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Informe Epidemiológico do Sus
Print version ISSN 0104-1673
Inf. Epidemiol. Sus vol.7 no.2 Brasília June 1998
http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731998000200006
OPINIÃO
Controle de agravos à saúde: consistência entre objetivos e medidas preventivas
Pedro Luis Tauil
Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília
RESUMO
Propõe-se neste artigo uma reflexão sobre a necessidade de se estabelecerem objetivos bem definidos nas atividades de controle de agravos à saúde. A escolha das medidas preventivas adotadas e sua estratégia de aplicação estão intimamente ligadas aos objetivos explicitados. O conhecimento técnico-científico que se tem dos fatores de risco, da transmissão, fisiopatologia clinica e terapêutica do agravo, bem como a disponibilidade de recursos e a decisão política, influenciam na fixação dos objetivos a serem alcançados. Estes são definidos como: erradicação, eliminação, redução da incidência, redução da gravidade e redução da letalidade. Diferencia erradicação de eliminação, caracterizando esta como redução da incidência de um agravo a zero, porém sem interromper as medidas de prevenção apropriadas, enquanto na erradicação estas medidas deixam de ser necessárias para manter a incidência nula. O controle de um agravo pode contemplar mais de um obj'etivo e modificá-los ao longo do tempo. São exemplificadas alterações nos objetivos das atividades de controle da malária, poliomielite e hanseníase. E enfatizado que a diferenciação, comumente utilizada, entre erradicação e controle não permite buscar os métodos e medidas preventivas mais adequados ao planejamento, organização e avaliação das atividades de combate a agravos.
Palavras-Chave: Objetivos do Controle de Doenças; Medidas Preventivas.
SUMMARY
This paper argues the need for setting up well defined obj'ectives in the activities of disease control. The choice of preventive measures and the strategy of executing them depend on the obj'ectives proposed. The technologic andscientific knowledge about the risk factors, transmission, pathogenesis, clinical characteristics and treatment ofthe disease, as well as the availability offnancial and human resources and the political decision, influence the definition ofthe obj'ectives to be reached. Eradication, elimination, reduction of incidence, reduction ofthe number ofsevere cases and reduction offatality rate are the possible obj'ectives of disease control Eradication differs from elimination because in the latter the preventive measures must go on after the incidence has reached zero, while in eradication they may be interrupted and the disease does not present re-incidence. Disease control may have more than one oj'ective and may also change with time. Malaria, poliomyelitis and Hansen disease are examples of control activities that changed their oj'ectives recently. Emphasis is put on the fact that the commonly used difference between eradication and control is not enough to choose the appropriate preventive measures, for planning, organizing and evaluating disease control activities.
Key-Words: Ojectives of Disease Control; Preventive Measures.
É freqüente, em saúde pública, o uso do termo controle como sinônimo de redução da incidência de uma doença a níveis tais que deixe de ser um problema para a população. Seria, assim, uma alternativa para a impossibilidade de erradicação de um agravo. Neste caso, controle é entendido como objetivo de uma ou mais atividades destinadas a reduzir a incidência de uma doença. O propósito deste trabalho é refletir sobre a utilidade de conceber o controle de agravos a saúde como um conjunto de medidas de prevenção destinadas a alcançar diferentes objetivos:
a) Erradicação;
b) Eliminação;
c) Redução da incidência;
d) Redução da gravidade;
e) Redução da letalidade.
Entende-se, aqui como agravos a saúde os danos a integridade física, mental e social dos indivíduos, provocados por doenças ou circunstancias nocivas, como acidentes, intoxicações, abuso de drogas e lesões auto ou heteroinfligidas.
O estabelecimento de objetivos nas atividades de controle de agravos a saúde tem uma importância fundamental na escolha adequada das medidas preventivas que devem ser adotadas e na estratégia de aplicação destas medidas. Os objetivos são definidos em função do grau de conhecimento técnico-científico que se tem do agravo, tanto no que se refere a sua produção como ao seu tratamento. São, portanto, passíveis de mudança, dependendo do avanço do conhecimento científico e tecnológico. A definição de objetivos depende ainda da disponibilidade de recursos financeiros e materiais e de decisão política das autoridades de um país.1
O objetivo mais ambicioso no controle de um agravo é a sua erradicação, isto é, a redução a zero da sua incidência e a manutenção deste valor independentemente da continuidade da aplicação das medidas de prevenção. E um objetivo almejado em pouquíssimas situações.1,2,3,4 No caso do controle da varíola, por exemplo, há mais de 20 anos não há registro de caso novo no mundo, mesmo após a suspensão das atividades de vacinação, medida utilizada na campanha mundial de erradicação da doença.
Quando este objetivo foi formulado, houve uma alteração na estratégia de aplicação da medida de prevenção adotada: a vacinação. A vacina contra a doença era conhecida há quase 200 anos (Ienner, 1796), porém era aplicado com vista a redução da sua incidência. A busca de cobertura universal desta medida preventiva foi adotada quando o objetivo da campanha passou a ser o de erradicação.
