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Informe Epidemiológico do Sus

versão impressa ISSN 0104-1673

Inf. Epidemiol. Sus v.7 n.2 Brasília jun. 1998

http://dx.doi.org/10.5123/S0104-16731998000200004 

Notas para a constituição de um programa de vigilância ambiental dos riscos e efeitos da exposição do mercúrio metálico em áreas de produção de ouro*

 

 

Volney de M. CâmaraI; Alexandre P. SilvaII; Jacira A. CancioIII

IProfessor Titular do Departamento de Medicina Preventiva-FM e Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Consultor do COHEMA e do Instituto Evandro Chagas e Pesquisador do CNPq
IIConsultor do COHEMA do Instituto Evandro Chagas e Diretor Técnico da Ambios Engenharia e Processos Ltda
IIIConsultora da área de Saúde e Ambiente da Representação da Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este documento tem como objetivo contribuir para a constituição de um programa de vigilância ambiental voltado para os riscos e efeitos adversos à saúde causados pela exposição ao mercúrio metálico em áreas de produção de ouro. Após uma introdução onde é enfatizada a prioridade deste tema para atividades de vigilância, são apresentados e discutidos os dois principais componentes da vigilância: o sistema de informação e as atividades de intervenção. Quanto ao sistema de informação, os itens incluídos foram as características do agente, as características do ambiente, as populações expostas e os efeitos adversos para a saúde. No tocante às atividades de intervenção, foram abordados o controle da emissão de mercúrio nas lojas que comercializam ouro, o controle da emissão nos garimpos e nas residências, as recomendações e propostas de alteração da legislação, o desenvolvimento de programas de educação para a saúde, o tratamento dos casos e outras medidas, com ênfase no monitoramento para avaliar o impacto do programa no ambiente e na saúde dos expostos.

Palavras-Chave: Mercúrio; Vigilância; Ambiente; Garimpo de Ouro.


SUMMARY

This paper aims to contribute to the development of a surveillanceprogram for preventing metallic mercury exposure and its humaan effects ingoldmining areas. Following an introduction with emphasis on the importance of this subject as a priority for surveillance programs, the authors discuss the main points related to the creation of an information system including data from pollutants, environment, population exposed and adverse health effects as well as the implementation ofpreventive and control measures (control of metallic mercury emission to the atmosphere fomgold-buying establishments, incdoor andgoldminingareas, legislation, education for health, health care forpeople affectedandmonitoringfor evaluating the impact ofthis surveillance program).

Key-Words: Mercury; Surveillance;Environment; Goldmining.


 

 

Introdução

A vigilância ambiental constitui-se na principal estratégia que pode ser utilizada para a eliminação, prevenção, mitigação e controle das situações de risco a saúde humana presentes no ambiente. Trata-se de um processo de coleta e análise de informações sobre riscos e efeitos a saúde que são posteriormente processados e analisados para servirem como insumos para conclusões e recomendações que incluem propostas de ações de prevenção e controle. As informações a serem obtidas abrangem dados sobre as situações de risco, tais como as de origem química, física, biológica, mecânica, ergonômica e psicossocial; os indicadores de morbidade e mortalidade para avaliação dos efeitos adversos a saúde; as características do ambiente e outros fatores de risco que podem interferir na ocorrência ou magnitude do dano a saúde; e os grupos populacionais expostos. Neste sentido, apresenta dois elementos fundamentais: o primeiro, um sistema de informação e o outro, constituído pelas atividades de intervenção.

A relação entre o ambiente e a saúde implica uma multiplicidade de questões que incluem desde preocupações internacionais como a perda da camada de ozônio, o aquecimento da temperatura e a pobreza, até questões mais específicas, como a poluição por contaminantes que atingem os diversos compartimentos ambientais, a qualidade da água para consumo, a presença de vetores e a ocorrência de zoonoses.

Neste documento, pretende-se fornecer subsídios para elaboração de um programa de vigilância ambiental voltado para a saúde das populações expostas a um contaminante químico de grande relevância para a saúde pública deste país, ou seja, o mercúrio metálico, que atinge notadamente aqueles grupos populacionais que trabalham ou vivem em áreas de produção de ouro. Trata-se de uma situação muito especial e que não tem parâmetros de comparação com outras atividades econômicas no Brasil, principalmente no que se refere a sua estrutura social e econômica, aos intensos movimentos migratórios, a multiplicidade dos riscos a saúde e ao estágio de desenvolvimento ainda precário na Amazônia, que influem de forma decisiva no planejamento e execução de qualquer proposta de vigilância de problemas ambientais.1 A inclusão do mercúrio em programas de vigilância tem também o respaldo dos principais critérios recomendados pela Organização Mundial da Saúde:23 ubiqüidade e abundância no ambiente; persistência ambiental; capacidade de bioacumulação e biomagnificação; número de pessoas expostas, além da gravidade e freqüência dos efeitos a saúde.

