Oclusão aterosclerótica da aorta abdominal com fluxo arterial para os membros inferiores mantido pela artéria mesentérica inferior - Relato de caso1
Aterosclerotic oclusion of the abdominal aorta with arterial flow to the inferior limbs mantained by the inferior mesenteric artery - Case report
Adenauer Marinho de Oliveira Góes JuniorI; João Gualberto Diniz JúniorII; Maria Lúcia IwasakiIII; Paulo Henrique PetterleI; Tatiana Rocha ProttaI; Weverton TerciI
IMédico(a) Residente do Serviço de Cirurgia Vascular do HSPM
IIMédico Chefe do Serviço de Cirurgia Vascular do HSPM ]]>
IIIMédica Assistente do Serviço de Cirurgia Vascular do HSPM
RESUMO
OBJETIVO: relatar o caso de um paciente portador de oclusão aterosclerótica da aorta abdominal cuja vascularização dos membros inferiores era mantida por colaterais mesentéricas com reenchimento retrógrado da aorta distal.
MÉTODO: as informações foram obtidas por meio de revisão do prontuário, entrevista com o paciente, registro fotográfico dos métodos diagnósticos aos quais o paciente foi submetido e revisão da literatura.
COSIDERAÇÕES FINAIS: o caso relatado e publicações levantadas trazem à luz a discussão da terapêutica de uma situação complexa que é a doença oclusiva aortoilíaca e evidenciam que, embora adotada em uma minoria de casos, quando bem executada e em pacientes adequadamente selecionados, a endarterectomia aórtica é capaz de obter resultados satisfatórios e duradouros no que diz respeito ao alívio sintomático e melhoria da qualidade de vida.
DESCRITORES: aorta, oclusão, aterosclerótica, artéria, renal, mesentérica.
SUMMARY
]]> AIM: to report the case of a patient with atherosclerotic occlusion of the abdominal aorta with the arterial flow to the inferior limbs maintained by mesenteric collaterals with retrograde perfusion of the distal aorta.KEY WORDS: aorta, occlusion, atherosclerotic, artery, renal, mesenteric.
INTRODUÇÃO
A presença de lesões ateroscleróticas tem sido ligada a uma variedade de fatores de risco cardiovasculares genéticos e ambientais 1.
Tabagismo e doenças como hipertensão arterial, diabetes mellitus e insuficiência renal também estão associadas ou pioram estas lesões arteriais 2,3.
Embora a aterosclerose seja um processo generalizado que acomete toda a árvore circulatória, tende a localizar-se em áreas particulares do sistema arterial4 provocando complicações locais representadas, por exemplo, pelas obstruções e estenoses dos segmentos aortoilíaco, ilíacofemoral ou mais distais 5.
]]> A oclusão completa da aorta abdominal infra-renal ocorre em 8 6 a 10% 5 dos pacientes com ateromatose aortoilíaca e corresponde à forma mais rara de apresentação da doença desta topografia5.Nesta situação, o paciente pode apresentar uma variedade de sinais e sintomas que inclui claudicação intermitente, disfunção erétil, ausência de pulsos infra-inguinais, hipotrofia muscular e diminuição da pilificação dos membros inferiores 5.
A qualidade de vida dos pacientes tende a piorar quando submetidos apenas ao tratamento conservador, enquanto que a reconstrução aortoilíaca cirúrgica provoca alívio sintomático acentuado, porém, de durabilidade discutível 5.
Nos casos em que a ateromatose se estende e acomete os óstios de artérias renais 6, viscerais e o território femoropoplíteo os reparos cirúrgicos são mais complexos e a incidência de complicações é maior.
O médico deve reconhecer as formas de apresentação e conhecer a evolução natural da doença bem como as indicações, as técnicas, os benefícios e as complicações associadas ao tratamento desta enfermidade com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de seus pacientes.
OBJETIVO
Relatar o caso de um paciente portador de oclusão aterosclerótica da aorta abdominal, cuja vascularização dos membros inferiores era mantida por colaterais mesentéricas com reenchimento retrógrado da aorta distal.
MÉTODO
]]> As informações contidas neste trabalho foram obtidas por meio de revisão do prontuário, entrevista com o paciente, registro fotográfico dos métodos diagnósticos, aos quais o paciente foi submetido e revisão da literatura.
RELATO DO CASO
Anamnese
Paciente J.P., sexo masculino, 51 anos, procurou a equipe de cirurgia vascular pela queixa de dor nos membros inferiores durante a deambulação.
