A Amazônia desperta grande interesse por conta da riqueza em diversidade e, por séculos consecutivos, vem sendo alvo de ações exploratórias que pouco ou nada impulsionam a formação de conhecimento e o desenvolvimento científico1.
Como exemplo, no século passado, principalmente durante as campanhas sanitárias, pesquisadores realizaram inúmeras necropsias em aves, coletando e descrevendo novas espécies de helmintos que atualmente fazem parte do acervo de coleções de instituições de outras regiões do Brasil2. Nessa ocasião, pesquisadores brasileiros e estrangeiros tinham interesse na vasta biodiversidade amazônica e, devido à falta de controle no trânsito nacional e internacional de material biológico, realizaram inúmeras expedições, exportando amostras de espécies desconhecidas para a ciência, visando compor parte de coleções em museus científicos de diversos países3.
Os fatos descritos não são apenas registros históricos, pois ainda hoje são publicados artigos científicos utilizando amostras que foram coletadas em território amazônico sem a participação de pesquisadores da região. Esse cenário exploratório, que utiliza a Amazônia para arrecadação de verbas públicas para o desenvolvimento de projetos de pesquisa e cuja intenção é apresentar "grandes descobertas" à comunidade científica, não é favorável para a região, pois ainda há pouca formação de recursos humanos locais. Nesse contexto, a ampliação de números, linhas de pesquisa e o fortalecimento dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) seria uma importante estratégia governamental para contornar essas distorções.
Os PPGs vinculados a instituições de ensino e pesquisa básica e aplicada favorecem a formação de núcleos de discussões científicas de excelência, que podem ser multiplicadores de conhecimentos e ações, além de transformadores do contexto social no qual estão inseridos.
A formação de um jovem pesquisador que pretende discutir assuntos relacionados à Amazônia necessita fundamentalmente transcender as paredes de um laboratório, para que haja um contato com as comunidades relacionadas ao tema da pesquisa em desenvolvimento, pois o conhecimento adquirido diretamente em campo reforça efetivamente os conhecimentos adquiridos nos cadernos de protocolos e sensibilizam esse profissional no que se refere às complexas questões em que as populações amazônicas estão inseridas. Dessa forma, um PPG em Ciências Biológicas pode ser determinante para auxiliar na resolução de problemas sociais e nas decisões de políticas para o desenvolvimento local. O cenário amazônico se mostra interessante para o desenvolvimento de pesquisas por abranger temas transversais que podem ser importantes para questões estratégicas do país, uma vez que, por se tratar de uma questão global, regional e, sobretudo, nacional, a promoção do seu desenvolvimento deve ser de interesse do Estado4.
A área de conhecimento Ciências Biológicas III (CBIII), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), engloba PPGs que atuam nas áreas de Microbiologia, Parasitologia e Imunologia e tem se mostrado uma importante área de atuação nos investimentos em pesquisa no país, pois vem crescendo a cada avaliação realizada pela CAPES. Na última, realizada em 2013, o Brasil apresentava 32 Programas vinculados ao CBIII, sendo que apenas cinco estavam localizados na Região Norte (três no Pará, um em Rondônia e um no Amazonas), números que correspondiam a 15,6% do total de PPGs do país. No entanto, levando-se em consideração o número de Universidades e Centros de Pesquisa na mesma Região, percebe-se o potencial de expansão de PPGs que a área CBIII apresenta5,6.
No relatório de avaliação de 2013, concluiu-se que a Região Sudeste concentra a maior quantidade de PPGs e que esses apresentam maiores notas, sendo a única região do país com Programas de conceito 6 e 7 (numa escala de 3 a 7). Nas outras Unidades da Federação, apenas o Pará e o Distrito Federal apresentam PPGs com nota 5. Os demais Estados possuem Programas CBIII com nota 3 e 4. Percebe-se, assim, uma heterogeneidade na distribuição dos PPGs no Brasil5,6.