Vale acrescentar que o desenvolvimento de um programa de vigilância em áreas de produção de ouro requer uma metodologia que tenha como premissa uma abordagem multidisciplinar e que promova a integração de setores e instituições, além de priorizar a participação comunitária em todas as etapas do desenvolvimento do programa, desde a busca da informação até o planejamento e implantação das ações de caráter preventivo. Uma dificuldade a enfrentar-se no caso do mercúrio metálico é o fato de a população estar mais preocupada e atenta aos eventos agudos mais freqüentes, tais como a malária, do que a exposição ao mercúrio, cujos efeitos a saúde são desconhecidos e aparecem de forma insidiosa e crônica.

 

Informações gerais sobre o mercúrio

A poluição por este metal ocorre principalmente através de sua queima nas atividades garimpeiras. E utilizado para formar um amálgama com o ouro fino encontrado sob a forma de pó, sendo primeiramente queimado nos garimpos para obtenção do bullion, ouro ainda impuro contendo, dentre outras impurezas, 3 a 5% de mercúrio.4 Este ouro "impuro" é vendido para lojas em áreas urbanas, onde sofrem uma segunda queima em capelas que não possuem instalações adequadas para a retenção dos vapores, podendo estas emissões atingir a população residente.

O mercúrio resiste a processos naturais de degradação, podendo ficar depositado no ambiente por muitos anos, sem perder sua toxicidade. Quanto a possibilidade de transformação no ambiente, pode sofrer biomagnificação e bioacumulação. Ao atingir os ambientes aquáticos, as espécies inorgânicas do mercúrio podem sofrer reações mediadas principalmente por microorganismos que alteram o seu estado inicial, resultando em compostos organomercuriais, como o metilmercúrio, mais tóxico que as espécies inorgânicas.4 O metilmercúrio é facilmente absorvido por peixes e outros animais aquáticos, o que provoca uma deposição dessa substância química nos tecidos desses animais, fazendo com que ao longo do tempo se acumulem e, através da cadeia biológica, atinjam concentrações bem maiores que as originalmente encontradas no ambiente.4,5

E um metal cumulativo no ser humano e de alta toxicidade. Neste documento interessa o mercúrio metálico, que geralmente é absorvido pela via respiratória, sendo parte depositada em tecidos, onde se conjuga com grupamentos sulfidrilas de proteínas. A fração não absorvida é eliminada principalmente através da urina. Pode causar intoxicação aguda, em que predominam os sinais e sintomas respiratórios e intoxicações subagudas e crônicas, onde destacam-se os efeitos sobre o sistema nervoso e rins.6'7,8

No tocante a população exposta ao mercúrio metálico nas áreas de produção de ouro, podem-se incluir: os garimpeiros, os trabalhadores de lojas que vendem ouro, as pessoas que vivem próximas aos locais de garimpo e a população urbana próxima destas lojas. Os expostos ao metilmercúrio abrangem as pessoas que se alimentam de peixes, notadamente os carnívoros.

A sua importância para a saúde pública e inclusão nos programas de vigilância ambiental estão demonstradas num estudo realizado no Município de Poconé-MT.

 

Estudo de caso realizado em Poconé, Mato Grosso

O estudo avaliou os níveis de exposição e efeitos em populações não trabalhadoras, abrangendo uma amostra de 200 pessoas do centro da cidade que residiam até uma distância de 400 metros a favor dos ventos, tomando-se como referência as lojas compradoras de ouro e outras 166 pessoas de duas comunidades para comparação, sendo uma da periferia da cidade e outra de uma área agrícola.9

A Tabela 1 apresenta um resumo dos níveis médios de mercúrio encontrados em urina, solo e poeira. As medidas descritivas das análises dos teores de mercúrio total na urina, nos grupos estudados, revelaram uma média abaixo do valor de referência de 6,9 µg/l10,11,12. Todavia, foram identificadas 14 pessoas no Centro e 13 na Periferia apresentando teores acima de 10 µg/l, o que demonstrou a ocorrência de exposição ao mercúrio nessas duas áreas.