Tinha claudicação intermitente com piora progressiva há cerca de quatro anos. Há dois anos passou a apresentar disfunção erétil, porém não consultou o urologista. Na primeira consulta apresentava claudicação de glúteos para distância menor que cem metros.
Não etilista, porém consumia três maços de cigarro por dia há mais de vinte anos. Negava o uso de drogas ilícitas.
Como comorbidades, relatava diabetes mellitus, tratada com hipoglicemiante oral e hipertensão arterial sistêmica de difícil controle, apesar do uso de três anti-hipertensivos.
Negava antecedentes de acidentes vasculares cerebrais, cardiopatias e cirurgias.
Exame físico
]]> Bom estado geral, com pressão arterial de 140 x 100 mmHg. Os pulsos carotídeos e dos membros superiores encontravam-se presentes, cheios e simétricos. O pulso da aorta abdominal era palpável, porém nenhum pulso infra-inguinal o era.Os pés do paciente apresentavam enchimento capilar retardado e após elevação dos membros inferiores a 45o, percebia-se hiperemia reativa bilateral.
Hipótese diagnóstica
Feita a hipótese diagnóstica de insuficiência arterial periférica crônica e oclusão aortoilíaca.
Conduta
O paciente aconselhado a interromper o tabagismo, controlar adequadamente a pressão arterial e o diabetes mellitus, iniciar marcha programada e o uso de ácido acetil-salicílico e cilostazol.
Um mapeamento por dupplex scan do segmento aortoilíaco e dos membros inferiores foi solicitado e um retorno ambulatorial agendado em um mês.
Quando reavaliado não indicava melhora do quadro clínico, usando os medicamentos indicados e, embora tivesse diminuído o consumo, permanecia fumando.
Exames subsidiários
O exame solicitado (Figura 1) mostrou que no membro inferior direito as artérias femorais comum, superficial e profunda, a artéria poplítea e seus ramos mais distais apresentavam-se pérvias, porém com paredes espessadas e fluxo monofásico. Alterações análogas foram detectadas no membro inferior esquerdo. O estudo do segmento aortoilíaco revelou aorta infra-renal com espessamento e calcificação de suas paredes, com a presença de placa calcificada e sem fluxo em sua porção distal, os segmentos ilíacos estavam pérvios, com as artérias espessadas e apresentando fluxo monofásico bilateralmente.
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Após a triagem com dupplex scan o paciente foi submetido a arteriografia da aorta abdominal e dos membros inferiores.
O exame, feito por punção e cateterização da artéria braquial direita, constatou que a aorta abdominal estava ocluída logo após a origem da artéria renal esquerda (Figura 2) e reenchia por fluxo retrógrado da artéria mesentérica inferior. O tronco celíaco era pérvio e vicariante, a artéria mesentérica superior era ocluída em sua origem e reenchia por colaterais da artéria gastroduodenal (Figura 3); artéria mesentérica inferior pérvia e com fluxo retrógrado por colaterais via arcada de Riolano (Figura 4); a artéria renal direita era ocluída na origem; a renal esquerda, e as ilíacas comuns, internas e externas eram pérvias.
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Os membros inferiores foram estudados até as artérias poplíteas. As artérias femorais comuns, superficiais e profundas, assim como as artérias poplíteas eram pérvias bilateralmente.
Conduta cirúrgica:
]]> O paciente foi submetido a laparotomia mediana xifo-púbica sob anestesia geral, a aorta abdominal e seus principais ramos foram acessados por via transperitoneal, dissecados e controlados com reparos enquanto a artéria axilar esquerda era dissecada, simultaneamente, para a eventual necessidade de um shunt axilorenal. A aorta foi clampeada abaixo do tronco celíaco e seu controle distal feito nas artérias ilíacas comuns.Após uma arteriotomia longitudinal de 10 cm na face anterior da aorta identificou-se grande placa ateromatosa. Foi feita uma endarterectomia com retirada completa da placa e obteve-se fluxo sanguíneo retrógrado da artéria renal direita.
A artéria mesentérica superior foi seccionada logo após sua origem. A reconstrução foi feita com um patch de dacron para o fechamento da aortotomia; neste patch se fez uma anastomose término-lateral com uma prótese de PTFE de 8mm de diâmetro, a qual foi anastomosada de forma término-terminal à artéria mesentérica superior (Figura 5).