Uma das metas previstas pela atual coordenação de área CBIII, para este período avaliativo que termina no final do ano de 2016, é homogeneizar a distribuição dos Programas pelo país, tanto numérica quanto qualitativamente, como consta no Documento de Área CBIII6. Vale ressaltar que as notas atribuídas aos Programas não refletem apenas a qualidade de um curso, mas fundamentalmente o aporte de verba federal repassada para a manutenção do mesmo7 que é uma das principais ou única fonte de recurso dos PPGs das Regiões Norte e Nordeste. Entretanto, no conturbado cenário político e econômico que o país atravessa, em 2015 e 2016, os Programas sofreram cortes cumulativos e significativos nos orçamentos, que desfavoreceram aqueles avaliados com menor nota. E esse panorama deveria ser levado em consideração pelos avaliadores da CAPES.
A atual heterogeneidade na distribuição dos PPGs no Brasil reflete a desigualdade no investimento de recursos em diversos setores da sociedade, principalmente os produtivos, e reverter esse quadro requer um pensamento alternativo na conceituação dos Programas. A atual coordenação da área CBIII tem se esforçado para apresentar novos e importantes critérios avaliativos, que superem a corrida pelo número de artigos publicados, pois o pensamento avaliativo numérico e meritocrático, onde o Programa que mais produz publicações em revistas mais conceituadas obtém maior nota e, consequentemente, mais recursos financeiros, desfavorece os Programas menores.
A qualificação da relevância de um PPG deveria levar em consideração o impacto social que esse apresenta na região em que está inserido. Como as necessidades sociais, de cada região do país, são diferentes, as ações de inserção social dos Programas deveriam ser adaptadas para atender as demandas sociais específicas das populações onde atuarão os jovens pesquisadores formados.
Outro fator importante, e que vem recebendo destaque pela coordenação da área CBIII, é a internacionalização dos PPGs6. E, nesse sentido, a Amazônia merece destaque, pois as suas fronteiras transcendem os limites territoriais nacionais, abrangendo outros países vizinhos, com uma fauna que transita sem fronteiras, assim como os agentes infecciosos e parasitários. Deste modo, a Pós-Graduação na Amazônia é uma ferramenta estratégica fundamental nas relações internacionais entre os países vizinhos, mudando a visão exploratória das fontes biológicas para a posição de fornecedora do conhecimento científico a partir de seus próprios atores, e a pesquisa transfronteira nessa região estabelece relações de troca de conhecimentos que podem gerar propostas de melhoria das condições de problemas de saúde pública comuns às nações envolvidas, uma vez que as necessidades muitas vezes são semelhantes8.
Deve-se destacar a internacionalização dos PPGs na Amazônia como um importante núcleo de produção de conhecimento, juntamente com as ações de inserção social descritas anteriormente, trazendo impacto favorável à sociedade brasileira. Dar valor a essas ações e incentivar os Programas menores a desenvolver tais medidas favorecerá a quebra do paradigma da heterogeneidade na distribuição dos PPGs de excelência no país.
A associação entre o conhecimento empírico dos povos tradicionais amazônicos, como indígenas, ribeirinhos, remanescentes quilombolas e imigrantes, mais o conhecimento científico acadêmico, é um fator primordial para o desenvolvimento e fortalecimento da ciência na Amazônia. Pois as medidas de combate à transmissão dos agentes infecciosos e parasitários, alvo de interesse da área CBIII, devem estar associadas aos aspectos etnológicos de uma população que favorece a manutenção dos ciclos de infecção e parasitismo. Dessa forma, o conhecimento gerado, a partir das ações dos PPGs com sede na Amazônia, não pode ser comparado com o de outras regiões do Brasil, pois possuem vivências e experiências científicas e culturais, do ponto de vista de formação de profissionais, diversas das populações amazônicas.
Ademais, como perspectivas futuras, a exemplo das Pós-Graduações com elevados conceitos no Brasil, os Programas localizados na Amazônia deveriam servir de atrativo para influxo de verba8, a partir de investimentos privados que alavanquem não somente pesquisas, mas também soluções para os problemas relacionados aos agentes infecciosos e parasitários.
Dessa forma, o investimento na formação de novos PPGs amazônicos, a consolidação e fortalecimento dos Programas já existentes e também o estímulo para o desenvolvimento de pesquisas nessa importante e estratégica área refletirão na garantia de ações sociais específicas e importante estreitamento nas relações internacionais com países vizinhos em prol da melhoria na qualidade de vida do homem amazônico.