 

 

A Tabela 2 apresenta um resumo dos principais resultados dos níveis de exposição encontrados nas 13 pessoas da amostra da periferia. No Centro, a não identificação de outras fontes de exposição evidenciou que, provavelmente maior exposição pudesse estar associada as emissões provenientes das casas compradoras de ouro. Quanto ao grupo da Periferia, concluiu-se que se tratava de poluição intradomiciliar através da queima de amálgamas trazidos dos locais de extração de ouro, isto porque, nas investigações posteriores, todas as pessoas que apresentavam teores elevados de mercúrio na urina relataram queima de amálgamas de ouro-mercúrio trazidos dos garimpos por outros membros da família no fogão da casa.9 Deste modo, além da exposição ocupacional ao mercúrio metálico nos garimpos e nas lojas, foi configurada também a possibilidade de exposição intradomiciliar, através das emissões das lojas e do procedimento de queima do ouro nas residências.

 

 

Vigilância Ambiental

Os principais elementos que compõem um programa de vigilância ambiental, ou seja, a criação de um sistema de informação que forneça subsídios para medidas de intervenção que possam gerar um impacto positivo para o ambiente, e conseqüentemente, para a saúde das pessoas, podem ser resumidos assim:

1. Sistema de informação

A informação é indispensável para o desenvolvimento de qualquer atividade de vigilância e, para fins didáticos, pode ser classificada em informação sobre o agente, as características do ambiente, os indivíduos expostos e os efeitos.

Os dados qualitativos e quantitativos devem ser registrados e, no caso da informação quantitativa, existem vários tipos de programas computacionais que podem facilitar sua análise.

a) A informação sobre o agente

No tocante á informação sobre o agente, é importante enfatizar que não existe apenas um tipo de mercúrio no processo produtivo do ouro, e sim, dois: o metálico e o metilado. Para cada uma dessas formas químicas, são necessárias, muitas vezes, diferentes metodologias e tecnologias para monitoramento ambiental e biológico dos níveis de exposição ou dos seus efeitos.

As amostras biológicas mais adequadas para análise dos níveis de exposição ao mercúrio metálico são o sangue e, principalmente, a urina. O sangue é menos utilizado devido á queda pronunciada do conteúdo do metal que ocorre após o período de exposição e os cabelos são indicados para o monitoramento da exposição ao metilmercúrio.

Para a urina, o ideal seria a coleta do total das 24 horas, o que geralmente não é possível. Por este motivo, recomenda-se a coleta da 1a urina da manhã. Campos e Pivetta13 sugerem acondicionamento em frascos de polipropileno de boca larga, armazenamento em freezer (-20ºC), mantendo congelada a amostra no transporte. No caso do sangue, sugerem uma quantidade de 10 ml, coletados em seringa heparinizada, armazenados em frascos de polipropileno conservado com heparina em freezer. O método de determinação, tanto para a urina como para o sangue, deve ser por espectrofotometria por absorção atômica, pela técnica do vapor frio.

No monitoramento ambiental do mercúrio metálico utilizam-se amostras de ar, solos e poeiras. Todavia, muitas vezes é necessário excluir a possibilidade de estar ocorrendo exposição ao metilmercúrio e, por esse motivo, justifica-se a coleta de outros tipos de amostras, tais como peixes e sedimentos.

Além do levantamento das fontes antrópicas de emissão, faz-se necessária a determinação dos valores médios naturais (background) e outros parâmetros naturais que interfiram na forma, mobilidade e, principalmente, na biodisponibilidade do poluente. As dificuldades operacionais para realização de estudos visando á determinação de valores médios naturais, tornam usual a comparação dos teores de mercúrio encontrados nas amostras de diversos compartimentos ambientais com os limites estabelecidos pela legislação nacional ou com critérios estabelecidos por pesquisadores reconhecidos.

Evidentemente, a quase totalidade dos sistemas de vigilância não possui laboratório toxicológico próprio para realização de análises, além de recursos humanos especializados que possam realizar a coleta de amostras ambientais. Neste caso, sugere-se o apoio de Centros de Pesquisa regionais, nacionais ou, até mesmo, internacionais.