A cirurgia realizada, portanto, foi uma endarterectomia de aorta abdominal com fechamento por patch associada a um enxerto aortomesentérico superior com prótese.
O shunt axilorenal não foi necessário, pois o tempo de clampeamento aórtico foi de aproximadamente 30 minutos.
Evolução:
]]> O paciente foi encaminhado à unidade de terapia intensiva. Desde o pós-operatório imediato os pulsos femorais, poplíteos e distais estavam presentes.Foi extubado no primeiro dia de pós-operatório e teve a dieta reiniciada no terceiro dia com boa aceitação.
Evoluiu sem intercorrências até apresentar pressão arterial sistólica de 200 mmHg e de difícil controle com anti-hipertensivos orais, quando foi introduzido nitroprussiato de sódio endovenoso. O débito urinário manteve-se satisfatório e a creatinina sérica não apresentou oscilações significativas.
Houve controle gradual da pressão arterial e no 12o pós-operatóio a mesma mantinha-se em torno de 140 x 90 mm de Hg apenas com medicação oral. O paciente foi, então, encaminhado à enfermaria, mantido em observação clínica até o 20o pós-operatório, sem intercorrências e recebeu alta hospitalar com retorno agendado no ambulatório.
Antes da alta feito um novo estudo arteriográfico (no 18o pós-operatório). A arteriografia, feita através de punção da artéria femoral comum direita, evidenciou aorta abdominal, artérias renais e ilíacas pérvias; artéria mesentérica inferior com fluxo anterógrado(Figuras 6 e 7); tronco celíaco pérvio (Figura 8), enxerto para a mesentéria superior pérvio (Figura 9).
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Prognóstico e acompanhamento:
Atualmente o paciente está no terceiro mês de seguimento pós-operatório. Tem controlado o diabetes mellitus com a mesma medicação oral que utilizava no pré-operatório, porém passou a receber cinco anti-hipetensivos. Está usando ácido acetil-salicílico e cilostazol diariamente. Além disso interrompeu o tabagismo desde a alta hospitalar e vem fazendo caminhadas diárias.
Nega claudicação e refere melhora da disfunção erétil. Os pulsos femorais, poplíteos e distais estão presentes, cheios e simétricos e a ferida operatória cicatrizada.
DISCUSSÃO
A presença de lesões ateroscleróticas tem sido ligada a uma variedade de fatores de risco cardiovasculares genéticos e ambientais 1. Tabagismo e doenças como hipertensão arterial, diabetes mellitus e insuficiência renal também estão associadas ou pioram estas lesões 2,3.
Este paciente além de tabagista era portador de hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus. O diabetes já é reconhecido na literatura médica como entidade associada ao aumento de risco vascular tanto para micro quanto para macro angiopatia 2; como a macro angiopatia contribui de forma mais importante para o aumento da morbidade e da mortalidade na população de diabéticos tipo II, prevenir esta angiopatia é de fundamental importância 2.
A uremia provocada pela insuficiência renal, por outro lado, provoca uma remodelação estrutural do sistema arterial caracterizada pela dilatação e hipertrofia da parede de grandes artérias 2.
Os pacientes podem cursar com hipertensão renovascular, a qual é mais freqüentemente causada por aterosclerose e displasia fibromuscular e mais raramente por trombose da artéria renal 3.
]]> Em pacientes com doença vascular periférica, ateromatose aórtica severa, aneurisma de aorta abdominal e doença coronariana com hipertensão, a prevalência de estenose de artéria renal vai de 16 a 40% 7.No caso relatado havia oclusão total da artéria renal direita por extensão da placa aterosclerótica aórtica, o que talvez contribuísse para o difícil controle da pressão arterial do paciente no pré-operatório. Não foi adotada a opção da nefrectomia direita a qual, em pacientes com oclusão unilateral de artéria renal e rim atrófico cursando com hipertensão de difícil controle, pode ser executada e facilitar o controle pressórico 7. Após a cirurgia o rim passou a ser reperfundido; houve necessidade de mais drogas para o controle pressórico, talvez em decorrência da reperfusão renal direita, porém a equipe de nefrologia não chegou a uma definição quanto a esta relação. Após o terceiro mês pós-operatório a pressão arterial encontrava-se controlada com cinco anti-hipertensivos orais.
Embora a aterosclerose seja um processo generalizado que acomete toda a árvore circulatória, tende a localizar-se em áreas particulares do sistema arterial 4 provocando complicações locais representadas, por exemplo, pelas obstruções e estenoses dos segmentos aortoilíaco, ilíacofemoral ou mais distais 5.
