis analisadas foram: sexo (masculino, feminino), faixa etária (≤ 29 anos, 30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos, ≥ 60 anos), zona de residência (urbana, rural), idade no início da doença (anos), idade na constatação da incapacidade (anos), tempo entre a doença e a incapacidade (dias), tipo de benefício (auxílio por incapacidade temporária, aposentadoria por incapacidade permanente, outros), regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul, Sudeste) e macrorregiões de saúde. Foram consideradas 115 macrorregiões de saúde brasileiras, conforme descrito pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde13 (Figura 1). A variável "sexo" seguiu a distinção biológica, conforme as Diretrizes para Equidade de Sexo e Gênero na Pesquisa14.

Fonte: Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Elaborado por Faria RM (QGis v3.36.2).
Figura 1 - Mapa das macrorregiões de saúde brasileiras
As frequências de concessões de benefícios previdenciários foram ajustadas para cada 100.000 habitantes, para fins de comparação no mosaico de mapas das macrorregiões de saúde. Mapas coropléticos foram utilizados para representar as taxas de concessões de benefícios. Foi utilizada a estimativa de população brasileira do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2016, aplicando-se a seguinte fórmula:
As análises foram realizadas com uso das técnicas exploratórias de dados espaciais, nomeadamente a autocorrelação espacial, por meio dos índices I de Moran global e local15. O I de Moran global permite uma medida geral de associação espacial para o conjunto dos dados e pode variar de -1 a +1, indicando independência espacial (quando o valor da variável é zero e a hipótese nula de não dependência espacial é confirmada), dependência espacial direta (quando o valor é positivo) ou inversa (quando o valor é negativo)16. Contudo, a função de autocorrelação desse índice fornece um único valor de associação espacial para o conjunto de dados, o que pode ocultar realidades locais (ou regionais) que estão subsumidas nesse único valor global. Por isso, decidiu-se também aplicar o local indicators of spatial association (LISA) ou I de Moran local, proposto originalmente por Anselin (1995)15, com o intuito de identificar áreas territoriais onde o indicador apresenta dependência espacial pronunciada e tende à formação de aglomerados. Dessa forma, o uso do LISA permitiu a identificação de padrões espaciais que, posteriormente, puderam ser comparados. As análises dos índices I de Moran global e local foram acompanhadas do teste de pseudo-significância, sem o qual não se pode afirmar se os dados são randômicos (estacionários) ou dependentes (não estacionários). Neste estudo, a hipótese nula da aleatoriedade dos dados foi rejeitada com grau de confiança de 99% no referido teste.
Os dados foram analisados de acordo com o diagrama de espalhamento de Moran, que organiza as observações em quatro quadrantes. Os quadrantes Q1 (alto-alto) e Q2 (baixo-baixo) representam autocorrelação espacial positiva entre os valores de uma variável e a média dos vizinhos, ou seja, os valores de um indicador em uma localidade são similares aos de localidades vizinhas, formando aglomerados. Já os quadrantes Q3 (alto-baixo) e Q4 (baixo-alto) indicam autocorrelação espacial negativa, ou seja, os valores de uma variável em determinada localidade não se relacionam espacialmente com os vizinhos. Esses casos são comumente avaliados como situações de estacionariedade espacial, pois indicam localidades cujo valor de um dado indicador (alto ou baixo) é oposto ao apresentado pelas localidades imediatamente próximas. Essas situações espaciais atípicas são representadas como outliers16.
Os mapas coropléticos foram elaborados no programa QGis v3.36.2, utilizando cinco classes definidas pelo método de quebras naturais (Jenks)17. Os índices Moran global e local foram calculados no GeoDa v1.22 com base na taxa de concessão de benefícios, conforme orientação de Anselin (1995)15. A matriz de pesos espaciais foi construída no GeoDa com o uso de contiguidade do "tipo rainha", em que os vizinhos compartilham uma borda comum ou um vértice. Adotou-se a contiguidade de primeira ordem, que considera apenas vizinhos diretos. Segundo Anselin15, esse método é mais inclusivo e é utilizado quando qualquer forma de contato físico é importante como, por exemplo, em estudos ecológicos.