Dada a importância que tem para qualquer atividade de monitoramento a criteriosa coleta de amostras representativas, racionalmente organizadas e que garantam a necessária conservação das amostras, de forma a evitar processos de contaminação e de perdas, apresentam-se, a seguir, alguns aspectos a nível de informação básica, segundo cada compartimento ambiental de interesse. No caso específico do mercúrio, pode-se citar:

Amostragem de solos: Para determinar o nível de referência que exprima a concentração natural do elemento no ambiente, utilizam-se teores médios naturais coletados em pontos onde não haja interferência de mercúrio proveniente de emissões antrópicas. A amostragem pode ser realizada nas camadas superficiais (<10 cm de profundidade), de forma composta, com alíquotas coletadas em diversos pontos com critérios definidos, através de pás plásticas (pás de jardinagem) em massa de até 1kg. Esse material é acondicionado em sacos plásticos, com embalagem e rotulação dupla, hermeticamente fechados e mantidos sob refrigeração, até o momento da análise.4,5

Amostragem de sedimentos: A coleta de amostras de sedimentos de corrente pode ser realizada com pás ou colheres, em ambientes aquáticos de baixa profundidade, ou com dragas de diferentes tipos e modelos, para grandes profundidades. A coleta de perfis de sedimentos, material importante para avaliar a evolução temporal de processos de contaminação, pode ser realizada através da introdução de um tubo de PVC (duas polegadas de diâmetro e aproximadamente 50 cm de comprimento) no local de amostragem. Esse tubo contendo a amostra é depois cortado em segmentos para os procedimentos analíticos. A amostragem deve ser realizada, preferencialmente, em locais rasos, de baixa velocidade de fluxo. As amostras de sedimentos, de superfície ou de perfis, são secadas ao ar, a sombra, e peneiradas através de malhas de 200 mesh. Após a secagem e classificação, as amostras devem ser enviadas, em frascos de polietileno de boca larga, para a determinação analítica. As amostras, quando necessário, devem ser conservadas já secas, em frascos ou sacos plásticos, sob refrigeração mínima de 4°C. Sob essas condições, as amostras de sedimentos poderão ser conservadas por até dez dias, antes dos procedimentos analíticos.5,14

Amostragem de águas: Com o conhecimento prévio dos pontos de possível emissão de mercúrio, a amostragem nos rios deve ser feita a montante e a jusante das fontes poluidoras, com a inclusão opcional de pontos adicionais, para referenciar o grau de poluição da área em estudo. A coleta de águas superficiais para a análise de mercúrio deve ser realizada em recipientes de vidro (neutro ou borossilicato) ou plástico (polietileno), com capacidade de 250 ml. 0 frasco coletor, seguro pela base, deve ser mergulhado com a boca para baixo, a 15-30 cm da superfície, para evitar a introdução de contaminantes superficiais. Durante a coleta, deve-se manter a boca do frasco de coleta contra a corrente e evitar a inclusão de partículas grandes, detritos, folhas ou outro tipo de material. Dependendo da análise a ser realizada (mercúrio total ou mercúrio dissolvido), a amostra deve ser imediatamente filtrada. A preservação da amostra, por período de até dez dias, pode ser obtida através da adição de 10 ml de solução de 0,5 g/l de ácido nítrico (k2Cr207) e 50 ml/l de dicromato de potássio (HNO3). Os reagentes utilizados devem apresentar baixos valores de branco para mercúrio e serem guardados sob refrigeração.5,14

Amostragem de ar: Em regiões inóspitas, como a Amazônia, é mais prático realizar a amostragem do ar através de sucção de volumes conhecidos e com bombas apropriadas, movidas a bateria, através de tubos contendo ouro metálico em forma de finos fios enovelados ou de grãos de materiais diversos, recobertos por ouro (trap de ouro). O mercúrio existente no ar, quando succionado, entra em contato com o ouro, fixando-se aí pela amalgamação. Posteriormente, no laboratório, em fornos apropriados, o trap de ouro é aquecido e, com o auxílio de gás de arraste, libera o mercúrio para a célula de absorção do espectrofotômetro.5

Amostragem de poeiras: Para sua amostragem, podem ser utilizados pequenos pincéis de fibra vegetal, devidamente limpos. As amostras devem ser acondicionadas em pequenos sacos plásticos, devidamente lacrados após a coleta e mantidos sob refrigeração até o momento da análise.5

Amostragem de biota (peixes): Malm e Guimarães15 sugerem inicialmente um levantamento de espécies de todos os hábitos alimentares, dando-se preferência aos peixes carnívoros. Após a coleta, o peixe deve ser congelado imediatamente, anotando-se procedência, peso, nome popular, local e data da coleta.