A oclusão completa da aorta abdominal infrarenal ocorre em 8 6 a 10% 5 dos pacientes com ateromatose aortoilíaca e corresponde à forma mais rara de apresentação da doença desta topografia 5 .
Nesta situação o paciente pode apresentar uma variedade de sinais e sintomas que inclui claudicação intermitente, disfunção erétil, ausência de pulsos infrainguinais, hipotrofia muscular e diminuição da pilificação dos membros inferiores 5.
A qualidade de vida dos pacientes tende a piorar quando submetidos apenas ao tratamento conservador enquanto que a reconstrução aortoilíaca cirúrgica provoca alívio sintomático acentuado porém de durabilidade discutível 5.
Nos casos em que a ateromatose se estende e acomete os óstios de artérias renais 6, viscerais e o território femoro-poplíteo os reparos cirúrgicos são mais complexos e a incidência de complicações é maior.
A opção pelas reconstruções com enxertos aortobifemorais se tornou a operação padrão frente à doença oclusiva aortoilíaca para mais de 90% dos cirurgiões vasculares 6.
A eleição da endarterectomia pode ser feita em 5 a 10% dos pacientes com lesões restritas ao território aortoilíaco 6. Apesar da menor aplicabilidade e do maior refinamento técnico possui vantagens como a baixa ocorrência de aneurismas anastomóticos, infecção e erosão de vísceras, complicações graves e mais corriqueiras com o uso de próteses 5.
Embora o fechamento simples da arteriotomia possa ser adotado em muitos casos, a extensão da mesma levou à opção do uso do patch de dacron com a finalidade de prevenir estenoses.
]]> Embora a ateriografia pré-operatória mostras-se perviedade da arcada de Riolano e uma artéria mesentérica inferior vicariante, o receio de que no pós-operatório, com a inversão do gradiente de pressão entre a aorta mais distal e a mesentérica inferior, houvesse diminuição do aporte para as arcadas intestinais foi feita a escolha da revascularização da artéria mesentérica superior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso relatado e publicações levantadas trazem à luz a discussão da terapêutica de uma situação complexa que é a doença oclusiva aortoilíaca e evidenciam que embora adotada em uma minoria de casos, quando bem executada e em pacientes adequadamente selecionados, a endarterectomia aórtica é capaz de obter resultados satisfatórios e duradouros no que diz respeito ao alívio sintomático e melhoria da qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
1- Wilson PWF, Kauppila LI, O'Donnell CJ, Kiel DP, Hannan M, Polak JM, Cupples A. Abdominal aortic calcific deposits are an important predictor of vascular morbidity and mortality. Circulation 2001; 103:1529-1534.
2- Aoun S, Blacher J, Safar ME, Mourad JJ. Diabetes mellitus and renal failure: effects on large artery stiffness. Journal of Human Hypertension 2001; 15:693-700.
3- Spronk PE, Overbosch EH, Schut NH. Severe atherosclerotic changes, including aortic occlusion, associated with hyperhomocysteinaemia and antiphospholipd antibodies. Ann Rheum Dis 2001; 60:699-701.
4- Pizarro R. Ateromatosis aórtica: ¿un marcador más de enfermedad aterosclerótica difusa o con identidad propria? Revista argentina de cardiología 2004; 72(1):6-8.
5- Albers MTV. Aterosclerose obliterante periférica: tratamento cirúrgico das oclusões aortoilíacas. In: Maffei FHA, Lastória S, Yoshida WB, Rollo HA. Doenças Vasculares Periféricas. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ):MEDSI;2002. p.1043-1058.
6- Brewster DC. Doença aterosclerótica oclusiva aortoilíaca, aortofemoral e iliofmoral. In: Ascher E, Hollier LH, Strandness Jr DE, Towne JB, Calligaro KD, Kent KG, et al. Haimovici cirugía vascular. 5a ed. Rio de Janeiro (RJ): Revinter; 2006. p. 489- 511.
7- Vidt DG. Ischaemic nephropaty: can we preserve renal function? Journal of human hipertensión 2002; 16(supl.1): S70-S73.
Endereço para correspondência:
Adenauer Góes Junior
Rua Dr. Pinto Ferraz, 271, apto 123
Vila Mariana, São Paulo-SP
CEP 04117-040
1Trabalho realizado pelo Serviço de Cirurgia Vascular do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM)
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