Em 13 de abril de 2025, deixou-nos o nosso querido Alexandre da Costa Linhares, mais conhecido como Dr. Linhares, médico dedicado que queria ser neurocirurgião, mas, ao conhecer o Instituto Evandro Chagas (IEC), apaixonou-se pela investigação científica e se tornou Virologista (Figura 1). A partir de então, um mundo se descortinou a sua frente, quando descobriu os rotavírus em uma criança com diarreia internada na Santa Casa de Misericórdia do Pará, agente este causador de gastroenterite grave em crianças, impulsionando assim a pesquisa desse importante vírus no país1,2. Eram muitos os desafios; contudo, nenhum lhe trouxe desesperança. Cada projeto iniciado e finalizado era uma etapa vencida com muita alegria e a certeza do dever cumprido. Sua dedicação e amor à pesquisa foram cruciais para ganhar aliados à causa do bem, pois tinha a capacidade de libertar o potencial máximo de cada um e estimular o que havia de melhor naqueles que estiveram ao seu lado ao longo de sua trajetória no IEC e em outras instituições.
Para nós do IEC, sua importância e exemplos deixados foram fundamentais para o nosso crescimento profissional e Institucional. Destacamos a sua responsabilidade em assumir a Direção do IEC ao longo de sete anos (1981 a 1987), quando o Dr. Francisco de Paula Pinheiro assumiu um cargo na Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante a celebração do Cinquentenário do IEC, em 1986, organizou a publicação de dois volumes do livro intitulado "Instituto Evandro Chagas, 50 Anos de Contribuição às Ciências Biológicas e à Medicina Tropical"3, com participação de vários pesquisadores da Instituição. Foi o primeiro Coordenador do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no IEC (PIBIC-IEC), legado cada vez mais fortalecido na Instituição. Essa iniciativa foi fundamental para a captação de jovens vinculados a universidades sediadas em Belém, e auxiliou no desenvolvimento do pensamento científico desses estudantes, muitos dos quais hoje fazem parte do quadro de pesquisadores do IEC, ora atuando como orientadores do PIBIC-IEC. Em 2002, após a obtenção do título de Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária do Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), no Rio de Janeiro, sua participação na formação de recursos humanos qualificados se intensificou, com a orientação de dissertações de mestrado e teses de doutorado de vários profissionais que atuavam na área clínica ou laboratorial, além de colaborador em aulas do Programa de Pós-Graduação em Virologia (PPGV) do IEC.
Foi também membro do Comitê Institucional de Bolsas de Iniciação Científica; coordenador e membro titular do Comitê de Ética Médica; integrante titular do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos; presidente e membro do Conselho Técnico-Científico; e o primeiro Editor Científico da Revista Pan-Amazônica de Saúde. Atuou por 28 anos (1991 a 2019) como Chefe da Seção de Virologia (SEVIR), ficando nesse cargo até a aposentadoria. Mesmo estando fisicamente ausente do IEC, seus laços científicos ainda eram fortes com a Instituição, atuando como membro externo do Conselho Técnico-Científico ou mesmo dando suporte a projetos, auxiliando na elaboração de trabalhos científicos e atuando como consultor ad hoc para revistas científicas nacionais, internacionais, e de agências de fomento, além de proferir palestras em eventos nacionais e internacionais. Foi ainda membro honorário da Academia Nacional de Medicina Militar, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e, desde 2019, era o segundo ocupante da Cadeira nº 5 como membro titular da Academia de Medicina do Pará (Figura 2).
Sua base familiar era sólida e constituída por sua querida esposa Suely, com quem estava casado há 50 anos, e com a qual convivemos também durante todos esses anos; seus amados filhos Leonardo, Adriana e Alexandre, razão de sua vida; suas noras e genro, que vieram para agregar ainda mais sua família; e seus nove queridos e amados netos, dos quais não se cansava de falar todo orgulhoso. Esta grande família constituía seu alicerce e seu porto seguro, e era a razão de sua alegria e de seu amor.
No que tange ao estudo com vacinas, diversas abordagens têm sido realizadas na produção de um imunizante seguro e eficaz contra rotavírus, notadamente visando oferecer proteção contra as gastroenterites graves. A eficácia protetora de tais vacinas alcançou resultados variáveis e, por esse motivo, a estratégia foi modificada para promover uma ampla cobertura antigênica. Sob a coordenação do Dr. Linhares (Figura 3), o IEC participou dos testes clínicos com a vacina tetravalente contra rotavírus (RRV-TV), denominada de RotaShield® e produzida pelo laboratório Wyeth. A RotaShield® foi a primeira vacina contra rotavírus licenciada nos Estados Unidos em 1998; no entanto, devido à sua associação com a intussuscepção (tipo de bloqueio intestinal), foi retirada do mercado em 1999. A experiência local adquirida com o teste clínico com a RRV-TV4 deu ao IEC a oportunidade de testar outra candidata à vacina contra rotavírus, a RIX4414, de origem humana, monovalente e específica para o genótipo P[8]G1. Os testes conduzidos em Belém mostraram que a RIX4414 foi bem tolerada quando administrada a crianças saudáveis5,6. Essa vacina, desenvolvida pela GlaxoSmithKline Biological (GSK) e designada de vacina Rotarix®, foi testada quanto a sua inocuidade, imunogenicidade e eficácia sob a sua coordenação e com o IEC participando ativamente desse esforço conjunto com vários países desenvolvidos e em desenvolvimento. Os resultados obtidos nesses testes foram promissores e, após aprovação pelo Food and Drug Administration, a vacina contra rotavírus no Brasil foi designada de Vacina Oral de Rotavírus Humano e incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Minitério da Saúde, em 2006, sendo aplicada por via oral, em duas doses, aos 2 e 4 meses de idade, evento esse que se configurou como pioneiro na América Latina. Vários países também incorporaram esse imunizante em seus calendários vacinais, e hoje se observa um significante impacto na redução das hospitalizações e óbitos causados por rotavírus, com expressiva diminuição da mortalidade infantil a nível mundial.

Figura 3 - Participação do Dr. Linhares na coordenação dos testes clínicos com a vacina contra Rotavírus
Sua inteligência, bondade e humildade eram suas preciosas virtudes. O legado deixado pelo Dr. Linhares é inquestionável e sempre será lembrado pela comunidade científica, em especial pela equipe clínica e laboratorial da SEVIR, que teve o privilégio de contar com a sua competência e sensibilidade; e, de uma forma singular, pelas mãezinhas que, mesmo sem o terem conhecido, são extremamente gratas por verem seus filhinhos imunizados com a vacina contra os rotavírus, incorporada ao PNI e disponibilizada gratuitamente no Sistema Único de Saúde. Sua contribuição para evitar a dor de milhares de mães e pais e o óbito precoce de suas crianças, por conta da gastroenterite causada por rotavírus, é inestimável.
Para nós da SEVIR/IEC e do grupo da gastroenterite, que tivemos a honra de conhecê-lo e de conviver diariamente com ele, fica a nossa mais sincera e profunda gratidão pela oportunidade da convivência e do trabalho em equipe construído dia a dia, além da certeza de que o seu legado jamais será esquecido e, com muita satisfação, será continuado pelos seus sucessores na jornada científica do Instituto Evandro Chagas.