Caso não seja possível realizar o monitoramento do mercúrio metálico, principalmente naqueles casos em que os sistemas de vigilância não dispõem dos recursos técnicos e humanos indispensáveis para realizar essa atividade, podem-se utilizar outros tipos de informação, tais como:

- resultados de pesquisas;

- cadastros de pontos de emissão (garimpos e comercialização do ouro);

- registros de produção e comercialização de ouro;

- registros de importação do mercúrio metálico;

- denúncias de situações ambientais de alerta;

- registros de sindicatos e associações de classe;

- queixas e demandas de associações comunitárias.

O único cadastro de pontos de garimpo e garimpeiros existente foi elaborado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral em 1991, possuindo informações desatualizadas, uma vez que a produção do ouro lera intensos movimentos migratórios. Podem-se também obter registros das próprias prefeituras dos municípios. Os dados de importação de mercúrio, quando registrados, estão disponíveis no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), ressalvando-se porém que existem indícios de contrabando deste metal para dentro do País, o que diminui a confiabilidade dos dados existentes.

b) A informação sobre as características do ambiente

Algumas características do ambiente natural interferem consideravelmente na cinética do mercúrio metálico, dando uma dimensão da importância que o período do ano e a área geográfica assumem nesse processo. Dentre essas características, destacam-se:

- condições meteorológicas (temperatura, ventos e chuvas);

- classes de solos e sedimentos;

- topografia;

- características hidrogeológicas das áreas de drenagem;

- características físico-químicas das águas de drenagens;

- mecanismos naturais de transporte;

- barreiras físicas e biológicas ao transporte;

- transferência entre meios;

- formação geológica.

Nos períodos de chuvas, na Amazônia, o volume das águas praticamente impede a atividade garimpeira, diminuindo consideravelmente a produção e, por conseqüência, a comercialização do ouro. Como resultado, decrescem os índices de exposição e a possibilidade de aparecimento dos efeitos adversos à saúde.

c) A informação sobre as populações expostas

As principais informações sobre as populações expostas aos riscos de contaminação por mercúrio são: dados demográficos, indicadores de saúde (morbidade e mortalidade), informações sobre estudos epidemiológicos e toxicológicos, além de outros dados provenientes de grupos comunitários. Essas informações permitem configurar o perfil do padrão de ocorrência das doenças na população e servem, entre outros, para definir grupos de risco, tais como crianças, idosos, gestantes, enfermos, etc.

Os registros demográficos estão disponíveis no banco de dados e em publicações da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tais como o Censo Demográfico, o Anuário Estatístico do Brasil e por Estados, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios, etc. Estas informações demográficas em áreas de garimpos de ouro, mesmo para áreas urbanas, muitas vezes são escassas e pouco confiáveis, devido ao já citado intenso movimento migratório dos garimpeiros. Assim, as equipes do sistema de vigilância devem considerar a necessidade de que essa informação seja buscada através da pesquisa de campo.

d) A informação sobre os efeitos na saúde

O mercúrio metálico, como visto anteriormente, penetra no corpo humano através da via respiratória e pode causar uma intoxicação aguda em que predominam os efeitos pulmonares, e uma intoxicação crônica, afetando sistema nervoso e rins.8 No caso do metilmercúrio, a penetração ocorre através da via digestiva e não apresenta o quadro agudo descrito na forma metálica, atingindo de forma insidiosa e crônica, principalmente o sistema nervoso e rins, podendo ainda causar lesões teratogênicas.16 Além das diferenças entre as formas de apresentação, destacam-se, entre os aspectos metodológicos associados á definição de "caso", a dificuldade do profissional responsável pela vigilância em lidar com a multiplicidade de riscos e a possibilidade de interação de muitos tipos de efeitos adversos à saúde.

As diversas situações de risco de acidentes e doenças em áreas de garimpos estão associados ao processo de trabalho, relações de trabalho e condições de vida. As relações de trabalho geram violência, que têm origem nos conflitos entre os empresários dos garimpos com os garimpeiros, índios, colonos, proprietários e outros empresários. As condições de vida evidenciam renda insuficiente para os gastos, habitações em condições precárias, falta de saneamento básico, alimentação não balanceada e ausência completa de assistência médica.