Um segundo objetivo é o da eliminação de um agravo, isto é, a redução a zero de sua incidência, mas com manutenção, indefinidamente no tempo, das medidas de controle. O programa atual de controle do sarampo tem como objetivo a sua eliminação, porém com a manutenção de altas coberturas vacinais por tempo indeterminado. O controle da poliomielite nas Américas é outro exemplo. Tem como objetivo a eliminação da doença, porém sem suspender a vacinação, que deve manter altas coberturas, indefinidamente no tempo. O atual controle do tétano umbilical estabeleceu como objetivo sua eliminação, por meio da vacinação permanente de mulheres em idade fértil.
Alguns autores adotam o termo eliminação para redução da incidência a zero de uma doença em um país, região ou continente e erradicação para a eliminação que atinge todos os continentes. Não entram no mérito da manutenção ou não de atividades de controle específicas.5
Para muitos agravos, os conhecimentos atuais ainda não permitem que se estabeleçam atividades de controle com objetivos tão ambiciosos como os anteriores. Assim, muitas vezes, é possível apenas a redução da incidência a níveis tão suficientemente baixos que os agravos deixem de ser problemas de saúde pública. São exemplos os atuais programas de controle do calazar, da doença de Chagas e da coqueluche.
Para outros agravos, no momento, só se pode almejar programas de controle com objetivos de redução da gravidade, por meio de diagnóstico e tratamento precoces, como é o caso da leishmaniose tegumentar e da esquistossomose. Esta última tem resistido a diminuição de sua incidência, mas tem havido redução de suas formas graves, hépato-esplênicas, pelo tratamento em massa de população de escolares em áreas de alta prevalência.
Finalmente, as vezes, o único objetivo possível é o de reduzir a letalidade de um agravo, como é o caso do programa de controle do câncer de mama, que utiliza o diagnóstico e o tratamento precoces, com a finalidade de diminuir o número de óbitos pela doença.
O controle de um agravo pode ter mais de um dos objetivos acima referidos. Se o objetivo é erradicar a doença, está claro que os outros objetivos, hierarquicamente inferiores, serão atingidos quando aquele for alcançado. Pode ainda ocorrer a mudança dos objetivos das atividades de controle em conseqüência de novos recursos científicos, tecnológicos e financeiros. O programa de controle da poliomielite passou a buscar a eliminação da doença e não apenas a redução de sua incidência. O da hanseníase busca hoje, além da menor gravidade dos casos, a redução da sua incidência pela diminuição das fontes de infecção, conseguida pela multiquimioterapia precoce.
A dicotomia simplista entre erradicação e controle, isto é, eliminação da doença ou redução de sua incidência, não permite distinguir os outros objetivos de controle de um agravo. A importância desta abordagem não é somente de natureza semântica. O estabelecimento de objetivos bem claros, precisos e explícitos, leva a formulação de metodologias e estratégias adequadas ao que é proposto.
A estratégia global de luta contra a malária estabeleceu diferentes objetivos ao longo deste século. Antes da era do DDT, falava-se em controle da doença (leia-se redução da incidência). Com a descoberta do efeito inseticida do DDT, o programa adotou o objetivo de erradicação. De fato, a incidência da transmissão natural da doença foi eliminada nos países desenvolvidos. Porém, após verificar-se que os princípios em que se baseava a proposta de erradicação não eram aplicáveis em áreas subdesenvolvidas e de população instável, o programa voltou a adotar objetivos de redução da letalidade, redução da gravidade ou redução da incidência, dependendo das condições socioeconômicas, culturais, ambientais, epidemiológicas e biológicas locais.6,7
Assim, o termo controle é muito amplo e engloba todas as medidas de luta contra um agravo. Os objetivos das atividades de controle devem estar coerentes com as medidas preventivas adotadas. Voltando ao exemplo da poliomielite: quando o programa objetivou a eliminação da doença, modificou sua estratégia de vacinação, criando os dias nacionais de vacinação, com intensa mobilização popular. Modificou ainda as atividades de vigilância epidemiológica da doença, estendendo a investigação de casos a todos os de paralisia flácida e não apenas aqueles suspeitos de poliomielite nas suas formas clássicas.
A definição de objetivos precisos é de fundamental importância para a identificação das medidas preventivas a serem adotadas e na forma como devem ser aplicadas. E também de muito valor na avaliação dos resultados alcançados no controle de doenças e de outros agravos a saúde.
Bibliografia
1. Evans AS. The eradication of communicable diseases: myth or reality? American Journal of Epidemiology 122:199-207, 1985.
2. Forattini O. Varíola, erradicação e doenças infecciosas. Revista de Saúde Pública 22 : 371-374, 1988.
3. Fenner F, Henderson D, Arita I, Jezek Z, E Landnyi. Smallpox and its eradication. World Health Organization, Geneva, 1988.
4. Henderson DA. Smallpox eradication. Public Health Report 95:422-426, 1980.
5. Pereira M G. Vigilância Epidemiológica. In: Epidemiologia - Teoria e Prática. Editora Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1995, p.449-482.
6. Marques AC, Cardenas H. Combate à malária no Brasil: evolução, situação atual e perspectivas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 27 (Suppl.III):91-108, 1994.
7. Tauil PL. Comments on the epidemiology and control of malaria in Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 81 (Suppl.II): 39-41, 1986.
Endereço para correspondência:
Faculdade de Ciências da Saúde,
Departamento de Saúde Coletiva,
Universidade de Brasília.
Campus Universitário Darcy Ribeiro,
Asa Norte.
CEP:70910-900.