A partir da definição da forma de relacionamento espacial avaliado (baseado na vizinhança), foi possível medir os índices I de Moran global e local, assim como realizar o teste de pseudo-significância (valor-p). Neste estudo, a randomização do valor-p foi feita com 999 permutações, número padrão para análises espaciais ecológicas15.
A base cartográfica, por municípios, foi retirada do IBGE, em escala 1:25.000.000. A partir dela, e considerando a relação dos municípios pertencentes a cada macrorregião de saúde, modelou-se uma nova base cartográfica com os limites das respectivas macrorregiões de saúde.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Uberlândia (CEP/UFU), sob parecer nº 1.560.139/2016, em 28/02/2016.
RESULTADOS
Entre 2004 e 2016, foram concedidos 73.066 benefícios previdenciários no Brasil relacionados à incapacidade laboral causada por doença pelo vírus da imunodeficiência humana não especificada (CID B24). A maioria dos beneficiários era morador da zona urbana (70.540; 96,5%), do sexo masculino (50.889; 69,6%) e da faixa etária de 30-39 anos (26.899; 36,8%). Os benefícios mais frequentes foram o auxílio por incapacidade temporária (63.772; 87,3%) e a aposentadoria por incapacidade permanente (8.100; 11,1%). A distribuição regional das concessões foi a seguinte: Sudeste (34.072; 46,6%), Sul (18.660; 25,5%), Nordeste (11.147; 15,3%), Norte (4.801; 6,6%) e Centro-Oeste (4.386; 6,0%).
O índice de Moran global indicou dependência espacial das variáveis analisadas. Os valores mais expressivos de autocorrelação espacial positiva foram encontrados para as variáveis "Tempo médio até a incapacidade laboral dos beneficiários" (I = 0,695; p = 0,001) e "Benefícios previdenciários concedidos para indivíduos do sexo feminino" (I = 0,550; p = 0,001) (Tabela 1).
Tabela 1 - Valores do índice de Moran global, por variável analisada
Variáveis analisadas | Índice de Moran global* |
---|---|
Benefícios previdenciários concedidos | 0,508 |
Benefícios previdenciários concedidos em área urbana | 0,509 |
Benefícios previdenciários concedidos em área rural | 0,383 |
Benefícios previdenciários concedidos para indivíduos do sexo masculino | 0,474 |
Benefícios previdenciários concedidos para indivíduos do sexo feminino | 0,550 |
Média de idade dos beneficiários no início da doença | 0,356 |
Média de idade dos beneficiários no início da incapacidade | 0,383 |
Tempo médio até a incapacidade laboral dos beneficiários | 0,695 |
* Todas as análises apresentaram p < 0,001 no teste de pseudo-significância.
Com base nos resultados da tabela 1, foram calculados os indicadores de autocorrelação local (LISA) para todas as variáveis do estudo. Os mapas coropléticos evidenciaram maiores taxas de concessão de benefícios previdenciários em macrorregiões de saúde dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Amazonas, com destaque para as macrorregiões Grande Florianópolis e Foz do Rio Itajaí, no estado de Santa Catarina. As menores taxas foram observadas nas macrorregiões: Norte, Jequitinhonha e Nordeste, no estado de Minas Gerais; Corumbá, no estado do Mato Grosso do Sul; e em diversas macrorregiões das Regiões Norte e Nordeste (Figura 2A). A análise de autocorrelação espacial apontou a formação de um extenso aglomerado de padrão baixo-baixo em 23 macrorregiões de saúde das Regiões Norte e Nordeste do país, além da macrorregião Nordeste de Minas Gerais (Figura2B). Em Santa Catarina, identificou-se um aglomerado de padrão alto-alto em cinco (71,4%) das sete macrorregiões do estado (Figura 2B).