Além da exposição a elevadas concentrações de mercúrio, o processo de produção de ouro nos garimpos apresenta outros graves riscos de efeitos adversos para a saúde, dentre os quais se incluem: malária, leishmaniose, doenças sexualmente transmissíveis, hanseníase, gastroenterites, verminoses, tétano, violência, alcoolismo, dependência a drogas, efeitos traumáticos graves pela manipulação de moto-serras, esforços físicos excessivos, exposição aos elementos da natureza, desconforto térmico, surdez, doenças e acidentes hiperbáricos, lombalgia, lesão por vibração excessiva, possibilidade da ocorrência de desabamentos e o câncer de pele associado ao trabalho a céu aberto.1

Para fazer frente aos efeitos específicos do mercúrio sobre o organismo humano, é necessário o planejamento de cursos de capacitação para médicos e demais profissionais de saúde. Esses cursos devem incluir metodologias e tecnologias para o diagnóstico dos casos, tratamento e recuperação das pessoas expostas, além da prevenção da intoxicação.

A falta de dados de morbidade e mortalidade, indispensáveis para a implantação de um sistema de monitoramento de efeitos na Amazônia, faz com que seja necessária a realização de estudos epidemiológicos. Os estudos de prevalência representam o tipo mais factível, porque podem ser realizados em períodos curtos de tempo, uma vez que não é preciso esperar por um longo período para o surgimento de casos novos. Quando o programa de vigilância necessitar de informações sobre associações entre riscos e efeitos, o estudo analítico de tipo seccional ou transversal, por ser um estudo de curta duração, é altamente indicado. Apresenta como principal característica o fato de realizar, simultaneamente, a comparação dos níveis de exposição e da freqüência dos efeitos entre um grupo "estudo", e outro, utilizado como "controle".1

2. As atividades de intervenção

Qualquer atividade de intervenção tem como prioridade uma atuação que elimine o risco, neste caso, o uso do próprio mercúrio. Contudo, na prática, as relações de dependência social e econômica estabelecidas nos municípios produtores de ouro inviabilizam qualquer proposta deste tipo. Cabe então ao profissional da vigilância aplicar medidas de mitigação que, em primeiro lugar, devem priorizar o controle das fontes de emissão do mercúrio metálico. Algumas dessas medidas são:

a) Controle da emissão nas lojas compradoras de ouro

Essas lojas dispõem de exaustores que podem diminuir a exposição dos seus trabalhadores, mas que lançam o mercúrio diretamente no ambiente urbano. E necessária a implantação de sistemas de retenção e recuperação do mercúrio, como, por exemplo, o uso de capelas com exaustão forçada e lavadores com exaustão de gases. Algumas instituições, como o Departamento Nacional de Produção Mineral e o Centro de Tecnologia Mineral-CETEM/CNPq, dispõem de projetos que podem auxiliar as equipes de vigilância.

b) Controle da emissão nos garimpos e nas residências

Os municípios poderiam investir na criação de centros para queima de amálgamas através de procedimentos que realizassem a queima reaproveitando o mercúrio. Os equipamentos que diminuem a emissão de mercúrio para a atmosfera, denominados "retortas", queimam o amálgama ouro-mercúrio em circuito fechado, diminuindo a poluição por mercúrio na fase de queima do ouro (responsável por cerca de 70% do mercúrio lançado no meio ambiente) e, logicamente, decrescendo também o risco da exposição atmosférica dos trabalhadores por este metal.17 Todavia, os garimpeiros não costumam utilizar esse tipo de equipamento porque o preço baixo do mercúrio no mercado desestimula o seu reaproveitamento, sendo uma dificuldade que pode ser enfrentada através de atividades educativas que mostrem a importância do uso das retortas para prevenir danos a saúde das pessoas.

Quanto ao uso de equipamentos de proteção individual, serviriam apenas para os trabalhadores, não tendo efeito prático para a proteção da população em geral.

c) Recomendações e propostas de alterações da legislação

No Brasil, a legislação federal pode ser considerada como satisfatória, sendo o grande problema o seu não cumprimento. O papel do Estado, frente as questões relacionadas ao ambiente em áreas garimpeiras é definido pela Constituição Brasileira em artigos sobre a proteção do meio ambiente, em leis específicas que regulam a importação, comercialização e uso do mercúrio, e em outras leis, como a do Sistema Único de Saúde. O cumprimento dos preceitos constitucionais e do SUS cabe a diferentes instituições, dentre as quais se podem incluir o Ministério da Saúde, o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis, o Ministério do Trabalho e Previdência Social, o Ministério da Justiça, o Departamento Nacional de Produção Mineral, além dos governos estaduais e municipais. A atuação das instituições públicas tem se caracterizado por pouco investimento e ausência de continuidade dos programas.1 Talvez, recomendações e legislações municipais, que levassem em conta as peculiaridades de cada local, pudessem ser mais eficientes para dar suporte aos sistemas de vigilância.

d) Desenvolvimento de programas de educação para saúde

Para a elaboração das propostas educativas (treinamentos, programas com escolares, etc.) são importantes, a identificação e definição de: população alvo, objetivos, metodologias aplicáveis e, se for o caso, instrumentos de apoio didático, tais como cartilhas, folders, cartazes, material audiovisual, uso da mídia, etc.

e) Tratamento dos casos

Após a identificação dos "casos" e dos "casos suspeitos", outra medida imediata é o tratamento das pessoas intoxicadas. O diagnóstico da intoxicação pode ser feito pela anamnese, notadamente pela história ocupacional, exames clínicos e pelas análises laboratoriais, que dependem do tipo de composto mercurial responsável pelo quadro clínico. Não existe nenhum tratamento eficaz das intoxicações, podendo ser realizadas a medicação para os sintomas e, seguindo critérios rígidos, a administração de drogas quelantes, tais como o BAL (British-anti-Lewisite), Edta-Ca e outras.1 O ponto mais importante é a realização do diagnóstico precoce, para imediato afastamento do trabalhador da fonte de exposição.

f) Outras medidas

Podem-se incluir entre as atividades indispensáveis de um programa de vigilância ambiental, a publicação de boletins, a realização de eventos, palestras, cursos, etc. Todavia, é fundamental também o monitoramento permanente da implantação do programa, através da busca e tratamento sistemático de informações previamente definidas como relevantes. O monitoramento oferece o "feedback" indispensável para avaliar o impacto das ações preventivas e pode subdividir-se em:

- Monitoramento das fontes de emissão: principalmente nos locais de queima do amálgama ouro-mercúrio.

- Monitoramento do ambiente natural: utilizar especialmente amostras de ar, poeiras e solos e, no caso da necessidade de afastar a possibilidade de poluição por metilmercúrio, pode-se coletar amostras da biota, mais precisamente os peixes carnívoros.

- Monitoramento de doses absorvidas: o monitoramento biológico da forma metálica, que é concentrada nos rins, é feito pela sua análise na urina. No caso do metilmercúrio, se da mesma forma que no item anterior for também necessário excluir este tipo de exposição, as amostras de escolha são os cabelos.18

- Monitoramento dos efeitos clínicos: para qualquer uma das formas, o diagnóstico de uma pessoa intoxicada deve ser realizado tendo como prioridade a avaliação clínica. Uma pessoa totalmente intoxicada pode apresentar teores de mercúrio em amostras biológicas de sangue, cabelo e urina normais, desde que tenham sido coletadas em um período distante da fase de exposição.

 

Considerações finais

Este documento, evidentemente, não esgota todas as questões relativas a vigilância dos riscos e efeitos da exposição ao mercúrio metálico. Apresenta os itens que os autores consideram indispensáveis a elaboração de um programa de vigilância ambiental dos riscos e efeitos de exposição ao mercúrio metálico em áreas de produção de ouro.

Sugere-se aos profissionais responsáveis pela vigilância em locais de exposição ao mercúrio metálico, a busca de outras fontes de informação sobre o tema nas diversas redes de referências bibliográficas existentes.

 

Bibliografia

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Endereço para correspondência:
NESC/CCS/UFRJ;
Av. Brigadeiro Trompowsky, s/n°.
21.941-000 - Rio de Janeiro/RJ.

 

 

*Extraído e adaptado do relatório final do Projeto "Avaliação de Riscos a Saúde na Região Amazônica Relacionados com a Contaminação Ambiental por Mercúrio", desenvolvido pela Organização Pan-Americana da Saúde e financiado pela Sociedade Alemã de Cooperação Técnica (GTZ-Geselllshaft für Technische Zusammenareit).