Fonte: SUIBE. Elaborado por Faria RM (QGis v3.36.2 e GeoDa v1.22).
Figura 2 - Taxa de concessão de benefícios previdenciários a pessoas vivendo com HIV/aids (A) e mapa de espalhamento de Moran (B), no período de 2004 a 2016, Brasil
A taxa de concessão de benefícios em áreas urbanas concentrou-se principalmente nas macrorregiões de saúde das Regiões Sul e Sudeste e na macrorregião Central do Amazonas. Semelhante à distribuição geral de benefícios, foi observado um extenso aglomerado de padrão baixo-baixo em 24 macrorregiões das Regiões Nordeste e Norte do país, além da macrorregião Nordeste de Minas Gerais e um aglomerado de padrão alto-alto em cinco macrorregiões de Santa Catarina (Figura 3A e 3E). Por outro lado, a taxa de concessão de benefícios para residentes em áreas rurais foi mais elevada nas Regiões Norte e Nordeste, com formação de aglomerados de padrão alto-alto em todas as três macrorregiões do estado do Maranhão (Sul, Leste e Norte), nas macrorregiões Cerrado, Meio Norte e Litoral do estado do Piauí, na 2ª e 4ª macrorregiões do estado do Ceará (Sobral e Sertão Central, respectivamente) e na Macrorregional II do estado do Pará. Um aglomerado de padrão baixo-baixo foi identificado nas macrorregiões Leste e Norte do Paraná, em 16 (94,1%) das 17 macrorregiões do estado de São Paulo, nas macrorregiões Sul, Triângulo do Sul e Noroeste de Minas Gerais, nas macrorregiões Centro-Sudeste e Nordeste do estado de Goiás e no Distrito Federal (Figura 3B e 3F).
A taxa de concessão de benefícios previdenciários para indivíduos do sexo masculino apresentou padrão similar ao observado para residentes em áreas urbanas. As maiores taxas concentraram-se nas macrorregiões de saúde das Regiões Sul e Sudeste do país e na macrorregião Central do Amazonas. A análise de autocorrelação espacial revelou um padrão alto-alto em cinco macrorregiões de Santa Catarina e um extenso aglomerado de padrão baixo-baixo em 21 macrorregiões de estados da Região Nordeste, além das macrorregiões Nordeste de Minas Gerais e Sul do estado de Tocantins (Figura 3C e 3G).
Para o sexo feminino, as maiores taxas de concessões de benefícios ocorreram na Região Sul e na macrorregião Triângulo do Sul, em Minas Gerais. Houve a formação de aglomerado de padrão alto-alto em seis (85,7%) das sete macrorregiões de Santa Catarina e nas macrorregiões Serra e Centro-Oeste do estado do Rio Grande do Sul. Em uma grande extensão da Região Nordeste do país, além das macrorregiões Norte e Nordeste de Minas Gerais e da macrorregião Sul de Tocantins, houve a formação de aglomerado de padrão baixo-baixo, totalizando 28 macrorregiões de saúde (Figura 3D e 3H).

Fonte: SUIBE. Elaborado por Faria RM (QGis v3.36.2 e GeoDa v1.22).
Figura 3 - Taxa de concessão de benefícios previdenciários a pessoas vivendo com HIV/aids (A-D) e mapas de espalhamento de Moran (E-H), segundo área de residência e sexo, no período de 2004 a 2016, Brasil
A idade média acima de 39 anos foi predominante em macrorregiões de saúde das Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do país, além da macrorregião Norte de Tocantins (Figura4A). Observou-se o padrão baixo-baixo em um aglomerado de cinco macrorregiões da Região Norte e nos estados de Santa Catarina (macrorregiões Planalto Norte e Nordeste e Alto Vale do Itajaí) e São Paulo (RRAS15). O padrão alto-alto foi observado em um aglomerado entre quatro macrorregiões dos estados do Mato Grosso e Matogrosso do Sul e em nove macrorregiões dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia (Figuras 4A e 4B).
As médias de idade no início da incapacidade laboral, de forma similar às observadas para o início da doença, foram mais baixas na Região norte do país (Figura 4C). Identificou-se um extenso aglomerado de padrão baixo-baixo abrangendo 10 macrorregiões de saúde dessa região. Por outro lado, o padrão alto-alto foi observado em um aglomerado formado por quatro macrorregiões nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na Região Centro-Oeste, além da macrorregião I do estado do Rio de Janeiro, das macrorregiões Central Norte e Metropolitana do estado do Espírito Santo, das macrorregiões Nordeste, Sudeste e Jequitinhonha de Minas Gerais, e da macrorregião Extremo Sul (Teixeira de Freitas) no estado da Bahia (Figura 4D).
O tempo médio entre o início da doença e a incapacidade laboral foi superior a 1.278 dias nas Regiões Sul e Sudeste, enquanto nas Regiões Norte e Nordeste variou predominantemente entre 583 e 1.015 dias (Figura 4E). A análise de autocorrelação espacial revelou um extenso aglomerado de padrão baixo-baixo abrangendo 27 macrorregiões de saúde das Regiões Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste. Em contrapartida, foi observado um aglomerado de padrão alto-alto composto por 28 macrorregiões de saúde nas Regiões Sul e Sudeste (Figura 4F).
DISCUSSÃO
A análise mostrou que, no período entre 2004 e 2016, a maioria dos beneficiários da previdência social brasileira vivendo com HIV/aids era do sexo masculino, residente em áreas urbanas das Regiões Sul e Sudeste do país e com idade entre 30 e 39 anos. Nas macrorregiões de saúde das Regiões Norte e Nordeste, observaram-se aglomerados de padrão baixo-baixo em relação às concessões de benefícios, independentemente da variável analisada. A única exceção foi para áreas rurais, onde se verificou um aglomerado de padrão alto-alto na Região Nordeste e em parte do Pará. Na Região Norte, aglomerados de padrão baixo-baixo também foram identificados para as variáveis de idade no início da doença e da incapacidade laboral. Quando analisado o tempo médio entre o início da doença e da incapacidade, um extenso aglomerado de padrão baixo-baixo cobriu grande parte das Regiões Norte e Nordeste do país.
A concentração de concessões nas Regiões Sul e Sudeste era esperado, uma vez que são as regiões mais populosas do Brasil e onde existe maior formalidade no estabelecimento e cumprimento dos direitos trabalhistas18. Já na Região Nordeste e em parte dos estados de Minas Gerais, Tocantins e Pará, a menor frequência de concessões de benefícios está associada ao alto índice de trabalho informal. Na Região Nordeste, 63,3% dos trabalhadores estão na informalidade. Localizados na Região Norte, o Pará possui o maior percentual de informalidade no trabalho do país (70,0%) e o Tocantins ocupa a 10ª posição (60,4%)19. Dados nacionais mostram que, para cada 100 pessoas que se encontram na informalidade, apenas 26,3% contribuem com a previdência social. Por outro lado, Santa Catarina, com a segunda menor taxa de trabalho informal do país (39,4%)19, apresentou um aglomerado de padrão alto-alto. Esse estado também possui uma das maiores incidências de aids do Brasil, com 57.973 casos entre 1980 e junho de 2023, sendo o 4º no ranking nacional1.
As concessões de benefícios a moradores da área urbana concentraram-se nas Regiões Sul e Sudeste do país e na macrorregião Central do Amazonas. Nas Regiões Sudeste e Sul, a população urbana representa 92,9% e 88,8% do total, respectivamente, o que explica os números elevados20. Essas regiões se destacam pelo alto desenvolvimento econômico e industrial, maior escolaridade, com mais acesso à informação sobre saúde e direitos trabalhistas21. No Amazonas, fatores como a expansão de rodovias e hidrelétricas, assim como o crescimento acelerado e não planejado de Manaus, podem ter contribuído para a disseminação do HIV/aids22,23. A macrorregião Central, onde está Manaus, registrou a maior taxa de concessão de benefícios no estado. Esses números refletem o histórico da assistência às pessoas vivendo com HIV/aids no estado do Amazonas, principalmente na sua porção mais populosa, marcada por estruturas de saúde desarticuladas e sem capacidade institucional para responderem ao aumento da demanda por assistência na região22.
A baixa frequência de concessão de benefícios em áreas urbanas nas Regiões Norte e Nordeste pode estar relacionada, além da alta porcentagem de trabalhadores informais, à dificuldade de acesso aos serviços de saúde e às agências da previdência social, dificultando a detecção da doença e a reivindicação de direitos trabalhistas. Para atender aos 5.570 municípios brasileiros, existem atualmente 1.577 agências do INSS, concentradas apenas nos municípios de maior porte24. Por outro lado, benefícios concedidos para trabalhadores em áreas rurais foram mais frequentes nas Regiões Nordeste e Norte, que possuem as maiores proporções de população rural em relação ao total: 26,9% e 26,5%, respectivamente20.
A maior concentração de benefícios previdenciárias para indivíduos do sexo masculino nas Regiões Sul e Sudeste está associada ao alto número de homens inseridos no mercado de trabalho formal dessas regiões, que representam 64,9% do total formal brasileiro25. Paralelamente, a maior concentração de benefícios a indivíduos do sexo feminino também foi nessas regiões. Entre 2003 e 2018, o emprego formal feminino cresceu 74%, superando o aumento de 46% para homens, indicando maior participação das mulheres no mercado de trabalho, especialmente nas Regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste26,27. Essa tendência é corroborada pela significativa contribuição feminina nos casos de aids na Região Sul do Brasil. Entre 2012 e 2022, para cada 17 homens com aids existiam 10 mulheres com a doença, a menor razão de sexos do país. Dentre as capitais brasileiras, no mesmo período, as maiores taxas de detecção de HIV em gestantes foram encontradas em Porto Alegre e Florianópolis, capitais dos estados sulistas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, respectivamente1.
As médias de idade dos beneficiários no início da doença e da incapacidade laboral foram mais baixas na Região Norte. Quanto ao tempo médio entre o início da doença e a incapacidade, houve discrepâncias regionais marcantes: aglomerados de padrão baixo-baixo nas Regiões Norte e Nordeste contrastaram com aglomerados de padrão alto-alto nas Regiões Sul e Sudeste.
As Regiões Nordeste e Norte apresentam o maior número de municípios com vulnerabilidade social muita alta, segundo o Índice de Vulnerabilidade Social, abrangendo 32,4% e 41,9% de seus municípios, respectivamente28. Esse índice considera dimensões como infraestrutura urbana, capital humano, renda e trabalho, avaliando indicadores como escolaridade, gravidez precoce e ocupação da população. Em regiões de alta vulnerabilidade social, a probabilidade de infecção precoce é maior. Sem infraestrutura adequada para serviços de diagnóstico, tratamento e aconselhamento, os indivíduos também estão propensos ao adoecimento precoce1,7,9,29.
Na solicitação dos dados ao INSS, foram disponibilizadas apenas informações sobre as concessões relacionadas ao CID B24, excluindo os CID dos grupos B20 a B23, o que representa uma limitação importante deste estudo. Outra limitação se refere à atualização dos dados, que contemplam informações sobre a aids na previdência social apenas até 2016.
CONCLUSÃO
A análise realizada preencheu uma lacuna importante no entendimento da relação entre a previdência social e pessoas vivendo com HIV/aids no contexto brasileiro. As baixas frequências de concessões de benefícios previdenciários nas Regiões Norte e Nordeste, a idade precoce no adoecimento e na incapacitação laboral na Região Norte, bem como o curto intervalo até a incapacitação nessas duas regiões refletem a vulnerabilidade social enfrentada por suas populações, particularmente nos aspectos relacionados à informalidade do trabalho e à dificuldade de acesso aos serviços de saúde e previdência social.